Aos amantes da sétima arte, é clichê falar sobre a magia de ir ao cinema, que vai para muito além do filme. O contato e a recepção da obra são essencialmente individuais, mas o ambiente criado pela sala cinematográfica nos permite uma conexão mais ampla e profunda com a história narrada, difícil de ser superada. Mais do que isso, a reunião de pessoas diante da telona possibilita um momento de experiência compartilhada, de trocas de impressões e de emoções. Na estreia do curta metragem “Medo nós tem, mas não usa”, na última quarta-feira (03/08/22) n’A Casa de Vidro Ponto de Cultura, só não havia a sala escura, detalhe diante de tanto mais que havia.
A noite começou com a performance da artista colombiana Linda Granados que, brincando com fogo, nos brindou com sua presença marcante e com a mediação da leitura do poema “Medo”, de Bráulio Bressa [click para lê-lo na íntegra], realizada por todos os presentes. Apesar de aparecer a todo momento, o medo, como diz a frase de Margarida Alves que nomeia tão bem o documentário, não foi usado. Dos primeiros versos do poema declamado – “Que o medo de chorar/ não lhe impeça de sorrir./ Que o medo de não chegar/ não lhe impeça de seguir./ Que o medo de falhar/ não lhe faça desistir” –, deixamos ele, o medo, de lado e ficamos com o que guiou o espírito e o ânimo da noite – e da luta: sorrir, seguir, não desistir!
Assistimos, então, ao documentário “Medo nós tem, mas não usa”, motivação principal do encontro. Dirigido por Eduardo Carli de Moraes, o filme retrata o manifesto “Curandeiras da Terra”, ocorrido no dia 1º de março de 2022 no Lago das Rosas, em Goiânia. Entre depoimentos das participantes e as belíssimas imagens do parque e das apresentações musicais, pudemos vivenciar (na magia do cinema) a magia do evento. Na tela, as protagonistas, responsáveis pelo espetáculo e pelos gritos de protesto, foram as mulheres do Bloco Não É Não, do Coró Mulher, do Bloco Feminista Cultural, da Frente Ampla em Defesa Cultura, dentre outros.
A beleza, tão bem retratada nos cerca de 18 minutos de filme, não é à toa. É proposital, é pensada e é sentida, para gerar alegria e afeto, como explicou Cida Alves, citando o filósofo Espinosa. No debate após a exibição do filme, Cida, uma das participante do Bloco Não é Não, falou sobre a beleza e sobre a imperfeição. A partir da narrativa potente sobre sua experiência e de tantas outras mulheres, trouxe a força da luta e da garra daquelas que conseguem transformar as dificuldades da luta diária no belo.
Em um ano decisivo na política do país, em que o fascismo precisa ser vencido, é sempre bom lembrar, como o fez Kelly Cris Gonçalves durante o debate: corpos tristes são mais fáceis de serem dominados. A alegria, a força e a beleza das mulheres que aparecem no documentário nos inspira a sorrir e a seguir. Enquanto produto artístico e militante, o filme nos proporciona uma experiência sonora, imagética e política que merece ser vivenciada, na telona ou na telinha:
E como diz Ana Cristina Evangelista, em sua primeira fala no documentário, “Resistimos, é pra isso que existimos”. Por mais que queiram pintar que não, Goiânia resiste. Sorrimos, seguimos, não desistimos!
ALINE FERNANDES CARRIJO é historiadora e jornalista, com especialização em Cinema Documentário e mestrado em História Social sobre a cena rock goianiense. Atualmente faz doutorado em História Social pela USP, com pesquisa sobre o processo de modernização da região Centro-Oeste a partir dos documentários do cineasta Vladimir Carvalho. Também é integrante do Bloco Coró de Pau.
Publicado em: 04/08/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
Vi a estreia pelo YouTube. O filme está lindo!!! Parabéns pra o Edu e demais colaboradores. A Casa de Vidro exerce um papel importantíssimo nesse momento de resistência necessária. Esses registros do movimento de luta pela Democracia e por um país com igualdade, respeito pela vida e liberdade são provas de nossa coragem, vigilância e disposição para transformar o fascismo em força e beleza revolucionárias. Obrigada, companheiro Edu Carli.
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Ana Cristina Evangelista
Comentou em 04/08/22