Em outro contexto histórico, até poderíamos engolir sem regurgitar alguns discursos que pregam: “agora é bola pra frente!”, “chega de remoer o passado e abrir feridas já cicatrizadas”, “bóra deixar para trás o que passou e olhar somente pro futuro!” etc.
Porém, hoje, a probabilidade é alta de que tais discursos sejam proferidos por pessoas que digitaram 22 ou 17 nos últimos dois pleitos presidenciais e que estão basicamente passando pano pra fascista. Querendo que o Brasil cometa o terrível erro de perdoar o imperdoável. Argumentando em prol de anistiar o que crimes imprescritíveis e inolvidáveis contra a humanidade que foram perpetrados entre 2018 e 2022 pelo regime chefiado pelo miliciano que é fã do Ustra.
Diante de <570 crianças da etnia Yanomami que morreram na Amazônia brasileira por doenças evitáveis e inanição>, quem destes acólitos do esquecimento e assassinos da memória ousam encher a boca para pregar “sigamos adiante e esqueçamos!”?
Diante das barrigas que roncam de <33 milhões de brasileiros esfomeados> – como revelado pelo <relatório VIGISAN da Rede Penssan e Oxfam em 2022 (leia o documento em PDF)> -, quem vai ter a cara-de-pau e a falta-de-caráter de pregar sermão sobre a “inocência” de Bolsonaro e sua trupe de extremistas?
Estamos em um país que, em fevereiro de 2023, contabiliza mais de 697.000 vidas perdidas para o conluio entre o coronavírus e o desgoverno negacionista e negligente de Jair Bolsonaro, o Capitão Cloroquina. Estamos no início de um governo de reconstrução em que o presidente Lula e sua equipe tem uma tarefa hercúlea diante do pior retrocesso que o país já vivenciou. Tais discursos que tentam promover o “deixa pra lá” em relação ao sinistríssimo período que atravessamos a partir do golpe que depôs Dilma Rousseff em 2016 precisam ser confrontados criticamente nas redes e nas ruas por aquilo que são: um pacto em prol do esquecimento que só beneficia os opressores e pavimenta o caminho para que futuros genocídios aconteçam.
Só em uma conjuntura muito diversa da nossa as pregações de misericórdia aos bolsonaristas poderiam ser lidos como sábios antídotos ao ressentimento, este afeto tóxico que tende a nos trancar num vínculo com o trauma pretérito e que nos faz perder o presente e a futuridade em ímpetos vingativos. Aqui, não estamos pregando que fiquemos fincados na galáxia afetiva do ressentimento e da vingança; trata-se de demandar, coletivamente, vozes em coro, por verdade, justiça e reparação. Que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.
Dois excelentes filmes recentes contribuem para este pertinente debate: <Argentina, 1985 (2022)>, de Santiago Mitre, e o espanhol <O Silêncio dos Outros (2018)>, dirigido por Robert Bahar e Almudena Carracedo. Ambas produções enfrentam corajosamente o trampo de representação cinematográfica das tarefas cívicas desafiadoras vinculadas com a luta para levar à justiça penal aqueles que praticaram terrorismo de estado. Ambos fornecem retratos comoventes de cidadãos em luta contra a tirania militarizada e querendo fazer valer seus direitos de enterrar seus mortos cujos ossos estão em valas comuns ou de encontrar o paradeiro dos “desaparecidos”.
O acerto de contas com a ditadura militar argentina está muito bem representado no filme estrelado por Ricardo Darín, vencedor do Globo de Ouro e indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro (duas vezes antes vencido pelos hermanos, com História Oficial de Puenzo e O Segredo De Seus Olhos de Campanella). Já as raízes da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e os 40 anos de sinistro do domínio no regime de extrema-direita do general Franco estão muito bem expostas no caso do documentário produzido por Almodóvar. Apreciem a seguir os cartazes, trailers e sinopses!
SINOPSE – “O filme Argentina, 1985 relembra o histórico julgamento que condenou, em tempo recorde, vários ditadores que perseguiram, torturaram e mataram os que se opunham ao governo durante o período em que os militares estiveram no poder. Embora seja um filme de ficção, se baseia na história real dos promotores Julio Strassera (Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Mais um filme necessário para jamais esquecermos as marcas que os governos antidemocráticos e totalitários deixam nos povos.” FONTE: Fórum Making Off
SINOPSE – “Este documentário retrata o longo calvário das vítimas do regime do general Francisco Franco, que governou Espanha durante 40 anos, na sua procura por uma justiça que tarda em ser feita. Filmado ao longo de seis anos, mostra-nos como os sobreviventes do franquismo enfrentam a amnésia auto-imposta pela estado espanhol em relação a crimes contra a humanidade e como o país permanece profundamente dividido após quatro décadas de democracia. Pedro Almodóvar contribui para este filme como produtor executivo.”
Friso aqui que a Argentina é protagonista de ambas películas pois os crimes do franquismo na Espanha, cometidos entre 1936 e 1975, tiveram que ser levados a um tribunal de Buenos Aires – na perspectiva de que as atrocidades cometidas com os seres humanos em território espanhol podem ser julgados em outras jurisdições já que se trata de crimes contra a humanidade. O filme Silêncio dos Outros é de grande interesse para nós latinoamericanos pois também aborda o caso-Chile, a tentativa de penalizar Augusto Pinochet, que foi preso no fim de seu vida em um caso julgado pelo juiz espanhol <Baltásar Garzón>.
Exemplar na punição dos servidores de Estado que sujaram suas mãos em torturas, execuções e desaparecimentos de cadáveres, o país natal de Borges e Cortázar foi bem menos tchuchuca com os operadores dos crimes ditatorias do que a Espanha ou o Brasil. Estes países aprovaram Leis de Anistia que, pretendendo passar uma borracha na história pregressa, acabaram impondo o que O Silêncio dos Outros chama expressivamente de “pacto del olvido”. E, no Brasil, a CNV criada durante o mandato de Dilma não teve caráter penal – quase ninguém que cometeu atrocidades torturantes durante a ditadura (64-85) foi de fato punido com as revelações da Comissão. Por isso temos tanto a aprender com Argentina, 1985: não só para saber sobre o passado argentino e a história do nosso continente, mas também como farol para o futuro. Nisto os argentinos são vanguarda e nós estamos comendo poeira.
No Brasil de 2023, durante o mandado de Lula 3 previsto para se prolongar até o fim de 2026, a pauta “sem anistia!” é das mais cruciais. Os cidadãos brasileiros mais conscientes dos desafios históricos colocados pelo presente o sabem e o manifestaram em um dos momentos mais emocionantes do Domingo, 1º de Janeiro, quando “a alegria tomou posse” em uma Esplanada dos Ministérios festiva e policromática, onde o Festival do Futuro e o início da nova presidência de Luiz Inácio Lula da Silva fizeram soprar os salutares ares da renovação biofílica após 6 anos de Bolsonaros e Temers chefiando a intentona de transformar o país numa imensa necrópole.
Na Praça dos Três Poderes, discursando após a emblemática subida de rampa em que se fez empossar por representantes da diversidade do povo brasileiro, a certo momento Lula foi interrompido pelo vozerio de milhares de vozes entoando “sem anistia! sem anistia!”.
Não podemos deixar que este espírito arrefeça. Seria lamentável permitir o esmorecimento deste movimento quando ele ainda tem tudo por cumprir. A impunidade de Bolsonaro e seus ministros – muitos deles hoje confortavelmente instalados no establishment enquanto senadores e deputados eleitos, a exemplo do general Pazuello e pela pastora neopentecostal fundamentalista Damares Alves – é convidar o monstro do fascismo a retomar seu fôlego após a derrota no pleito de Outubro de 2022. Impunes e empossados, eles são mais que o ovo da serpente: são a própria serpente do fascismo e do fundamentalismo impunes entre nós, tóxicos e liberticidas.
Para retomar as imagens com as quais começamos o texto: aos que dizem “bola pra frente!”, devemos responder que nenhuma bola consegue rolar em um gramado que não seja liso e que o bolsonarismo logrou transformar nosso território em um pântano de sangue e vísceras onde qualquer futebol-arte é impossível. Aos que dizem “deixemos para lá as feridas já cicatrizadas”, podemos responder que nossas feridas ainda sangram e que o fato do Genocida estar foragido, curtindo férias de meses nos States, é um dedo infectado metido nesta ferida incicatrizada.
Aos que dizem para olharmos apenas para o futuro e para deixarmos quieto o que já passou, podemos repetir o clichê que consolidou-se devido à seu alto teor de veracidade: um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la. Um povo que não pune os opressores que mancharam a pátria com o injusto derramento de sangue está condenado a ver repetidos os mais trágicos episódios de um pretérito que não passa mas entra no repeat, em loop infernal.
A impunidade do bolsonarismo condenaria o Brasil a um repeteco horrendo deste passado recente que entre nós ainda ressoa e que teve como sintoma macabro este fato sinistríssimo: 58 milhões de nossos compatriotras que foram as urnas abraçar o capetão. Tripudiando sobre os cadáveres de 700.000 vítimas da covid, desprezando o sofrimento Yanomami, negligenciando o ecocídio de nossos biomas, votaram no pior dos homens, querendo a continuidade da hecatombe. Eles perderam, mas a vastidão de seu número assusta. E não é anistiando-os, nem perdoando e soltando os que participaram da depredação de patrimônio público e putsch fracassso do 8 de Janeiro, que iremos caminhar para uma futuridade onde construamos a ainda inédita justiça social com a qual sonhamos e pela qual agora, lulisticamente, coletivamente obramos.
Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro
Goiânia, 24 de Fevereiro de 2023.
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Publicado em: 24/02/23
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
É muito antigo a falta de pudor do Estado Brasileiro com a infraestrutura. Veja Sampa a pouco…
E, por outro lado, o bom humor, boa saúde e a boa educação estão difíceis hoje em dia, devido a situação do Brasil. Brasília 2023.
Há ladrões em Brasília.
Sempre a bandidagem no Brasil.
E em Brasília idem.
Falta no Brasil educação de qualidade também.
Sim! Isso! Alta cultura.
Sumiu do Brasil.
É de que o Brasil necessita. E educação de qualidade: Música instrumental. É de que mais precisamos no Brasil atual. Alta literatura, para todos. E música erudita. Nos rádios etc.
E a educação, hem? No Brasil. Brega e cafona.
A educação no Brasil é brega. E devido ao petismo.
O Brasil está em sua educação falido. Afinal o estilo do PT é barango.
PT, estilão brega de ser:
Que nivela a educação por baixo, sempre. A pior de toda américa.
Portanto, esperemos que não seja do mesmo espectro mental… Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma força muito grande, hercúlea, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem [lula] cujo poder não deveria assustá-los, visto que é um só (lula –, o vigarista aPedeuTa). O PT é cafona. O que é sustentável para o Brasil: educação de alto nível. Alta cultura.
O PT é Kitsch.
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Martha Aulete Hirsch
Comentou em 27/02/23