As relações entre a República Popular da China e o Estado sionista de Israel inexistiam até 1992. Em 1950, os governos trabalhistas israelenses reconheceram a Revolução Chinesa, mas não foram por ela reconhecidos, já que a China se opunha ao projeto sionista de criação do Estado de Israel. Nos anos 1960 de Revolução Cultural, a Palestina era classificada pelos revolucionários chineses como a chave anti-imperialista.
O governo e o povo chineses sempre viram na luta palestina uma correspondência com sua guerra popular de libertação nacional, que conseguiu expulsar os invasores japoneses, associados ao colonialismo ocidental. A China socialista foi o primeiro país não-árabe a reconhecer a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a coalizão mais representativa das aspirações nacionais palestinas. O Exército pela Libertação da Palestina (ELP) fundado pela Liga Árabe em 1964, foi treinado e instruído pelo Exército de Libertação Popular (ELP) chinês. Em 1965, a OLP abriu um escritório político em Pequim.
Mudanças na política externa, implementadas no contexto da abertura econômica no período Boluan Fanzheng – “eliminar o caos e voltar ao normal” -, considerada uma transição de economia de mercado socialista, levaram o pragmatismo chinês a reconhecer Israel em 1992. O estabelecimento do princípio da não-intervenção em assuntos externos somado à fragmentação da resistência palestina romperam os elos militares entre as duas nações, o que não significa que a China tenha deixado de colaborar com aquele pequeno país-chave de história milenar.
Veja-se que as doações para a Agência da ONU para refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) nunca cessaram. Escolas palestinas foram construídas ao longo de décadas pela China, médicos e vacinas foram entregues durante a pandemia, representantes diplomáticos mantiveram contato constante.
Esforços diplomáticos
Mais recentemente, em julho de 2017, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, concedeu a mais alta honraria palestina ao presidente chinês Xi Jinping. Em junho de 2023, completaram-se 35 anos de relações diplomáticas entre as duas nações. Pela ocasião, elevaram seu vínculo diplomático ao nível de Associação Estratégica. Naquele momento, três meses antes do midiático 07 de outubro, Xi Jinping declarou estar disposto a mediar os conflitos entre Israel e Palestina.
Após o ataque da resistência palestina, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) se mostrou impotente para deter o bombardeio israelense à Faixa de Gaza. Às potências emergentes como China, Rússia e Brasil restou a via diplomática, dado o risco de escalada do conflito na região. Os Estados Unidos, com seu poder de veto, impediram o cessar-fogo aprovado pela maioria no dia 16 de outubro, a partir da resolução da Rússia, e também, dois dias depois, na resolução apresentada pelo Brasil.
Em meados de novembro de 2023, o genocído palestino segue em curso, ainda que a conflagração generalizada tenha sido evitada. O cessar-fogo não foi alcançado e a agudeza do apartheid mortífero aterroriza o mundo, mas também mobiliza a oposição global ao sionismo. Diante da pressão internacional contra Israel, reforçada pelos protestos massivos ao redor do mundo, se tornam mais frequentes as críticas aos Estados nacionais árabes e muçulmanos, vistos como ambíguos ou mesmo indiferentes à causa palestina. As críticas se estendem à aparente apatia da potências emergentes diante do arbítrio israelense. Entretanto, observando em detalhe a atividade diplomática da China podemos ver que muito tem sido feito pela libertação e pela segurança da Palestina.
No início da invasão de Gaza por parte de Israel, a China buscou mediar o conflito por meio de seu enviado especial para a Ásia Ociedental, Zhai Jun, que esteve no dia 11 com a vice-ministra de relações exteriores da autoridade palestina, Amal Jadou. No mesmo dia, Wang Yi, ministro das relações exteriores chinês, manteve diálogo com seu homólogo estadunidense Antony Blinken, quando propôs manter a questão palestina no centro da agenda bilateral. Três dias depois, ele travou conversações com as contrapartes turcas, sauditas e iranianas.
Para o Príncipe Faisal bin Farhan Al Saud, da Arábia Saudita, o chanceler chinês afirmou que as ações de Israel extrapolaram qualquer parâmetro de legítima defesa. Na mesma ocasião, conclamou a comunidade internacional a deter o que classificou como castigo coletivo contra os palestinos.
A ONU em disputa
No Conselho de Segurança da ONU, reunido nos dias 16 e 18 de outubro, a China votou pelo cessar-fogo nas duas resoluções apresentadas, além de condenar o ataque de civis de ambos os lados, defendendo a protocolar solução de dois Estados. Apesar do veto estadunidense ter impedido a intervenção militar da ONU, com o intuito de barrar a guerra assimétrica levada a cabo por Israel, a China, por sua parte, anunciou o envio imediato de ajuda humanitária à faixa de Gaza. Em seguida, no dia 22 de outubro, Zhai Jun esteve presente na Cúpula do Cairo pela Paz, enquanto Wang Yi mantinha conversação com sua contraparte israelense.
O representante máximo da diplomacia chinesa reafirmou sua condenação aos ataques a civis, mas enfatizou a necessidade de Israel se ater ao direito internacional, condenando as ações de retaliação à população palestina. Expressou diretamente ao Estado agressor, a necessidade do cessar-fogo imediato e a perspectiva de convívio entre os povos da região.
No fim do mês de outubro, no dia 25, o embaixador permanente da China na ONU, Zhang Jun, vetou a resolução estadunidense que qualificou de desequilibrada, confusa e ambígua. O alto comissário chinês chegou a afirmar que o documento estadunidense “confunde o correto com o incorreto” e que é inadmissível o uso de uma “linguagem ambígua em um tema de vida ou morte”.
Dois dias depois, ainda no âmbito da ONU, o embaixador de Israel, Gilad Erdan, atacou a posição chinesa. Zhan Jun foi ainda mais enfático, afirmando que fazer da China um inimigo seria um grande erro e reiterou a solidariedade às vítimas civis de ambos os lados. Ainda acrescentou que a China reconhece as preocupações de segurança de Israel, mas ressaltou que os direitos dos palestinos não têm sido respeitados por muito tempo. O diplomata chinês terminou pedindo a Israel que se ativesse aos fatos e à justiça para que ambos os povos pudessem viver em paz.
A China preside o Conselho de Segurança em novembro de 2023 e mais uma vez sua principal iniciativa diplomática coloca a questão palestina no centro da agenda. Nessa posição, o país asiático reforça sua autoridade como mediador do conflito. A neutralidade, que pode parecer letargia ou impotência, obedece à necessidade de conter perdas humanas em uma eventual escalada regional da agressão israelense apoiada pelos Estados Unidos e pela Europa.
Evitar a ampliação do conflito
Diante da ameaça existencial que representa o poderio nuclear clandestino de Israel para as populações árabes na Palestina ocupada, as potências emergentes precisariam manter uma neutralidade militar estratégica. Essa seria a única forma de conduzir a descolonização sem arriscar a existência soberana dos Estados árabes mais próximos. Ainda que se mostre politicamente avançada, a China entende que os países muçulmanos da Ásia Ocidental e do Norte da África devem se unir para conter o genocídio palestino, e que seu papel como potência emergente é de suporte diplomático e logístico, sem interferência militar direta.
Estima-se que a entrada de Egito, Etiópia, Arábia Saudita e Irã nos BRICS+ a partir de 2024 permitirá que a economia de Israel seja absorvida pelas economias do Golfo Pérsico, integradas com o mar mediterrâneo, através do Canal de Suez. A falta de ação imediata para deter o extermínio programado do povo palestino pelo sionismo supremacista, tem suas razões diante da certeza de que a ampliação do raio da guerra infinita é o maior interesse dos Estados Unidos, que defende sua balança comercial com a venda de artefatos bélicos.
Israel é um projeto ocidental na região. Portanto, qualquer ataque a Israel representa uma guerra direta contra o império estadunidense. O que ele precisa é de um álibi para atacar o Irã, utilizando-se de Israel como cabeça-de-ponte para intensificar mais uma guerra por procuração. Em caso de se verem frustradas essas expectativas, o assassinato em massa de palestinos, no mínimo, reforça a aliança entre parceiros e, se levada a cabo como pretendem, deixaria Israel livre para seguir atacando outros países, como agora ataca o Líbano.
Virada de chave
Pela via diplomática, o Eixo da Resistência se amplia com adesões globais. Forçar a solução de dois Estados pode resultar no estabelecimento de uma federação bi-nacional palestina, onde judeus e muçulmanos sejam capazes de superar o projeto sionista. Militarmente, se Israel perder esse enfrentamento, sua segurança interna estará perdida. Se a Palestina triunfa, dada sua posição geo-estratégica, o mais provável é que a hegemonia ocidental tenha seu fim em Gaza.
Ao que parece, a opinião pública internacional se indispôs permanentemente com a crueldade israelense, principalmente nos países muçulmanos, o que tornará muito difícil um restabelecimento da ordem nos territórios ocupados após a Nakba 2.0: com o deslocamento de mais de 750 mil e o assassinato de pelo menos 12 mil palestinos (até o momento), o terrorismo de Estado praticado pelo projeto sionista outra vez se desmoraliza diante do mundo, dessa vez perderam a aura de eternas vítimas do genocídio.
Publicado em: 17/11/23
De autoria: Renato Costa
Esta é a melhor análise sobre a questão Palestina e suas implicações que li.
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Luis Carlos Moreira
Comentou em 28/11/23