Originalmente publicado na JACOBIN.NL
Tradução: Eduardo Carli para A Casa de Vidro
Houve uma época em que os filósofos eram os guardiões da coerência ética e da decência intelectual. Esta tradição parece totalmente obliterada na atual paisagem cultural da Europa.
O conformismo, a hipocrisia e a cumplicidade com os poderosos tomaram o lugar da coragem intelectual na grande mídia, na academia. Há algumas semanas, um proeminente filósofo alemão, Habermas, publicou um texto cheio de compreensão com Israel, justamente quando Israel estava envolvido numa ação de assassinato em massa que cada vez mais pessoas denunciam como genocídio. Nesse texto, o proeminente filósofo (e alguns dos seus colegas) escreveram que “comparar o derramamento de sangue resultante em Gaza a um genocídio está para além dos limites do debate aceitável”, mas se omitiram em explicar porque é que Israel tem permissão para encarcerar milhões de pessoas, para invadir e destruir as casas de milhões de palestinos, para matar dez mil crianças em dois meses, mas não estamos autorizados a denunciar estas ações como genocídio. Israel tem alvejado indiscriminadamente o povo palestino que está preso na prisão infernal de Gaza, mas os filósofos não deveriam chamar isto de genocídio, especialmente na Alemanha. Por quê é assim?
Quando os intelectuais alemães disseram as palavras: Nie wieder, compreendi (ingenuamente, claro) que eles queriam dizer: nunca mais limpeza étnica, nunca mais deportações em massa, nunca mais discriminação racial, nunca mais campos de extermínio, nunca mais nazismo. Ao ler as palavras do proeminente filósofo e dos membros da elite política europeia, ao ouvir o silêncio da maioria daqueles que costumavam ser intelectuais – compreendo que essas duas palavras têm um significado diferente. Entendo que, do ponto de vista alemão, essas palavras (Nie Wieder) devem ser interpretadas desta forma: depois de matar seis milhões de judeus, dois milhões de ciganos, trezentos mil comunistas e vinte milhões de soviéticos, nós, os alemães, protegeremos Israel não importa o que aconteça, porque eles não são mais inimigos de nossa raça superior, mas fazem parte dela. Portanto, foi-lhes concedido o privilégio que já temos: o privilégio dos colonizadores, dos exploradores, dos exterminadores.
Israel foi cooptado no Clube Suprematista, por isso é permitido fazer o que fizemos com os povos indígenas da América do Sul e do Norte, e com os povos aborígenes da Austrália, e assim por diante. Nós, a raça branca, decidimos que o nosso novo aliado pode construir na costa do Mar Mediterrâneo um campo de extermínio como Auschwitz. Os intelectuais europeus estão tão calados sobre isso que cheguei à conclusão de que a categoria está extinta e foi substituída pela Corporação dos Hipócritas. Na França e na Alemanha, as autoridades políticas parecem não querer aceitar que alguém diga a verdade sobre o que está a acontecer em Gaza e na Cisjordânia: as vozes dissidentes são proibidas, os livros são retirados das prateleiras das bibliotecas e a liberdade de expressão é proibida quando trata-se dos efeitos de 75 anos de violência israelita, quando se trata dos massacres que os Ubermenschen perpetram diariamente contra os Untermenschen.
Para proteger a nossa democracia perfeita, as autoridades alemãs estão a agir como fizeram nos tempos da STASI. Para proteger a nossa democracia perfeita, crianças são diariamente mortas na Palestina. Estão morrendo de fome, sofrendo de sede e de frio, de chuva e de doenças e, obviamente, de bombas, mais bombas, mas os intelectuais europeus não estão autorizados a dizer que isto é um genocídio. Os jovens marcham nas cidades contra a ocupação israelita, o apartheid e a limpeza étnica, uma grande parte do povo judeu está a revoltar-se contra o genocídio, mas são acusados de anti-semitismo pelos hipócritas europeus.
Eu costumava acreditar que a razão e os direitos humanos deveriam ser considerados valores universais, mas agora compreendo que, para os intelectuais europeus, universal significa: branco. A hipocrisia alimentou a soturna onda de racismo e agressividade que cresce em todos os países da União. Os intelectuais silenciosos da Europa são responsáveis pela onda crescente de fascismo que está a inundar a União. Horkheimer e Adorno escreveram estas palavras em 1941: “o próprio conceito de Iluminismo contém o germe da regressão que está ocorrendo em todos os lugares hoje. Se o Iluminismo não abraçar a consciência deste momento regressivo, estará assinando a sua própria sentença de morte. A bandonando a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do
progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu carácter superador e, por isso, também sua relação com a verdade.”
Estas palavras devem ser ditas novamente, enquanto fechamos os olhos à realidade de dezenas de milhares de pessoas afogadas no Mar Mediterrâneo e à realidade do Holocausto infligido ao povo palestinino.
LEIA TAMBÉM: A Psicopatia de Israel – Barbárie sofrida pelos judeus nas mãos dos nazistas exigiu compensação psíquica, diz pensador. Tornaram-se, então, carcereiros e genocidas do povo palestino. Agora, pagam o preço: espiral de ódio, cisão em seu próprio país e guerra sem fim.
Happy to share my essay critiquing #Habermas ' position on #Israel – #Gaza_War
If my analysis is correct, It is fitting to retitle Habermas’ statement as “Principles of Absurdity”, not “Principles of Solidarity. ”
Universal must also be from all.https://t.co/aSkiASWZaP pic.twitter.com/HFG6H4QIDO— Irfan Ahmad (@IrfanHindustan) December 5, 2023
Publicado em: 21/01/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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