CRONOS
Oh dor, oh dor! O tempo devora a vida
E o Inimigo obscuro que nos rói o coração
Do sangue que perdemos cresce e se fortifica.
( Ô douleur, ô douleur! Le Temps mange la vie,
Et l’obscur Ennemi qui nous ronge le cœur
Du sang que nous perdons croît et se fortifie !)
BAUDELAIRE. As Flores do Mal.
Ó Tempo, que teus filhos devora,
Seja noite ou manhã, crepúsculo ou aurora,
De onde tiraste tamanha fome de gula?
Não te cansa ter mandíbulas sempre em obra?
Não permites que escapes às tuas leis férreas
Nem bichos, nem plantas, nem gentes.
A cosmo-ciranda assim segue sua valsa
Enquanto te banqueteias de carnes sangrentas.
Não peço em meu nome exceção ou privilégio;
Sei-me solidário a tudo que vive e é efêmero.
Só não me peças que marche sem angústias no peito!
Enquanto rumo adentro de tua bocarra aberta
Sentindo teus dentes me mordiscando vivo
Ó Cronos, guloso, oponho-te inútil revolta!
* * * * *
MEMENTO MORI
A formiga que o calçado esmaga;
Mosca enredada em aracnídea teia;
UTIs lotadas de vidas que resistem ou desistem;
Sirenes de ambulâncias; defuntos indo pra IMLs;
Eis alguns mementos de Cronos de gula imensa
(Nhác, nhác, nhác!) – que a todos mastiga.
Cada segundo uma mordida,
Que nos arranca tempo a dentadas.
Dia a dia, miríades são devoradas.
Cada vida: uma piscadela.
Talvez viver não passe de um pisco
E o cosmo girante um grande palco
Onde impõe-se que a pálpebra se feche
Como cai no teatro a cortina.
* * * * *
MOÇO ATÉ A COVA
Pois sei-me envelhecente
Caminhante pro ocaso
Andarilho ao crepúsculo
Procuro o que me remoce!
Um bom disco de rock,
Curtido no talo.
Ervas terapêuticas.
Eventualmente um porre.
Um olhar amante quando o Sol raia
– e que acalenta mais que mil estrelas -,
Carícias impudicas sob o manto da noite.
Fontes da juventude
Pra quem sabe-se em fluxo intenso
Na mão-única do tempo
E insiste em ser moço até a cova.
* * * * *
EM LOUVOR ÀS MARÉS
Que o amor não seja sem terremotos,
Que haja furacões que arrastam hábitos,
Que não seja igual a dois caindo na mesmice,
Mas convivência que fecunde e expanda!
Que o amor não seja só alegrias e flores:
toda confeitaria em excesso acaba dando engulhos.
É preciso saber dosar os doces e os amargos
Como um bom músico mescla os agudos e os graves.
Que o amor seja um longo aprendizado,
Em que aprendiz e mestre não tem posições fixas,
Onde um aprende com o outro, de modo dinâmico,
Como peixes que fluem juntos no rio do tempo.
Que seja o amor o balé entre a união e a separação,
A oscilação entre altas e baixas marés.
Pois que monótono seria o mar caso fosse fixa
A quantia de espuma que empurra pras areias!
* * * * *
LUA CHEIA DE SI
Ó Lua tão cheia de si
Brilhando na noite daqui
No breu sou eu que te vê
Deslumbrante iluminar-te ao Sol.
Ó banhista toda despudor,
É assim que te anseia meu olhar –
Me ensinas que a noite é relativa
E que apenas metade de ti está sem luz.
Em breve teu dorso deslizará
Para além de meu campo de visão
E será a vez de nós terráqueos estarmos
Cara-a-cara com o esplendor do Sol.
Ó Lua cheia, tão gélida e distante,
Que bailas pela galáxia gigante,
Não somos assim tão alheios
Já que o mesmo Sol nos banha!
* * * * *
PERDENDO A CONTA
Quantas voltas já deu a Terra
(peralta bola giratória!)
Ao redor desta estrela próxima?
(gloriosa esfera incendiária!)
Suspeito que quando nasceu a matemática
(produto tardio de cérebros primatas!)
Já era bem antiga a rotação galáctica
(bailado cósmico de eternas rodopiadas!)
Eu, que não sei contar nem grãos de areia na praia,
Desespero-me diante da profusão de galáxias!
Incapaz de contabilizar estrelas,
Ou dar o resultado da soma dos átomos,
Demito-me e desisto
Pois diante do infinito
Só sei perder a conta.
* * * * *
O PERIGO DAS GAIOLAS
Um perigo ronda o pássaro em sua jaula:
Que se atrofiem as asas na gaiola,
E que o alpiste que lhe dão de lambuja
Lhe dê cômoda preguiça acomodada.
Se um dia lhe esquecem aberta a porta
Terá a audácia de aventurar-se a asa?
Ou quedará quieta, no cárcere segura,
Julgando a liberdade muito custosa?
Tristes aos ouvidos livres soam
Os blues cantados nas gaiolas!
Felizes dos olhos que testemunham
Pássaros planando na brisa!
Mas quem, porém, é livre de nascença,
Acostumado a vôos sem freios nem peias,
Há de saborear com tanta pureza
Quanto o liberto o sabor de livre tornar-se?
Todos os poemas:
Eduardo Carli de Moraes, Goiânia, 2013.
Publicado em: 27/10/13
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
Poemas maravilhosos! Parabéns ao Eduardo Carli!
carpe diem et memento mori!
ótimos poemas, vou levar à cova
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Adriano Yamamoto
Comentou em 28/10/13