SOBRE CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS E PRODUÇÃO MUSICAL CONTEMPORÂNEA
por Tamyres Maciela
Quando alguma pessoa se propõe a trabalhar com som ao vivo em bares, restaurantes ou passando o chapéu nas ruas, a tomada de decisão mais fundamental é a escolha do repertório. Espera-se da profissional musicista que demonstre seu desempenho sobretudo a fim de agradar ao máximo o público das casas. Nas ruas, quanto mais original e divertida a performance, maior serão as contribuições no chapéu.
Devido a alguns fatos: 1º influência das músicas que tocavam nas festas de família na infância e 2º ter começado os estudos de repertório na década de 2000, minhas primeiras escolhas repertorísticas (se me dão licença pra um neologismo) basearam-se fortemente nos clássicos dos anos 80/90, como Cássia Eller, Zélia Duncan, Adriana Calcanhoto, Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana, Engenheiros do Havaí e outras consagradas. Na época tinha os DVDs Acústico MTV, que traziam até legendas com cifras, além daquelas releituras de artistas consagradas, a coleção Um barzinho e um violão, por exemplo.
Acredito que nossa formação social esteja diretamente relacionada às influências musicais que marcaram nossas histórias. Meu gosto musical nacional foi construído com aqueles sons regionais que falavam da preservação e riqueza da natureza (Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Elba Ramalho), amor em suas mais diversas formas (Renato Russo, Cazuza, Cássia Eller, Nando Reis), e críticas ao sistema político, que até dispensa exemplos, porque 100% das bandas que sempre gostei apresentam ao menos uma música que critica a postura profissional de grande parte dos parlamentares do Congresso Brasileiro.
Até o final da década de 2000 tava suave tocar no violão o ritmo básico que chamamos de “chá com pão”. Mas aí entraram os anos da faculdade, década de 2010, em que minha formação foi plural e multi-diversa. No âmbito da formação musical, vi vários shows, fiz parcerias com musicistas veteranos e passei a ouvir e reproduzir coisas mais atemporais, produzidas sobretudo nas décadas de 70/80, tipo Mutantes, Secos e Molhados, Sérgio Sampaio, Cátia de França, Novos Baianos, Elis Regina, Chico, Gil, Gal, Caetano, Tim Maia, Rita Lee, Tom Zé, Clara Nunes, Milton, Clube da Esquina, entre outros nomes que passaram a me inspirar, tanto pela qualidade sonora quanto pelos posicionamentos políticos.
[youtube id=https://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw]
Hoje em dia, o repertório escolhido para as apresentações musicais continua na linha que aprendi nos tempos da universidade, além das ainda tímidas músicas autorais. É curioso perceber que grande parte do público dos bares se mostra muito apegado às canções produzidas pela leva de musicistas dos anos 80/90. É muito comum se deparar com pedidos de músicas como “La Belle de Jour” do Alceu, “All Star” do Nando Reis e “Telegrama” do Zeca Baleiro, por exemplo. Os ídolos ainda são os mesmos… O fato é que se trata de músicas memoráveis, não questiono a qualidade dos trabalhos. Mas para nós, que trabalhamos com isso todo final de semana, é impossível continuar na mesmice. Esses sons são cartas na manga, mas já não fazem parte do repertório. É urgente a necessidade de coisas novas, afinal, a produção cultural é constante, diversa, plural e precisa ser difundida.
Para sobreviver a esse mercado de som ao vivo, além da criação autoral, venho desenvolvendo uma pesquisa sobre o que chamo de Música Contemporânea da Melhor Qualidade. A principal plataforma que utilizo nesse estudo é o Youtube, por trazer álbuns completos, ficha técnica e ano de produção de muitos discos. Outro site recente, exclusivo de músicas, é a Escuta que é bom, produzido por uma coletiva que atua na pesquisa e difusão de artistas fora do mainstream que estão despontando nos dias de hoje.
É assim, Contemporânea da Melhor Qualidade, que defino a tendência da produção musical que nos tira do lugar comum, coloca à tona reflexões sobre a sociedade atual, o que temos de urgente pra falar e pensar nos dias de hoje. Sim, porque a música serve, tal qual a arte como um todo, não só pra entreter e animar os espaços, mas também pra trazer reflexão, incomodar, botar o dedo nas feridas, falar de coisas que precisam ser ditas de alguma forma, mostrar diversas perspectivas da realidade.
[youtube id=https://www.youtube.com/watch?v=QcQIaoHajoM]
Existe um mercado de produção cultural imenso e diversificado no Brasil, o que fica invisível, muitas vezes e principalmente, pela falta do hábito de buscar informações úteis, mesmo com a democratização dos meios informativos. Aquele momento de só ouvir músicas por rádios, ver shows apenas na televisão acabou. Além desses meios midiáticos, é preciso lembrar que absolutamente tudo está na internet, nas redes sociais, em plataformas como Deezer e Spotify, entre outras que surgem dia após dia.
Além de musicista e educadora, me vejo também nesse lugar de difusora de contemporaneidades, pelo fato da música me servir de combustível e pelo estudo constante de repertório que desenvolvo. Divido aqui minhas opiniões e estou aberta ao que há de novo, irreverente e independente na produção cultural brasileira.
TAMYRES MACIEL, colunista d’A Casa de Vidro.
Leia os textos anteriores:
#1 – Meu Agora Até Aqui
Publicado em: 08/01/19
De autoria: casadevidro247
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Henrique Souza
Comentou em 10/01/19