Considerado “a figura criativa mais significativa do Século XX na música clássica brasileira” [1], o compositor, maestro e multi-instrumentista Heitor Villa-Lobos nasceu (em 1887) e morreu (em 1959) no Rio de Janeiro.
Em sua obra imensa, multifacetada e monumental, expressa-se esta “Terra de Contrastes” que é o Brasil – para emprestarmos o título do livro clássico sobre nosso país escrito pelo sociólogo francês Roger Bastide.
Por ocasião de seu aniversário, no dia 05 de março, comemora-se no Brasil, desde 2006, o “Dia Nacional da Música Clássica” (informações da Agência Brasil EBC [2]).
Com sua vida extremamente prolífica, em que compunha de modo febril e obsessivo, Villa-Lobos criou 1.056 obras musicais publicadas (inclusive 12 sinfonias, 7 óperas, 14 quartetos de cordas etc.). Suas obras mais célebres, mundo afora, são certamente as Bachianas Brasileiras, batizadas em homenagem ao compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685 – 1750).
Compostas entre 1932 e 1945, as 9 peças que compõem a íntegra das Bachianas são marcadas por procedimentos composicionais marcados pela mescla entre a música dita “erudita” e as tradições populares e folclóricas brasileiras, em um rico tecido de intertextualidade (como afirma, em seu estudo sobre a 4ª Bachiana, a dissertação de mestrado de Ana Carolina Manfrinato da UFPR). [3]
Nas Bachianas, podemos perceber formas musicais como o prelúdio e a fuga sendo utilizadas com maestria pelo compositor – a exemplo das Bachinas Nº 9. De acordo com o Dicionário Harvard de Música: “a fuga é um estilo de composição contrapontista, polifônica e imitativa, de um tema principal, com sua origem na música barroca. Na composição musical o tema é repetido por outras vozes que entram sucessivamente e continuam de maneira entrelaçada.” [4]
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Mestre do violão, Villa-Lobos compôs peças imorredouras para o instrumento: seus Estudos Para Violão foram dedicados a um dos músicos que mais o influenciou, o espanhol Andrés Segovia (1893 – 1987). Já seu antológico Choro No 1 – de uma série de 14 choros – é dedicado a outro mestre da música brasileira que Villa admirava: Ernesto Nazareth (1863 – 1934).
Gilson Antunes avalia: “Heitor Villa-Lobos é unanimemente considerado uma glória para o violão mundial. Não sendo apenas um dos compositores mais interpretados por violonistas em todo o mundo, suas obras apresentam também recursos técnicos e interpretativos praticamente obrigatórios para o desenvolvimento musical do instrumento e estão entre as maiores músicas para violão de todos os tempos.” [5]
Sua Suíte Popular Brasileira é outra obra-prima na história do repertório violonístico, com interpretações célebres com o Duo Assad, Turíbio Santos, Yamandu Costa, dentre outros. A suíte é composta por 4 choros: Mazurka, Schotish, Valsa e Gavotta.
O violão, antes considerado instrumento típico de malandros e boêmios, marginalizado para os subúrbios e periferias, ganha após Villa-Lobos um outra respeitabilidade, invade as salas de concerto do Brasil e passa a receber maiores atenções no âmbito da música erudita. Praticamente todos os grandes violonistas do planeta – como Julian Bream ou David Russell – dedicam-se a estudar e interpretar obras de Villa.
O cinema brasileiro já dedicou pelo menos dois filmes a ele: o documentário “Índio de Casaca”, realizado pela TV Manchete (disponível na íntegra no YouTube), e a bio-pic Uma Vida de Paixão (2000), dirigido por Zelito Viana, baseado em livro que o cineasta escreveu em co-autoria com Joaquim Assis (Ed. Revan), em que os atores Marcos Palmeira e Antonio Fagundes interpretam Villa-Lobos em diferentes épocas de sua vida (assista no player abaixo).
Villa teve sua vida biografada e sua obra debatida e analisada, no Brasil e no exterior, em inúmeros livros escritos por figuras como: Manuel Negwer, David Appleby, Carol McDavitt, Loly Amaro Souza, Fábio Zanon, dentre outros.
Villa-Lobos sofreu o impacto das vanguardas modernistas e da Semana de Arte Moderna de 1922 (realizada em São Paulo), tendo aderido a uma estética avessa à simples reprodução, por aqui, de cânones europeus; o Brasil deveria, ao contrário, ser uma espécie de liquidificador antropofágico em que influências européias eruditas fossem “batidas” junto com o caldeirão de ritmos populares (da obra dos “chorões”, dos sambistas, dos criadores de maxixes, da cultura “caipira”, de influxos indígenas etc.). Esta fusão entre elementos híbridos, na práxis de Villa,e resultaria em algo novo, inédito, contribuição sem precedentes do Brasil à cultura mundial.
Em sintonia com compositores inovadores de seu tempo, como Debussy ee Stravisnky, Villa-Lobos sempre esteve próximo de músicos e compositores populares que marcaram época, a exemplo de Pixinguinha, João Pernambuco, Catulo da Paixão Cearense, além do já mencionado Ernesto Nazareth. Exemplo paradigmático desta fusão do erudito com o popular está no famoso “Trenzinho do Caipira” nas Bachianas #2 ou no “Uirapuru” (1917):
Segundo matéria de Jeanne Calegari para o site Aventuras na História, Villa é “comparado aos maiores nomes da história, como Wagner, Bach e Chopin”: “o brasileiro foi, e continua sendo, um dos compositores contemporâneos mais gravados lá fora. Ironicamente, quanto mais nacional sua arte ficava, mais se universalizava e conquistava o mundo. Como é típico dos gênios.”
“Villa-Lobos introduziu os sons do Brasil na música, assim como Guimarães Rosa introduziu em sua escrita o falar das Gerais”, diz Maria Maia, autora de Villa-Lobos – Alma Brasileira. Para o maestro, as ousadias formais e as inovações técnicas que introduziu eram não resultado de um modismo, mas a melhor maneira de retratar a exuberância da natureza e do povo brasileiro. Antes dele, era considerado desprezível aproveitar o folclore na música erudita brasileira, segundo Vasco Mariz, musicólogo e diplomata, autor do livro Villa-Lobos – O Homem e a Obra.” [6]
Em 1959, Heitor Villa-Lobos faleceu no Rio de Janeiro e seu cortejo fúnebre reuniu uma multidão de admiradores que se despediram do compositor com muitas lágrimas e música.
REFERÊNCIAS
[1] Béhague, Gerard. 2001. “Villa-Lobos, Heitor”. The New Grove Dictionary of Music and Musicians, edited by Stanley Sadie and John Tyrrell. London: Macmillan.
[2] EBC – Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2015-03/dia-nacional-da-musica-classica-e-comemorado-em-praca-publica-no-centro-do
[3] MANFRINATO, Ana Carolina. Mestrado / UFPR. https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30235/R%20-%20D%20-%20ANA%20CAROLINA%20MANFRINATO.pdf?sequence=1&isAllowed=y
[4] RANDEL, Don Michael. “Diccionario Harvard de Musica”. (Vers. Espanhola de Luis Carlos Gago, pg. 460, “Fuga”. Alianza Editorial, Madrid 1997. Harvard University Press Cambridge, Massachusetts, 1986.
[5] PORTAL DO VIOLÃO BRASILEIRO https://www.violaobrasileiro.com/dicionario/heitor-villa-lobos
[6] CALLEGARI, Jeane. A Vida Cheia de Mistérios de Villa-Lobos (2018). In: Aventuras na História.
Por Eduardo Carli de Moraes. Trabalho apresentado ao prof. Marco Antônio Assunção durante o curso de Teoria e Percepção Musical, Nível 2, das oficinas da EMAC (Escola de Música e Artes Cênicas) da UFG (Universidade Federal de Goiás), Semestre 1 / 2020.
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Publicado em: 08/08/20
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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