Num país em brasa, com o Pantanal em chamas, a Amazônia devastada a caminho do ponto-de-não-retorno, e o Cerrado numa secura danada, tento rir do meme que me informa: agora, as 4 estações do ano foram renomeadas Verão, Ouforno, Inferno e Queimavera.
No cartum aqui republicado, o cachorrinho conformista, refém da cultura da positividade tóxica, tá naquela vibe que conhecemos tão bem: gente, tá tudo bem, tá tudo normal. Basta celebrar o “business as usual”, rezar a deus e se ajoelhar diante do capital. Os bilionários vão arranjar um tecnofix pra consertar o céu. Deixemos tudo como está neste que é o melhor dos mundos possíveis. Nossos políticos, eleitos pelo poder da grana e embarcadíssimos na jangada furada da pós-verdade, estão no comando – ufa! Estamos salvos. Nossa plutocracia corporativa, nossos tecnocratas diplomados em Chicago, nosso tecnofeudalismo do Vale do Silício, estão todos cuidando pra garantir nosso happy end. Relaxa e goza.
Só que não. No fim da tira, o cachorrinho otimista, em sua casinha em chamas, já tá virando uma salsicha calcinada.
Escrever para A Casa de Vidro, nos últimos anos, sobre a catástrofe climática em curso é mesmo um ofício dos mais exasperantes. O algoritmo não ajuda; o tráfego orgânico não entrega; a Big Tech quer encher o cu com turbinamentos de conteúdos comerciais, e a distopia do clima não vende; já o respeitável público, sedento por memes e divertimentos, sai correndo assustado de conteúdos “alarmistas” e “catastrofistas”. São gatilhos, a porra é ansiogênica, dê-me Taylor Swift e Madonna – ainda que as fãs da primeira morram desidratadas esperando pelo show e ainda que os fãs da segunda fiquem muito bravos quando mostramos fotos da popstar junto com Netanyahu…
Exaspera a sensação de que, diante de tantas urgências que tentamos comunicar, ninguém lê, nem comenta, nem partilha, nem se importa, nem se mobiliza. O clima é de terra torrada e de humanos conformados com o status quo que está a torrá-los. A Terra frita no incêndio causado pelo Capitaloceno e nós queremos xópis pra seguir consumindo, inclusive comprando tickets pro entretenimento apocalíptico de Mad Maxes e Não Olhes Pra Cima.
Tentar lidar com a catástrofe climática com posts na Web é como tentar esvaziar o oceano, copinho por copinho? Gritar com palavras num site que o caos climático em que já estamos imersos deveria nos engajar mais do que por enquanto o faz é tarefa tão mau-paga, tão pouco ressonante, tão quase-nada repercutida, que encontra ouvidos tão moucos e insensíveis, que às vezes bate mesmo o fardo de uma pesada sensação de derrota, quase de fatalismo: parece que os poderes do mundo venceram na tarefa de causar conformismo e insensibilização em escala massiva.
O ato de escrever sem ser lido, de dizer sem ser escutado, por ser tão recorrente, poderia lançar ao desânimo completo. Poderia conduzir ao derrotismo total diante das forças descomunais e conjugadas do negacionismo e do entretenimento diversionista – potências que se conjugam para produzir o inferno na terra enquanto pregam que tudo vai ficar bem para aqueles que podem pagar um apê de luxo com ar condicionado. Mas a gente prossegue, raging against the machine, raging against the dying of the light, haurindo forças sei lá de onde – do próprio caldeirão que nos torra?
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APRECIE EM NOSSO SITE, ANO 14:
RÃS NA PANELA – Ardemos no caldeirão planetário no ano mais quente dos últimos 125 mil anos – Sobre catástrofe climática e seu negacionismo. Acesse: https://acasadevidro.com/catastrofeclimatica/
“2023 foi o ano mais quente dos últimos 125.000 anos”, afirma o Copernicus. As evidências da quentura são quase tão chocantes e abundantes quanto a espessura do negacionismo e da cegueira voluntária que ainda imperam em relação à catástrofe climática em curso. Diante do que Naomi Klein chama de “uma crise existencial para a humanidade” (em seu livro “This Changes Everything”), o que vemos nas ruas e nas redes ainda é o reinado de uma baixíssima taxa de mobilização cidadã em relação a esta pauta. Uma apatia cívica em desproporção com a importância gigantesca de uma causa que implica não apenas a qualidade de vida dos que hoje estão vivos mas também que tipo de vida terão as futuras gerações.
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ATOLADOS NO DESATINO – Catástrofe ecológica no Antropoceno e os dilemas da ficção diante da crise segundo A. Ghosh. Acesse: https://acasadevidro.com/atolados-no-desatino/
“Os humanos, que por milênios temeram a catástrofe, se tornaram a catástrofe que temiam.”
ELIANE BRUM
O desatino do mundo se expressa através de vários sintomas, dos desarranjos climáticos cada vez mais extremados às pandemias virais que varrem a Terra sem que nenhum país saia ileso; da proliferação de novas condições psicossomáticas relacionadas à “eco-ansiedade” ou ao “ecological grief” à disseminação também notável de obras culturais de tintas distópicas e apocalípticas (fenômeno que mereceu as atenções de Viveiros de Castro/Débora Danowski em “Há Mundo Por Vir?”). Um sintoma a mais de que o mundo está extremamente desatinado: no início de 2023 d.C. o emblemático Doomsday Clock (ou Relógio do Apocalipse), criado por eminentes cientistas em 1947, logo após a carnificina da 2ª Guerra Mundial e durante a ressaca radioativa da explosão das primeiras bombas atômicas, nunca esteve mais próximo da “Hora do Armagedom” e agora marca 90 minutos para a meia-noite…
Isto significa que, segundo a entidade científica que o inventou – o Bulletin of Atomic Scientists – “a humanidade jamais esteve tão perto do cataclismo planetário devido à guerra na Ucrânia, às tensões nucleares e à crise climática” (como resumiu a reportagem do G1, enfatizando ainda “cientistas mencionam Amazônia”). Em “O Grande Desatino – Mudanças Climáticas e o Impensável”, do escritor indiano Amitav Ghosh (Ed. Quina, 2022), estamos diante de reflexões ultra-pertinentes para avaliarmos o nosso fracasso coletivo em encarar a catástrofe ecológica do Antropoceno com o senso de urgência e gravidade que este cenário cataclísmico merece.
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Pensando durante a queda no abismo, Ailton Krenak abre o paraqueda colorido do “Futuro Ancestral”. Acesse: https://acasadevidro.com/ailton-krenak-futuro-ancestral/
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No ano mais quente da história, acontece a maior marcha por justiça climática já ocorrida na Holanda. Saiba mais: Klimaat Mars 2023. Acesse: https://acasadevidro.com/marcha-do-clima-amsterdam-2023
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CINEMA E CATÁSTROFE ECOLÓGICA:
Publicado em: 02/08/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia