É curioso: na gíria brasileira, em especial no seio da “família tradicional”, muitas vezes levanta-se o chinelo ou a cinta para espancar um fedelho desobediente com o argumento: “ele estava fazendo arte!” Ou seja, artista é algo que você é acusado de ser, o arteiro é aquele que está sendo denunciado por alguma balbúrdia. Diante deste sentido corrente, pode parecer bizarro que alguém queira propor esta tese aparentemente estapafúrdia: todas as escolas deveriam ser escolas de arte.
A obra de Bob e Roberta Smith, que serve de veículo para a proposta all schools should be art schools (saiba mais no site da Tate), hoje suscita réplicas como aquela instalada no Parque de Esculturas de Yorkshire (foto que abre este post). Para esclarecer o que diabos quer dizer, de maneira concreta, a transfiguração de todas as instituições educativas em espaços de aprendizado artística, A Casa de Vidro convoca a obra lançada pela Penguin Books, de Will Gompertz, Think Like an Artist / Pense Como Um Artista (lançada no Brasil pela Ed. Zahar, 2015):
“Bob e Roberta Smith argumentam que o principal problema está no corpo estreito de conteúdos ensinado nas escolas, que ao longo de gerações tem sido codificado em um conjunto de regras fechadas e limitadas. Para eles, no entanto, a arte – e por extensão a criatividade – ‘significa quebrar regras’ e ‘descobrir coisas novas’.
Existe, é claro, um paradoxo na noção de que os alunos devem ir à escola para aprender a quebrar regras, mas talvez valha a pena ponderar a questão… Em muitas salas de todo o mundo, os alunos terão aulas e serão informados sobre as descobertas científicas de Einstein e Galileu, as peças de Shakespeare e as façanhas de Napoleão. Eles vão ouvir, aprender e fazer anotações. E então lhes será aplicada uma prova em que serão solicitados a contar o que lhes foi dito.
No entanto, a principal razão pela qual estão aprendendo sobre esses indivíduos é porque Einstein, Galileu, Shakespeare e Napoleão alcançaram grandes feitos ignorando a sabedoria convencional e sendo corajosos o suficiente para questionar pressupostos longamente estabelecidos. Em outras palavras, eles se destacaram por não fazerem o que lhes foi prescrito. Será possível que os alunos aprendam o que estas grandes mentes alcançaram, mas nem sempre a lição mais valiosa, isto é, como fizeram isso?
(…) Isso no faz pensar sobre o valor real do nosso atual sistema público de avaliações, baseado em regurgitar a informação recebida. Evidentemente, os princípios têm de ser aprendidos, e alguma forma de teste ou exame é útil. Mas esses exames deveriam ser baseados principalmente na retenção de conhecimento, como acontece hoje em grande medida? Não serão de certa forma uma ferramenta inútil, quando quase todos os fatos estão apenas a um clique de distância? (…) Será que os exames, em vez de abrir os olhos dos alunos, não estão lhes colocando um par de antolhos?
E se o status da criatividade nas escolas e universidades fosse elevado? As instituições acadêmicas poderiam então se sentir encorajadas a assumir uma abordagem do tipo da escola de arte para a educação como um todo, concentrando mais o currículo em projetos que os alunos ajudariam a definir e menos nos exames. Talvez premiar o Novo e o Interessante, em lugar do Certo ou do Errado, ajudasse a desenvolver mais as habilidades necessárias para uma economia criativa.
Tal abordagem poderia dar aos alunos mais oportunidade de criticar o trabalho uns dos outros, em discussões facilitadas por um professor cujo papel não seria necessariamente o de ter todas as respostas, mas garantir uma interação socrática que levaria a revelações e progresso. O objetivo não seria ridicularizar ou diminuir, mas expandir horizontes, identificar problemas e resolver incoerências.” (GOMPERTZ, WILL. p. 194)
Publicado em: 10/08/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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