“Somos obrigados a ouvir compulsivamente que ‘a divisão esquerda/direita não faz mais sentido’. Essa conversa é utilizada para fornecer a impressão de que nenhuma ruptura radical está na pauta do campo político, ou de que não há mais nada a esperar da política a não ser discussões sobre a melhor maneira de administrar o modelo socioeconômico hegemônico nas sociedades ocidentais. (…) A função atual da esquerda é, por isso, mostrar que tal esvaziamento deliberado do campo político é feito para nos resignarmos ao pior, ou seja, para nos resignarmos a um modelo de vida social que há muito deveria ter sido ultrapassado e que evidencia sinais de profundo esgotamento.”
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“A política é, em seu fundamento, a decisão a respeito do que será visto como inegociável. (…) Este livro pretende falar, pois, do inegociável, isto é, a primeira coisa que a esquerda esquece quando assume o governo e começa a ficar fascinada por ser recebida em casas de escroques na Riviera Francesa, por ser convidada para vernissages de publicitários travestidos de artistas plásticos e por começar a ler mais sobre vinhos caros do que sobre a alienação do trabalho nas linhas de montagem da Ford.”
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“Com o governo Lula (2003-2010), continuamos obrigados a conviver com o bloqueio reiterado da reconstrução dos fundamentos gerais do campo do político, como se a imersão na “pior política” fosse uma fatalidade intransponível. A despeito de sua capacidade de colocar a questão social enfim no centro do embate político e de compreender o necessário caráter indutor do Estado brasileiro no nosso desenvolvimento socioeconômico, o governo Lula será lembrado, no plano político, por sua incapacidade de sair dos impasses de nosso presidencialismo de coalizão. Como se a governamentabilidade justificasse a acomodação final da esquerda nacional a uma semidemocracia imobilista, de baixa participação popular direta e com eleições que só se ganha mobilizando, de maneira espúria, a força financeira com seus corruptores de sempre.”
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“A democracia depende de um aprofundamento da transferência de poder para instâncias de decisão popular que podem e devem ser convocadas de maneira contínua. (…) Com o desenvolvimento das novas mídias, é cada vez mais viável, do ponto de vista material, certa “democracia digital” que permita a implementação constante de mecanismos de consulta popular. (…) O verdadeiro desafio democrático consiste em criar uma dinâmica plebiscitária de participação popular.
Tal dinâmica é desacreditada pelo pensamento conservador, pois ele procura vender a ideia inacreditável de que o aumento da participação popular seria um risco à democracia – como se as formas atuais de representação fossem tudo o que podemos esperar da vida democrática. Contra essa política que tenta nos resignar às imperfeições da nossa democracia parlamentar, devemos dizer que a criatividade política em direção à realização da democracia apenas começou. Há muito ainda por vir.”
VLADIMIR SAFATLE,
A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome
Publicado em: 28/10/14
De autoria: casadevidro247
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