por Gustavo Vieira Rodrigues Mendonça
No fim dos anos 90, no Brasil e no mundo as pessoas sacudiram ao som de um hit musical chamado Barbie Girl do grupo Aqua, houve até mesmo uma versão nacional da cantora Kelly Key. Nos versos da música, entrávamos no mundo da boneca e em um dos trechos da canção é dito: “A vida de plástico é fantástica (Life in plastic, it’s fantastic).” Ironicamente nos anos 90, o plástico já havia dominado nossos lares e vidas. Estava em tudo: móveis, utensílios domésticos, vasilhas, embalagens de comida (37,7 milhões de toneladas), produtos de limpeza e higiene pessoal, roupas e calçados, cortinas e tapetes, pentes, escovas de dentes, embalagens para agrotóxicos (12,5 milhões de toneladas) e hastes flexíveis de algodão, que só chamamos de cotonetes (FAO, 2019). Para onde se olha desde então nos deparamos com o plástico. Como diz a cantora boneca, a vida é de plástico.
Ser rodeado de plástico não é tão chocante para nós seres humanos. A não ser quando deparamos com imagens de montanhas desde material em lixões desordenados Brasil afora, ou durante uma tempestade, quando por falta de descarte devido, este entope bueiros nas ruas de grandes cidades, intensificando as enchentes e suas consequências. Entretanto, o que você pensaria se soubesse que o plástico pode estar em você? No seu corpo, correndo pelas suas artérias e veias, fazendo parte dos seus tecidos e órgãos. Estudo realizado pelo Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP), mostrou que em amostras de autópsia de tecidos dos pulmões, foram encontradas 13 ocorrências de microplástico, para 20 amostras. Sim, você é de plástico, isto é fantástico?
Isso é o que nos mostra estudos realizados por diversos pesquisadores. Nós estamos ingerindo e inalando por ano cerca de 52 mil pedaços de microplástico. É assim que esta variação do plástico está indo para dentro de nós e nos tornando seres inorgânicos. Segundo Kam Sripada, uma das autoras e pesquisadora, o microplástico pode atravessar até mesmo os tecidos dos pulmões. Mas o que é este tal de microplástico?
Quando um material plástico é descartado na natureza o seu processo de decomposição pela ação do sol, chuva, vento, abrasão, acidez dos solos e da água, agem sobre o material plástico desfazendo-o em pequenos pedaços, podendo variar de tamanho como um grão de área, a coisas tão pequenas e invisíveis como uma bactéria, só vista a luz de um microscópio. É aquela história, o plástico vai batendo aqui, batendo ali, ficando aqui…, e seus pedaços invisíveis sendo liberados e espalhados na natureza.
O professor Plínio Tomaz, engenheiro que estuda todos os aspectos da água, alerta que o microplástico já é encontrado na chuva e no ar em um raio de 100 km de centros industriais e urbanos. Estudos na região oeste dos Estados Unidos da América mostram que mil toneladas de microplásticos por ano caem com a chuva, somente naquela região. Nem em ambientes como parques escapam. Estudos da Universidade de Utah, nos principais parques dos Estados Unidos da América, mostram que o ar atmosférico continha 4% das partículas analisadas sendo polímeros sintéticos. Está nevando microplástico e bem longe para ser franco. Estudos do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, mostraram que eles estão caindo até mesmo em locais isolados, como o ártico e os alpes suíços, sendo 14.400 partículas de microplástico por litro de neve (a natureza é de plástico, isto é fantástico?).
Eles chegaram aos nossos alimentos. Foram detectados em alimentos como: sal marinho, mel, cerveja, frutos do mar, peixes, legumes, verduras e frutas. Com os rios e oceanos (8,3 bilhões de toneladas) tomados por plástico, a decomposição desse material gera quantidades incalculáveis de microplástico, que ao ser ingerido por pequenos animais como o krill, pequenos crustáceos, passa a fazer parte da cadeia alimentar e hora ou outra, vem para nos nossos pratos. Estudos de Nature Sustainability mostraram que plantas estão absorvendo microplástico pelas raízes. (a comida é de plástico, isto é fantástico?).
Eles estão chegando pelas nossas torneiras. O fornecimento de água na maior parte do mundo vem de rios e barragens, como o plástico está difundido poluindo todos os ecossistemas quando a água é captada e tratada para fornecimento o microplástico não pode ser retirado pelos processos convencionais de tratamento de água. Pesquisa de Orb Media em 2017, mostrou contaminação por microplástico em amostras de água canalizada por todo o mundo. Nem mesmo a água mineral escapa. Você achou que estaria protegido de contaminação optando por consumir água mineral? Só não lembramos que elas são vendidas em garrafas plásticas. Estudos de Sherri Mason, da Universidade Estadual de Nova York, mostraram contaminação de plástico tipo polipropileno das tampas e de plástico tipo PET das garrafas de água mineral de várias marcas por todo o mundo. (A água é de plástico, isto é fantástico?)
Se encontrar microplástico em tecidos de um humano capaz de ler este texto já é chocante, imagine você o que cientistas da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), acabam de descobrir e publicar na revista científica Environmental Health Perspective. Eles encontraram micro e nano plástico na placenta de crianças humanas. Sim, já estamos sendo gerados em meio ao plástico. (Eu sou feito em plástico, isto é fantástico?)
Até o momento há indicativos de que a presença deles no nosso corpo pode causar distúrbios no sistema hormonal, sistema reprodutor, e atraso no desenvolvimento neural nas crianças. Estudos da Universidade Rice, no Texas, mostraram que o microplástico cria um ambiente favorável para a seleção de bactérias à ação dos antibióticos, possibilitando o surgimento de formas resistentes a eles. Por tudo aqui dito, a melhor maneira de lidar com esta problemática seria reduzir ao máximo o uso do plástico e optar por uma volta no tempo onde materiais orgânicos como o papel, a madeira e fibras vegetais eram usados nas nossas coisas cotidianas.
Referências
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Publicado em: 19/04/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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