Em 2024, sensíveis à intensidade das crises conexas que se alastram, preocupados com os desrumos desta policrise do Antropoceno, passamos a elaborar o novo documentário longa-metragem produzido por A Casa de Vidro – nosso segundo, já que “estreamos” na senda dos docs longos com Hoje A Aula É Na Rua: Um Prelúdio Ao Tsunami da Balbúrdia (2019), retrato fílmico dos Tsunamis da Educação que se levantaram contra o desgoverno neofascista logo no primeiro semestre da presidência Bolsonaro (obra audiovisual financiada pela Lei Aldir Blanc durante a pandemia de covid19).
Agora, seguimos no epicentro dos levantes, com o cinema do testemunho e da participação ativa, mas agora os levantes são outros: the sea levels are rising and so are we! (“os níveis dos mares estão se levantando, e a gente também!”) é uma boa síntese do filme por vir. Filmado nos Países Baixos – ou seja, ameaçados de serem submersos, como a mítica Atlântida -, Vanishing Points: The Crisis Is Now! (Holanda/Brasil, 2023-2024) também marcará o lançamento da Hourglass Films – uma emergente produtora audiovisual co-fundada por Eduardo Carli e por Jesse, que se conheceram na UvA durante o curso de Arte e Política e resolveram fazer um pouco de cinema do real inspirados também pela pervasiva presença cultural das ampulhetas. Encontramos por todo canto do tal do zeitgeist uma série de hourglasses, inclusive como ícone do EXTINCTION REBELLION (XR).
Nas ciências humanas, deparamos com ela capa de Badiou e de Berger/Demirel… A “rebelião da extinção” é um grito por um senso de urgência que o capitalismo zumbificou em nós a ponto dele ter ficado perigosamente dormente. Apatia só serve ao opressor. Portanto… levantem-se! E venham junto.
Após nossas filmagens da KLIMAAT MARS (MARCHA DO CLIMA) de Amsterdam, voltamos nossas atenções – o foco de nossas câmeras, o REC de nossos mics – para as ações de desobediência civil que ocorrem nos últimos anos nas Nederlands e que podem ser englobadas, caso queiramos um conceito sociológico norteante, sob o guarda-chuvas do que que Naomi Klein chama de Blockadia.
Jesse (esq) e Edu (dir) com Joeri (ao centro): Hourglass Films em ação, Amsterdam, 2024
Começamos assim entrevistas com ativistas do Extinction Rebellion para o novo documentário com Joeri Van Der Wolff, um jovem filósofo da ciência que divide-se entre Groningen e Amsterdam para seus estudos e ativismos. Atualmente, Joeri age como uma das figuras do XR responsável por dar as boas-vindas a novos cidadãos consternados que queiram se somar ao movimento baseado nas estratégias da ação direta de desobediência civil para barrar políticas governamentais e corporativas que são as causas-raiz da catástrofe climática. A fita 1 da entrevista – de um total de 3 – já está disponível a quem interessar possa, com este bruto ainda a ser editado futuramente.
Também entrevistado, em Utrecht, durante o sit-in em solidariedade aos palestinos retratado em nosso curta Let Gaza Live, o ativista e parlamentar Paul S. Smits – aprecie:
Em Setembro de 2023, o movimento (XR) realizou uma de suas maiores ações de massa com 25.000 manifestantes em Haia (Den Haag) e mais de 2.400 ativistas presos pela polícia. O protesto pedia o fim dos investimentos do governo holandês em combustíveis fósseis. Atualmente, o Estado investe mais de 37 bilhões de euros anualmente numa indústria que é uma das maiores responsáveis pela mudança catastrófica do clima.
O movimento também publica zines, panfletos e livros – como This Is Not A Drill, o handbook de todo ativista do XR, aqui disponibilizado na íntegra (em inglês), de vários autores (autoria coletiva): “Extinction Rebellion are a new force taking realistic action at a critical time for ourspecies and for life on this planet. We are prepared to put ourliberty and ourlives on the line. We are prepared to speak the truth and demand real political change. We are the only rational voice in a world designed to ignore us. We demand to be heard.“
O movimento é ainda galvanizado por ideias radicais de conexão entre teoria e práxis no nosso atual tão-fodido entrelaçamento-de-crises como Andreas Malm, autor do célebre, adaptado ao cinema, How To Blow Up a Pipeline.
Para quem quer saber mais sobre Extinction Rebellion, recomendo este debate muito interessante onde a co-fundadora Clare Farrell discute as táticas e diagnósticos deste movimento social que vem ganhando força e repercussão sobretudo no UK e nos Países Baixos.
Na véspera das filmagens da BLOCKADE DA A12 – 03 DE FEVEREIRO DE 2024, eis um pouco da conjuntura – por Eduardo Carli, de Amsterdam, a caminho de Haia, 02/02/2024:
Há uma tendência de escalada das tensões em Haia: pela primeira vez, a Polícia 🚔 agrediu um sit-in em solidariedade aos palestinos ontem (1/2/24) na Estação Central e prendeu dois manifestantes, um deles tendo sido ferido no braço; um novo sit-in em protesto foi convocado para a noite de hoje e contará com presença de observadores da ONG Anistia Internacional, na tentativa de coibir ou de eventualmente denunciar os episódios de violência policial.
A sequência de sit-ins ocorre na véspera do ato de 3 de Fevereiro da Extinction Rebellion (XR) que vai bloquear a rodovia A12, nas redondezas do Parlamento, com centenas de manifestantes em ação direta de desobediência civil, exigindo o fim dos investimentos do governo holandês em combustíveis fósseis.
Amanhã estaremos na cobertura de dentro da manifestação do XR, filmando um documentário dentro de um dos “fingers” (dedos) da ação (descrita em analogia a uma mão coletiva onde os vários “fingers” tem que confluir em unidade de propósito).
Na contramão das demandas destes movimentos sociais, o governo moribundo de Mark Rutte, o mais longevo primeiro ministro na história da república, despede-se com uma série de medidas vergonhosas e revoltantes: o governo holandês anunciou que, na esteira dos EUA, cancelou seus recursos costumeiros para a UNRWA, num ato de punição coletiva contra os refugiados palestinos em meio a uma das mais catastróficas crises humanitárias que eles já enfrentaram. Além disso, a exportação de peças para os caças militares F35 para Israel também suscita repúdio dos manifestantes.
O que já é ruim pode piorar pois é iminente o exacerbamento do poder da extrema-direita, que consagrou-se vencedora nas últimas eleições parlamentares; liderada por Geert Wilders, um fascista islamofóbico, xenófobo e negacionista da crise climática, prepara-se para assumir mais explicitamente a frente da política holandesa. A Shell From Hell, dentre outras corporações que lucram com o desastre, comemora! CEOs do combustível fóssil estão jubilosos com a aliança da extrema-direita holandesa com o sionismo e o Yankkkeismo, e com a disposição que possuem para tratar mobilizações como as do XR pela via da criminalização e das prisões em massa.
Milhares de cartazes foram colados por toda a Amsterdam convocando ao bloqueio da A12 amanhã. Em entrevistas recentes com ativistas do XR, eles revelaram que os eventos da Marcha do Clima 2023 causaram certas fraturas no interior do movimento e em sua capacidade mobilizadora. Se, por um lado, o XR avalia que suas ações nos últimos anos foram essenciais para a inclusão de mais cidadãos no circuito de mobilizações relativas a Catástrofe Ecológica em curso, culminando com 85.000 pessoas presentes naquele que foi talvez a maior marcha com esta pauta já ocorrida na Europa, por outro lado Greta Thunberg acabou sendo uma força disruptiva e controversa. Em episódios já relatados no site, a ativista sueca e co-fundadora do Fridays For Future, em sua intervenção na Museumplein, abraçou a causa palestina a ponto de conceder o microfone para Sara Rachdan, jovem ativista de Gaza, que entoou o “From The River To The Sea”. Milhares de manifestantes decidiram-se pelo êxodo depois do escarcéu montado no palco.
Neste momento me parece q há duas incógnitas principais: primeiro, a atitude da Polícia, que parece neste momento bem menos tolerante com os movimentos sociais em solidariedade aos palestinos, até mesmo pois estes se mostram em um estado que oscila entre a exaustão (quase 4 meses protestando sem conseguir de fato o cessar da matança cometida pela IDF) e a radicalização das ações, uma vez que o Direito Internacional e o ICJ mostra-se incapaz de interromper a carnificina com suas propostas de medidas provisórias que, para além de não terem falado em cessar fogo, ainda carecem de poder efetivo (que seria prerrogativa do Conselho de Segurança da ONU). Outra incógnita é o quanto estes movimentos saberão, na urgência deste momento, confluir em prol da interseccionalidade, ou o quanto cada causa permanecerá em seu nicho, o que me parece enfraquecer a ambas. Na confluência e na interseção da luta pela libertação da Palestina e da luta por justiça climática é que talvez more nossa potência mais promissora.
Carli, 2/2/24
No sempre a-caminho do viver…
SAIBA MAIS SOBRE: “BLOKADIA”
This direct-action phenomenon has been growing around the globe.
Examples include the Keystone XL Pipeline protests in the United States, the Shell to Sea protests in Ireland and more recently the ‘Ende Glelände’ protests at Europe’s largest CO2 emitter near Bonn in Germany.
Research from the Autonomous University of Barcelona, Lund University (Sweden) and Universidad del Magdalena (Colombia) has found that this kind of direct action is growing.
In the last decade has seen a sixfold increase in the number of these protests globally.
A new interactive map shows the rise of Blockadia. In ten years, Blockadia actions started in at least 48 places, compared to only 8 that started in the previous decade.
The most recent entry is the ‘Ende Gelände’ protest which coincided with the COP talks in Bonn. This is just one of 70 cases pictured in the Blockadia Map. In 16 cases, the targeted fossil fuel project was also stopped.
Nick Meynen, Environmental Justice Project Officer at the European Environmental Bureau said:
“Blockadia activist have to risk jail or even death for what they do, but in the face of the massive political failure on climate change they think more in terms of what is legitimate than what is legal. They put their safety at risk to protect all of us. Having a scientific community supporting them, for example with the Blockadia Map, means a lot these people.”
Professor Joan Martínez-Alier from ICTA-Universitat Autònoma de Barcelona said:
“Since the 1990s, communities and organizations from Ecuador to Nigeria and the Philippines and many other countries, oppose coal, oil or gas extraction and burning not only because of local health and livelihood reasons but also because of the need to keep the “unburnable fuels” in the ground to prevent climate change. Some of the militants have paid with their lives.”
Publicado em: 02/02/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia