“GOTA NO OCEANO” – Os genocidas preparam o bote que tem por intenção fazer naufragar a missão d’A Flotilha da Liberdade. Para todos os consternados cidadãos globais que acompanham o caso, o suspense é intenso e vai chegando ao clímax diante da rota-de-colisão entre o barco insurgente e o Estado supremacista que está matando de fome, sede e bomba a 2 milhões de pessoas confinadas no enclave sitiado onde 55.000 pessoas já perderam suas vidas.
É com muita consternação que acompanhamos as notícias que nos chegam do Mar Mediterrâneo enquanto o barco carregado com itens de ajuda humanitária navega nas proximidades da baía de Alexandria, no Egito, rumando para Gaza. O Exército de Israel certamente tentará no mínimo interceptar a embarcação, mas o temor justificado de muitos de nós é que a entidade sionista esteja preparando mais um crime-de-guerra a ser desferido contra o Madleen. Thiago Ávila, Greta Thunberg e os outros 10 ativistas que participam da audaz tripulação correm sério risco de serem aprisionados ou mortos nas próximas horas.
As últimas notícias que chegam revelam que a sabotagem da comunicação da Flotilha com o mundo já teve início: parece que Israel pretende “apagar as luzes” – representadas aqui pela comunicação via Web que dá visibilidade e repercussão imediata à missão – para poder impedir o mundo de enxergar a atrocidade em preparação. Para além da sloganização mobilizada para posters e memes, frases como “Todos os olhos em Rafah” ou “Todos os olhos no Madleen” apontam para a necessidade de olharmos para aquilo que os genocidas gostariam de lançar nas masmorras da invisibilidade.
Alguns meses atrás, Thiago Ávila esteve n’A Casa de Vidro e tb no festival cultural árabe-palestino de Goiânia, e tive a oportunidade de um breve convívio com este cara, tão admirável em tantos aspectos, e que na atualidade alçou-se ao nível de personalidade global. O comunicador popular de alta repercussão, que por tantos anos dedicou-se aos temas do Bem Viver e do ecossocialismo, influenciador digital que marcou época na companhia de figuras similares como Sabrina Fernandes, Rita Von Hunty, Jones Manoel etc., agora coloca-se na mais perigosa das linhas-de-frente de uma batalha em que ele corre o risco de virar cadáver e mártir: Thiago Ávila hoje puxa a morte pra dançar no palco da História e insere em sua práxis de vida uma reflexão encarnada também sobre a Boa Morte.
Torço para que esta morte não ocorra, torço para que ele nem mesmo seja ferido e que não tenha que passar pela provação terrível do cárcere. Torço que todos eles fiquem vivos e furem o cerco, pois Ávila, Greta e seus camaradas são aqueles que Brecht entitulava “os imprescindíveis”. Sei também que esta “torcida” é quase tão absurda quanto a de um torcedor que, a 5.000 km do estádio, assiste pela TV uma final de Copa do Mundo e pensa poder influenciar nos pênaltis. Mais que nossa torcida, o que eles precisam de nós é que sejamos agentes de visibilização da missão, apoiadores ativos do Madleen nas redes, pois é este o “escudo” que temos: fazer do Madleen um símbolo global flutuante, o barco que carrega um pouco do destino de um mundo combalido, e fazer com que a aniquilação da Flotilha torne-se, para Israel, custosa demais.
Mas o pior não é só possível, é bastante provável, considerada a ficha corrida do sionismo extremista encabeçado por Netanyahu e o Likud. O governo mais extremista-de-direita da história israelense, envolvido até o pescoço com a Nakba 2.0, em seu o intento de limpeza étnica e expulsão populacional, talvez prefira uma mancha a mais em sua reputação já tão manchada com o sangue de milhares de crianças, mulheres, médicos, professores, jornalistas etc., do que permitir que o Madleen abra um heróico precedente de Cerco furado, contribuindo para o estabelecimento do corredor humanitário que possa vir a socorrer, com mais do que uma gotícula no oceano da miséria, ao povo que passa hoje pela pior catástrofe em curso no planeta – este pesadelo real manufaturado pela teocracia e pelo imperialismo.
Gota no oceano… o Madleen não passa de uma gota no oceano. Mas o oceano é ele mesmo composto por gotas, gotas podemos ser todos que se importam com o que Greta chama de “livestreamed genocide”. E inspirado pelo “Massa e Poder”de Cannetti digo que gotas cessam de ser minúsculas, cessam de ser insignificantes, cessam de ser impotentes, quando se unem e se tornam gotas conjugadas, gotas em fluxo, gotas em rio, gotas em mar, gotas em oceano. Sejamos todos gotas que impelem o Madleen a ser o símbolo de uma fratura no Cerco vergonhoso e no Genocídio implacável que, para além de imporem uma opressão insuportável ao povo palestino, deveriam ser por nós todos sentidos como crimes que Israel comete contra a humanidade inteira.
SAIBA MAIS: Thiago Ávila, ativista internacionalista e comunicador, entrevistado por A Casa de Vidro: vídeo do bate-papo (2hrs) – https://acasadevidro.com/thiagoavila/
EDUARDO CARLI – Fiquei muito impressionado com essa analogia que você fez entre a favela da Maré e a Palestina ocupada militamente. E me lembrei que a gente conversou recentemente com a professora Berenice Bento e ela tem disseminado o conceito de palestinização do mundo, que ela inclusive tira do cineasta palestino Elia Suleiman, que é um pouco esse processo também de várias periferias, várias favelas, vários guetos, mundo afora, serem tratados como Israel trata Gaza. Mas a minha última pergunta seria um pouco mais sobre o tema da violência, numa perspectiva ética, ou seja, eu queria partir primeiro da distinção que se faz entre a violência do opressor e a violência do oprimido, e que elas não deveriam ser jamais confundidas. Isso vem de uma tradição que inclui a Pedagogia do Oprimido aos Panteras Negras. E como que a gente aplicaria isso à situação palestina? Recentemente eu assisti um vídeo da escritora indiana, a Arundhati Roy, recebendo um prêmio, e ela falou assim, há uma pressão para que eu, em algum momento do meu discurso, comece a condenar o Hamas e a resistência armada palestina. Mas ela falou assim: eu me recuso a pontificar para os oprimidos o que eles devem fazer. E eu achei isso muito interessante, porque a gente pode retornar ao 7 de outubro, e ao genocídio que se inicia a partir de 8 de outubro, e questionar a legitimidade do que a operação dilúvio de Al-Aqsa foi diante de um histórico de resistência que também em alguns momentos foi desarmada. Estou me referindo por exemplo à grande marcha do retorno de 2018, que a Abby Martin retrata no filme dela. Onde você tem um movimento da sociedade civil em direção à fronteira e você tem um ideário pacifista, porque, por exemplo, o poeta, o comunicador que criou a ideia da Marcha do Retorno, ele se inspira nos pássaros que voam através das secas e das fronteiras sem reconhecer o apartheid. E parece que a intenção deles era romper um pouco esse muro, essa fronteira, e reivindicar pacificamente o seu direito de retorno às terras de onde eles foram expelidos. E, no entanto, a violência do opressor se manifesta de maneira brutal, com mais de 200 mortos, inclusive crianças, paramédicos, jornalistas, pessoas em cadeiras de roda. Então, diante de eventos assim, a minha pergunta basicamente é a seguinte: é legítimo que a população de Gaza, sob esse julgo opressor tão terrível, apoie um movimento armado que vá realizar ações como a do 7 de outubro? E aí o que também me motivou muito a essa reflexão foi um filme recente que eu assisti, chamado “Zona de Interesse”, do Jonathan Glazer, vencedor do Oscar de filme estrangeiro, onde ele mostra o campo de concentração de Auschwitz na Polônia e ao lado, literalmente vizinho, a mansão onde os alemães que comandam esse campo moram com suas piscinas, seus drinks, seus luxos e tudo mais. E aí muitas vezes o paralelo que se pode fazer nesse caso, talvez, seja que em 7 de outubro de 2023 houve essa insurreição armada do Hamas e de outros grupos da Jihad Islâmica, e tem se utilizado isso para dizer “olha que atrocidades, mataram tantas pessoas, entraram num festival de música, as pessoas estavam dançando e foram massacradas…” – e eu falo uma coisa, espera aí, como a Abby Martin também fala, espera aí, mas não tem um problema de você fazer uma rave ao lado de um campo de concentração e extermínio? Não tem o problema de você querer ter uma vida cheia de fun, de diversão, em uma terra que você usurpou através da limpeza ética? Então, será que não há uma legitimidade, tanto do ponto de vista ético, político, para o uso da violência do opressor em certas situações? Como que você se coloca?
THIAGO ÁVILA – Obrigado Edu por trazer essa reflexão que eu acredito que é fundamental. O mundo inteiro se perguntou isso, né? Até que ponto se justifica a violência como um caminho para buscar justiça social. Eu sempre tento fazer um paralelo. Há muitos anos eu nunca acertei nesse paralelo, ele nunca está redondo para mim, mas é um paralelo que eu gosto de traçar, de que as pessoas quando assistem Star Wars, elas torcem pelos rebeldes.
Quando elas assistem Coração Valente, elas torcem pelos escoceses. Quando elas assistem Avatar, elas torcem por aquele povo originário. Quando elas assistem, sei lá, História de Amor e Fúria, elas torcem pelos indígenas brasileiros, torcem pelo movimento comunista contra a ditadura militar. Agora, quando é no cotidiano, meu Deus, aí tem tudo, mil justificativas pra você não apoiar os movimentos de resistência, inclusive a armada, do cotidiano da existência no mundo hoje.
Aí vai falar da luta pela terra? Ah não, aí é baderneiro, aí é invasor de terra. Ah, vai falar da luta, por exemplo, nos territórios de ocupações urbanas? Ah, não, mas ele está tentando tomar o que é dos outros. Aí vai falar do movimento anti-imperialista, de povos lutando contra imperialistas?
Ah, não, eles são terroristas. Aí não dá. Então, é muito curioso que quando a gente está num ambiente do cinema, e você, por ter essa vivência, sabe disso muito melhor do que eu, as pessoas conseguem entrar ali no microcosmos naquele momento e elas têm mais capacidade de julgar o que é certo e o que não é certo do que na nossa sociedade confusa que ela é hoje. Tão complexa, né? Então as pessoas muito facilmente entendem o que é certo e o que é errado ao assistir um filme baseado nos seus valores.
Ela não acha certo assassinar crianças, ela não acha certo oprimir povos, escravizar povos, colonizar povos. Agora na sociedade que a gente vive como um todo, na totalidade, na complexidade do mundo, as pessoas encontram mil justificativas. Ah, mas é assim, mas não dá, mas o que é aquele país terrorista e tal, tal, tal. Sendo que as mesmas verdades que as pessoas entendem em duas horas de um filme, elas deveriam entender que é a vida comum. Ocupar países não é aceitável. Escravizar povos não é aceitável. Colonizar países não é aceitável.
Explorar, aí dá pra ir além. Explorar as pessoas, a força de trabalho das pessoas não deveria ser aceitável. Oprimir baseado em gênero, em raça, em sexualidade, em nacionalidade, de todas as demais formas, não deveria ser aceitável. Oprimir baseado em gênero, em raça, em sexualidade, nacionalidade, todas as demais formas, não deveria ser aceitável. Destruir a natureza, obviamente, não deveria ser aceitável.
Agora as pessoas, por um processo de construção ideológica, vão normalizando isso, entendendo que é o mundo que a gente vive. O mundo como a gente vive é assim, e a gente não pode mudar isso, se você não quer sofrer, para de se responsabilizar por coisas que não estão sob seu controle. Então, esse debate da violência revolucionária é muito importante de se fazer, porque quando a pessoa está num cinema ela entende e quando ela está falando de acontecimentos passados na história humana, ela também entende. Ela entende a Revolução Francesa para acabar com o absolutismo na França. Ela entende o Quilombo dos Palmares para lutar contra a escravização negra e o sequestro do povo negro sequestrado de África até aqui. Ela entende as revoltas e a tentativa da resistência indígena contra o genocídio. Muitas delas admiram Canudos, admiram a Balaiada, admiram a Confederação do Equador, admiram a Conjuração Baiana, admiram o Contestado e tantas outras revoltas. Muitas delas admiram a Revolução, chamada Revolução Americana nos Estados Unidos, também foi uma revolta anticolonial.
Porque é mais fácil entender isso como algo do passado, como se hoje esses conflitos não existissem mais e hoje no futuro essas coisas não são mais aceitáveis. Então entende a luta contra o imperialismo ali, contra o capitalismo na época da Guerra Fria, mas hoje não dá, hoje não dá para falar de Cuba não, porque Cuba teve muitas contradições, é isso que as pessoas dizem, na verdade essas lutas não tão vivas como eram antes e os povos ainda seguem explorados, oprimidos e tendo seus biomas destruídos pelo mesmo sistema imperialista, capitalista que existia antes. Hoje, dependendo da época, já são senhores diferentes dirigindo esse mesmo sistema, mas o sistema ainda é o mesmo desde a criação do capitalismo. Então, quando a gente coloca isso sob essa perspectiva de que as lutas de libertação existiam e existem ainda hoje, e que elas, por mais que os povos tentem, elas são muito rapidamente impelidas a uma necessidade de sobrevivência e de autodefesa, as pessoas compreendem que é necessário sim você se defender, e que se você não quer só ficar se defendendo, mas você quer conquistar uma sociedade nova, você precisa avançar, inclusive.
Então, a violência revolucionária, ela sempre foi algo necessário para a história das revoluções. Eu não estou falando de violência no sentido de o que as pessoas falam muito em relação à Palestina. Quem fica gritando Palestina livre do Rio ao Mar quer jogar judeus no mar. Longe disso. Eu não conheço uma única organização palestina que fale isso, inclusive. As organizações que falam que a possibilidade da construção de dois estados, da solução de dois estados está esgotada pela colonização na Cisjordânia e por tudo mais que o Estado de Apartheid produz, que fala da construção de um Estado único, binacional, laico, democrático, essas organizações falam sobre os povos poderem viver onde estão, e que não precisa expulsar ninguém de lugar nenhum, na verdade, e garantir o direito de retorno de todos os povos para aquela região, de todos os palestinos que foram expulsos e de todas as outras pessoas de origem judaica ou cristã que migraram dali porque aquele ali virou um estado colonial de apartheid e hostil à vida. Então, toda vez que as pessoas falam disso, está falando justamente de garantir o direito para todos os povos. Então, a violência revolucionária no sentido da resistência palestina, ela é, primeiro, uma necessidade de resistência, porque é exterminado, e depois ela busca alcançar uma sociedade de direito para todos, sociedade de plenas liberdades para todas as pessoas que estão ali.
Então, aquela citação, aquela frase que você falou, da violência não confundir a resistência do oprimido com a violência do opressor, ela é muito real nesse sentido, de que o povo palestino vivia, no 7 de outubro de 2023, o povo palestino já vivia 75 anos de genocídio, limpeza étnica, que se estruturou no estado de colonização de Apartheid, e que naquele ano mesmo, é outubro, mas de janeiro a setembro, Israel já tinha assassinado, nasceu Jordânia em Gaza, mais de 400 pessoas. E como você falou, nas marchas do retorno que aconteciam às sextas-feiras a partir de 2018, já tinha sido assassinado mais de 200. Em outras ações não violentas que o mundo nunca viu, nunca ouviu falar sobre as greves de fome que o povo palestino faz, de palestinos que estão presos há 35 anos nas prisões e nos porões de Israel. O mundo nunca ouviu falar sobre as várias ações que as pessoas tentam fazer, por exemplo, até de cultivo agroecológico nos campos de refugiados que são impedidos pelos sionistas. Nunca ouviram falar sobre a resistência que é você cultivar azeitonas milenares nas suas casas palestinas sob ataque dos colonos o tempo todo.
O povo palestino talvez seja um dos povos que mais tentou táticas não violentas de resistência, o próprio boicote, desinvestimento e sanção é uma forma não violenta de resistência. O problema é que essas formas têm muita dificuldade de lidar com o sistema colonial, porque o sistema colonial tem uma vocação para o genocídio. E aí você precisa de fato se defender. Então eu trato todas essas ações, seja a operação Tempestade de Al-Aqsa e todas as demais como ações essencialmente de autodefesa, de um povo que é colocado sob uma situação tal de estrangulamento da vida, que precisa lutar pela sua libertação. E que quando faz, obviamente, a força dominante, opressora, ela vai falar como se aquilo fosse o começo da violência.
Não foi só na Palestina, mas também diziam isso sobre o povo vietnamita resistindo à invasão estadunidense, também falavam isso sobre o povo argelino resistindo à invasão francesa, Também falavam isso sobre o povo cubano tentando fazer sua revolução. Falavam isso sobre o quilômetro dos Palmares, que eram assassinos, que eram violentos. Na verdade, eram povos que estavam sobrevivendo e resistindo à escravização. Então, essa desumanização sempre vai acontecer. O quão óbvia ela acontece em relação à Palestina é o fato de que dizem que o Estado sionista só faz isso, só mantém Gaza há 17 anos sob cerco total, por terra, por ar e por mar, por conta do Hamas.
Mas peraí, o Hamas foi fundado em 1987, mas eles praticam isso desde 1947, de genocídio e limpeza étnica. Então, e antes do Hamas? Ah, antes do Hamas era a Organização pela Libertação da Palestina, com Yasser Arafat, terrorista, na mesma época que chamavam Nelson Mandela de terrorista, chamavam Yasser Arafat de terrorista. E ele que era um terrorista e tal. Mas, pera aí, a Organização pela Libertação da Palestina foi fundada em 1964, mas antes disso já existia genocídio e limpeza étnica contra o povo palestino. E aí, qual que é a desculpa agora? Ah, não, mas os palestinos em geral são violentos e não aceitam, né? Então, eles sempre vão buscar uma justificativa pra manter o seu projeto de dominação. E, infelizmente, o imperialismo encontrou essa forma de dizer que os violentos são os outros e nós só queremos direitos humanos e democracia, e eles usam isso e batem nessa tecla sempre.
Então, a gente vê torcedores sionistas que estão pregando o genocídio e destruindo cidades, em Amsterdã, por exemplo, que causam caos numa cidade, agridem taxistas, destroem comércios, arrancam bandeiras palestinas, gritam gritos de genocídio, incentivando o estupro de prisioneiros palestinos pelo exército, rindo que não tem escolas em Gaza porque não tem crianças mais em Gaza, e depois quando o povo resiste a isso e tenta defender aquela comunidade daquilo eles que são os violentos. “Nossa, olha o tamanho do ataque, olha o antissemitismo crescendo no mundo.” Então eles se especializaram nisso, criar situações de estrangulamento que obrigam os povos a responder, e quando os povos respondem eles tratam como se aquilo ali fosse o evento originário da violência. E não uma resposta óbvia a um estado insustentável.
Antes do 7 de outubro já tinham sido assassinados 400 pessoas, antes do 7 de outubro 60% da população de Gaza já vivia sob insegurança alimentar, antes do 7 de outubro 97% da água de Gaza já era contaminada, 85% da população estava desempregada e a maioria da população já era de uma faixa entre 17 e 18 anos porque são pessoas que são assassinadas frequentemente num lugar que não era viável para a vida, uma das maiores concentrações e densidades demográficas da história da humanidade ali numa área de 365 km do tamanho do plano piloto de Brasília, onde estava colocado ali 2,3 milhões de pessoas.
Então você criar naquela região o equivalente a um gueto de Varsóvia, você está criando naquela região uma possibilidade de resistência equivalente a um gueto de Varsóvia, você está criando naquela região uma possibilidade de resistência equivalente a um gueto de Varsóvia. Que bom que judeus resistiram ao nazismo no gueto de Varsóvia com toda a coragem que tiveram utilizando seu direito de resistência, inclusive o direito internacional garante aos povos o direito de resistir à colonização, inclusive através das armas. Que bom que os povos resistiram no Quilombo dos Palmares, que bom que resistiram no gueto de Varsóvia e que bom que o povo palestino está fazendo essa resistência heróica, e que o povo libanês faz essa resistência heróica, e o povo yemenita faz essa resistência heróica.
A gente pode ter divergências dos programas políticos das organizações. Eu tenho várias. Na verdade, eu sou uma pessoa ecossocialista pelo bem viver, portanto comunista. Então, eu acredito no Estado laico, de fato. Acredito que esse é um caminho melhor para se construir a política. Agora, eu entendo que todas as organizações que estão na resistência armada palestina, elas estão cumprindo um papel fundamental. Nesse momento, são todas nossas aliadas, mas elas são aliadas do fim da violência. Porque é só a partir do momento que você desmantela o Estado colonial que você está criando o caminho para manter aquela violência naquele país. Então, de fato, a construção ideológica dos grandes veículos de comunicação, eles tentam dizer que as organizações que geram a violência precisam ser exterminadas e fomentam um ciclo ainda maior de agressões e de violência, que afetam muito mais a população civil, mas elas ignoram o fato de que aquela insurreição e aquela resistência é o único caminho de, enfim, acabar com a violência naquela região.
Antes da sociedade ocidental moderna perdoar Nelson Mandela, Nelson Mandela também era tratado como terrorista e passou 27 anos preso. E justamente porque ele estava tentando acabar com um dos regimes mais odiosos daquele tempo, racista e supremacista, como era o Apartheid na África do Sul. E hoje o sionismo é racista e supremacista contra o povo palestino. Então precisa ser destruído, precisa ser desmantelado, assim como o nazismo, assim como o fascismo. Todas as ideologias odiosas do mundo precisam ser enfrentadas pelos povos.
Infelizmente, dado o grau de violência, esse enfrentamento, por melhores sejam nossas intenções de não violência, eles muito rapidamente vão encontrar táticas esgotadas, por não conseguir alcançar o limite mínimo de autodefesa daquele povo. E vão ter que se insurgir de forma armada. Eu construo muitas ações não violentas, muitas mesmo. Eu sou uma pessoa muito adepta a táticas de resistência não violenta pela potência que elas têm, que eu sei que têm. Mas depende da situação. Eu não entendo a não violência como um valor, eu entendo como uma tática.
Uma tática que em determinados momentos vai ser mais útil você resistir de forma não violenta para tornar mais escancarada ainda a violência daquela força opressora contra você, mas depende de você ter olhos e ouvidos que vão ser alcançados com aquela mensagem e depende de você ter a capacidade junto com aquele povo de preservar a vida das pessoas. Onde é de fato um extermínio e um genocídio, as táticas não violentas perdem espaço muito rápido para a necessidade de se proteger e de garantir a permanência, a perpetuação da vida ali.
Todas as vezes que o povo palestino tentou fazer táticas não-violentes, eles foram assassinados aos montes. A Marcha do Retorno é esse exemplo. Pessoas caminhando ao longo de uma cerca, sendo executadas por snipers, por drones experimentais, por bombas de gás lacrimogênico com postos químicos muito mais acentuados do que a gente vê em outros países, e os sionistas comemorando aquelas execuções como se fossem troféus de guerra de um videogame.
Então, é o efeito que a gente viu. Uma ação heroica, mas que não atingiu o efeito que precisava. O que atingiu o efeito que precisava para demonstrar para o Estado sionista que aquela situação era inaceitável foi justamente a insurreição armada, que foi, é importante que se diga, que foi majoritariamente contra estruturas militares e colônias estabelecidas naquela região e que tinha orientação de tomar alvos militares e que podem sim ter acontecido uma série de outras questões, eu não nego e não gosto do sofrimento civil em nenhuma hipótese. Então, de fato, eu acredito que qualquer sofrimento civil é um erro tático de qualquer organização política, porque não se deve fazer isso sob nenhuma hipótese. Mas que a maior parte das pessoas eram militares, isso foi comprovado depois, à medida que Israel foi soltando os nomes das pessoas, foram entendendo que das 600 pessoas, das 600 únicas pessoas que eles soltando os nomes das pessoas, por entendendo que das 600 pessoas, das 600 únicas pessoas que eles soltaram os nomes, eram 95% militares.
E que muitas das pessoas que eles diziam que tinham sido assassinadas dos 40 bebês decapitados, nunca existiram. Que a criança colocada dentro de um forno, nunca existiu. Que o bebê arrancado do ventre de uma mãe, nunca existiu. Que os estupros em massa nunca existiram. Então a gente foi vendo que eles usam essa propaganda da violência do povo oprimido como forma de aumentar mais ainda a sua violência. Então, a forma que a gente tem de não estar sujeito a isso é a gente reconhecer no direito de origem dos povos a luta pela libertação. E, inclusive, isso, o direito internacional, liberal, burguês, reconhece também. A ONU, a Carta da ONU, reconhece o direito dos povos a se insurgir, inclusive, de forma armada contra o colonialismo.
Então, é isso que o povo palestino faz, é isso que em várias partes do mundo os povos estão fazendo contra o imperialismo, é isso que o povo do Níger, de Burkina Faso, do Mali está fazendo nesse momento, e que bom que estão fazendo. Então eu não trato essas resistências como menos importantes por elas serem armadas, eu só trato que é um momento diferente de acirramento da luta de classes e que nós devemos torcer para que os povos sejam livres, porque é a única forma daquela região não ver mais violência. Só a partir da liberdade e da emancipação. Colonialismo vai ser sempre uma forma de violência em si.
Publicado em: 08/06/25
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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