Sara Não Tem Nome não dá entrevista – e a gente pode provar:
ISTO NÃO É UMA ENTREVISTA. Transcende, supera, exorbita das fronteiras da entrevista costumeira. Quem duvida, dê o play e tire a prova. Ou você já viu alguma entrevista em que uma pessoa humana, e uma que não acaba de sair do hospício, conversa de maneira ácida com quatro estátuas de homens brancos e brasileiros que já estão mortos faz tempo? Assim como aquilo que Magritte desenhou não era um cachimbo, a Sara Não Tem Nome não nos concedeu entrevista.
Não, não é entrevista quando uma artista viva improvisa uma ação performática, sem roteiro e com a câmera filmando, e tem um diálogo bem louco com as encarnações pétreas de Juscelino Kubitschek, Cândido Portinari, Oscar Niemeyer e Burle Marx. E alguém já ouviu falar de alguém que numa entrevista, ao invés de falar o tempo todo com o entrevistador vivo, resolve ir bater um papo com estátuas, e ainda tem a desfaçatez irreverente tão hiperbólica de dizer a eles que “melhorem!”?
NÃO, NÃO É BEM UMA ENTREVISTA. Você já viu algum órgão de imprensa doidão o bastante para publicar 2h13min de material duma entrevista? Os detratores já começam a disparar pedras contra nós, “mas é muita bruteza!”, “mas que extensão absurda!”, “cadê a porra do editor?” Sim, isto aqui que trazemos a público não é bem uma entrevista, com o que isto implica de edição, síntese do que foi dito, “cortação” e remontagem, deletes e inserts. Aqui estão, neste vídeo, Sara e seu entrevistador – Eduardo Carli – entregues de forma bruta. É sem maquiagem e sem massagem, e só com um bocadim de montagem.
SARA NÃO DÁ ENTREVISTA é obviamente um título jocoso para esta quase-entrevista, esta entrevista-anômala, que adiciona mais uma camada de ironia ao codinome da multi-artista Sara Braga. Mais que uma entrevista, esta conversa densa é um tratado sobre a anomia na metrópole e o uso da arte como forma de confrontá-la. É uma excelente travessia no campo da crítica política do Brasil da era Bostossauro e sobre como uma pessoa ultra-criativa encarou a tarefa de sobreviver ao genocídio de tanta coisa, inclusive da arte e da inteligência.
É também um compêndio de evidências fartas da sagacidade ímpar que marca esta artista que pudemos conhecer pessoalmente, pela primeira vez, quando esteve fazendo show no Festival Bananada de 2016, em Goiânia. Na ocasião, Eduardo Carli e Ramon Ataide entrevistaram-na no Centro Cultural Oscar Niemeyer, mas de forma rápida e relampejante.
Muita água correu por baixo da ponte entre 2016 e 2023 – neste ínterim, tivemos um golpe de Estado, uma prisão de ex-presidente que liderava as pesquisas de intenção de voto, uma pandemia e um pandemônio… Fomos assolados pelos “cidadãos de bens” que adoram devorar “carne vermelha” – ai ai, “pare pr’eu descer! esta viagem já foi longe demais!”
Com o lançamento de seu segundo álbum de inéditas, A Situação (2023), a sempre politicamente desperta e de lábia destravada Sara Não Tem Nome cravou no cenário independente e alternativo uma obra sui generis que reflete o nosso Brasil nesta “Era Sinistroyka” (como dizem os Rios Voadores).
Nesta ocasião, para produzir o vídeo gigante que aqui vocês podem assistir (ele pesa 9 gigabytes, cês piram?) para um primeiro papo filmado em território mineiro, resolvemos ir a áreas historicamente densas de Belo Horizonte. Foi lá que pudemos, debaixo da mira um tanto feroz de um segurança não muito acolhedor, embarcar numa longa conversa. E através dela acessar muita coisa interessante sobre a situação existencial dela, a Sara anônima que nasceu na Contagem (MG) ultra-operária – lá onde “uma torre de cimento corta o céu e o coração”.
Em sua obra performática, musical e audiovisual ela consegue a proeza de não ter nome e de mesmo assim tê-lo sujo – como brinca em “Revés”, uma brincadeira mordaz com o jogo Banco Imobiliário e uma crítica ferina do capitalismo contemporâneo. Nome sujo no cenário indie brazuca ela não tem, a não ser que se considere aquela sujeira benigna de quem viaja, se mete a fazer, se mescla com o pó do mundo por ser alguém que conhece-o com a sola dos pés. Sara é daquelas que arregaça as mangas pro co-labor de parir arte com outrem – saca a voz e é existencialmente arteira mesmo em meio às piores adversidades (aí incluídos os boletos que não param de despencar em nossas cabeças nas condições da dividocracia – “malditas contas pra pagar!”).
Nisto que não é uma entrevista, a Sara faz mais do que responder a perguntas da imprensa, e Carli faz mais do que ler interrogações escritas numa pauta. Ambos mergulham num rio de ideias às beiras da Lagoa da Pampulha, em Minas Gerais, primeiro no interior da Casa Museu JK, depois em interação sarcástico-crítica nas estátuas supracitadas.
Para além do bate-papo multitemático, o vídeo inclui vários fragmentos de videoclipes, de apresentações ao vivo e de conteúdos postados em rede social que fornecem um caleidoscópio da obra artística de Sara Não Tem Nome. Quem encarar o tranco ardido de assistir a tudo – pô, dura só o tempo de um filme longa-metragem, e vocês vivem maratonando série no Netflix! – terá oportunidade de compreender muito mais a fundo, e apreciar esteticamente com muito mais insight, o que se expressa nos álbuns dela – Ômega 3 e A Situação (além da obra da banda Tarda que Sara também integra).
Confere aí e nos conte o que achou nos comentários.
Nunca ouviu falar em Sara Não Tem Nome?
Ela também não tem playlist de videoclipes para dummies.
Publicado em: 04/09/23
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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