O HOMEM PÓS-ORGÂNICO
Não estamos vendo a proliferação de fatos sociais e narrativas envolvendo robôs, ciborgues, clones, androides, autômatos, próteses, cirurgias plásticas, membros mecânicos enxertados em organismos, microchips inseridos em cérebros, “bioportas”, O.G.M.s, máquinas que aprendem e “algoritmos inteligentes”? Trata-se da era do “homem pós-orgânico” analisada com brilhantismo por Paula Sibilia:
“Ao longo de muitos séculos vigorou, na tradição ocidental, uma distinção radical entre physis e techne (em termos gregos), ou natura e ars (em termos latinos): natural e artificial… dois mundos claramente distintos, quase antagônicos. Mas a fronteira que separava esses dois universos vem se dissipando.” (SIBILIA: p. 69)
O tema cada vez mais marca presença na produção artística contemporânea em filmes, séries e documentários como:
SÉRIES
DOCUMENTÁRIOS
A proliferação da I.A., das “máquinas que aprendem”, dos smartphones conectados à internet e dos onipresentes algoritmos também fez com que se proliferasse uma praga da pós-modernidade, a noção de que a verdade não mais importa.
Em 2016, a Universidade de Oxford elegeu como Palavra do Ano, destinada a entrar no prestigioso Dicionário Oxford, o neologismo “pós-verdade” (em inglês: post-truth). A definição deste termo recém-chegado ao glossário do idioma de Shakespeare é muito interessante do ponto-de-vista filosófico e psicológico: post-truth (pós-verdade) é um conceito que se refere a “circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes na conformação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal” (Dicionário Oxford).
Em Os Engenheiros do Caos – Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano Da Empoli aponta para “um recente estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) demonstrou que uma falsa informação tem, em média, 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet, pois ela é, geralmente, mais original que uma notícia verdadeira. Segundo os pesquisadores, nas redes sociais a verdade consome seis vezes mais tempo que uma fake news para atingir 1.500 pessoas.” (DE EMPOLI, p. 78)
O autor também encontrou uma expressão provocativa para apelidar os celulares: gaiolas de bolso. “Hoje, cada um de nós se desloca voluntariamente com sua própria gaiola de bolso, um instrumento que nos torna rastreáveis e mobilizáveis a todo momento.” (p. 145)
PRIMEIRO CELULAR: Lançado em 1994 (IBM Simon).
EM 2012: Atinge-se um bilhão de usuários
EM 2021: Número de celulares estimado em 5 bilhões
Neste contexto dominado por Big Tech e Big Data, com o poderio especular das corporações GAFAM, Morozov alerta para um “tsunami de demagogia digital”:
“As eleições brasileiras de 2018 mostraram o alto custo a ser cobrado de sociedades que, dependentes de plataformas digitais e pouco cientes do poder que elas exercem, relutam em pensar as redes como agentes políticos. O modelo de negócios da Big Tech funciona de tal maneira que deixa de ser relevante se as mensagens disseminadas são verdadeiras ou falsas. Tudo o que importa é se elas viralizam (ou seja, se geram números recorde de cliques e curtidas), uma vez que é pela análise de nossos cliques e curtidas, depurados em retratos sintéticos de nossa personalidade, que essas empresas geram seus enormes lucros. Sob a ótica das plataformas digitais, as fake news são apenas as notícias mais lucrativas.
Como qualquer eleição recente pode evidenciar, a infraestrutura da comunicação política mudou dramaticamente. Esforços feitos no passado para controlar seu uso – como leis de financiamento de campanha política e restrições do tempo de TV de cada candidato – não são mais adequados em um mundo onde grande parte da comunicação se dá em plataformas digitais. Caso não encontremos formas de controlar essa infraestrutura, as democracias se afogarão em um tsunami de demagogia digital; esta, a fonte mais provável de conteúdos virais: o ódio, infelizmente, vende bem mais do que a solidariedade.” MOROZOV. Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política, São Paulo: Ubu 2018. Coleção Exit, pgs 11-12.
É nesta conjuntura que ocorre no Brasil o genocídio por desinformação que foi perpetrado por Jair Bolsonaro e seus cúmplices durante a pandemia de covid19 e que, segundo a análise de Pedro Hallal apresentada à CPI (Senado), acarretou mais de 400.000 mortes evitáveis. A desinformação deliberada que o desgoverno genocida promoveu incluiu: propaganda do tratamento precoce com cloroquina; combate ao uso de máscaras e oposição a medidas de isolamento social e lockdown; atraso na compra de vacinas Pfizer e sabotagem da Coronac por preconceitos contra os chineses; minimização da letalidade da doença (caracterizada como “gripezinha”); descaso com a gravidade da crise e o número de mortes (“e daí?”); nomeação de general para o Ministério da Saúde; subnotificação obscena; lives, tweets e postagens negacionistas e obscurantistas, tudo isso “viralizado” por meio de bots e trolls virtuais. Como explicar que um presidente tão criminosamente irresponsável não tenha sido punido por um cenário de quase 700.000 mortes, dezenas de milhares delas que poderiam ter sido evitadas?
PARA SABER MAIS, ASSISTA: https://youtu.be/VfwGGs6mCPI
LEITURAS COMPLEMENTARES RECOMENDADAS:
* A ameaça nada sutil do Colonialismo Digital – Com a cumplicidade de governos, um punhado de corporações age para impor aos países do Sul internet de baixa autonomia e criatividade; vigilância permanente e captura maciça de dados. Duas portas de entrada: universidades e polícia. Por Michael Kwet | Ilustração: Zoran Svilar | Originalmente publicado em Outras Palavras: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/a-ameaca-nada-sutil-do-colonialismo-digital/
SAIBA MAIS: https://www.facebook.com/photo?fbid=380748570742769&set=a.347691984048428
Publicado em: 01/06/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia