TOM WOLFE
“O Teste do Ácido do Refresco Elétrico”
(The Electric Kool-Aid Acid Test,
trad Rubens Figueiredo, ed Rocco, RJ, 1993)
Por Eduardo Carli de Moraes – A Casa de Vidro
“Você não vê a coisa se aproximando?
Dez mil jovens das flores, do ácido e da maconha,
anfetamina, cabeleira, coração que sonha,
Dez mil hippies, beats, cabeludos, doidões, todo o bando,
descendo a Haight Street em festa, cantando,
Tilintando os sininhos, colares, mandalas, badalação,
botas de duendes, barafunda, prostrado no chão
Diante do Profeta que retornou para os seus adoradores.
Tudo ao som da ladainha psicodélfica, polifônica gemeção,
Da banda musical dos Festivos Gozadores!”
Ah, os loucos anos 60! A mais pirada, a mais festiva e a mais invejada das décadas! E um de seus principais personagens, que bem merecia uma Respeitável Biografia escrita em estilo Adequadamente Doidão, é aquele nosso velho conhecido que se escondia nas iniciais de “Lucy in the Sky with Diamonds” (e quem sabe até mesmo em Louvado Seja Deus… ho ho ho!): pois os anos 60 não teriam sido assim tão loucos nem assim tão legais [cool, I mean] sem a Ação Tutelar realizada pelo ácido lisérgico, aquela mágica Substância Potencializadora de Percepções Alternativas da Realidade que acabou por se tornar uma febre incontrolável e terminou por marcar para sempre o panorama social, cultural e musical daquela década…
O negócio é que o LSD foi um fenômeno sociológico e cultural que não deve ser subestimado. O LSD causou altos debates sociais: foi esmiuçado em longas e polêmicas grandes reportagens na imprensa (capa da Life Magazine em abril de 1966, por exemplo), utilizado em experimentos acadêmicos em psicoterapêutica, explorado em detalhes num excelente documentário da BBC (LSD – The Beyond Within) – enfim, deu uma polêmica braba e foi demonizado e idolatrado com igual fervor pelos dois lados, o dos curtidores e dos caretas (estes, em sua maioria, falando mal sem nunca ter usado, claro)…
E dizer Fenômeno Sociológico não é exagero, pois bem sabemos que o LSD foi a substância química de escolha de multidões de jovens que achavam que “sem droga a vida era uma droga” e que tinham como lema “transcender toda essa bosta”… Sem falar que também se tornou Musa Inspiradora para artistas de peso, como é bem sabido, e hoje devemos dizer “obrigado!” ao acid trip culture jam tanto quanto a Lennon, McCartney, Brian Wilson ou Syd Barrett por existirem maravilhas como Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, Pet Sounds e The Piper at The Gates Of Dawn. O LSD foi até considerado pelos mais messiânicos como um Auxílio Químico Formidável para a conquista da União Mística e possível fundamento de uma Nova Religião Ocidental mais aberta às sabedorias do Oriente (!!!).
Correm até boatos que a própria CIA fez experimentos com LSD para verificar se ele era uma boa ferramenta para arrancar informação de prisioneiros durante a Guerra Fria e que foi por essa via (via CIA!) que o treco adentrou nos EUA e depois se disseminou fora de controle. Pode ser lorota, mas que lorota legal! Enfim: não há História dos Anos 60 possível sem a participação do LSD. E Tom Wolfe, renomado autor americano famoso por seu A Fogueira das Vaidades, embarca numa insana viagem de gonzo jornalismo para contar direitinho como é que Ken Kesey e sua gangue, os Merry Pranksters (ou Festivos Gozadores), praticamente começaram a Mega Orgia do Ácido dos Loucos Sixties…
Ken Kesey, junto com Timothy Leary, foi um dos maiores gurus do ácido naquela década. O cara tinha lançado seu primeiro romance em 1962, o clássico Um Estranho no Ninho, livro que havia sido muito bem recebido pela crítica e que seria adaptado depois para o cinema por Milos Forman, com Jack Nicholson no papel principal, e paparia os mais importantes Oscar de seu ano, se tornando um Grande Clássico Americano. Kesey poderia ter seguido carreira literária e ter virado um beatnik tão respeitado quanto Jack Kerouac, ou um Poderoso Autor Americano como Philip Roth ou Paul Auster, mas preferiu embarcar numa outra viagem – e essa, da mais pura Piração…
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2. UMA CHÁCARA E UMA VIAGEM DE BUSÃO
Começou mais ou menos assim:
Ken Kesey um dia ficou sabendo que um Hospital Psiquiátrico pagava 75 dólares por dia para voluntários que quisessem servir de cobaias num experimento com drogas que supostamente produziam um estado de psicose temporária. Ken Kesey, que era um cara durão e temerário, achou este um “bico” interessante e topou. Foi aí que, aparentemente, ele teve as primeiras experiências legais de sentir “um orgasmo atrás da retina”, de ter “cinco bilhões de pensamento por segundo” e de “tornar-se uma bola de ping-pong numa enxurrada de estímulos sensoriais” (pgs. 47-48), entre outras coisas que… eram o maior barato, meu.
A droga ministrada, na verdade, era LSD. E Ken Kesey, sentindo-se o filho-da-puta mais sortudo do universo, estava sendo pago para usá-lo, enquanto “os médicos entravam com batas brancas, pranchetas, tiravam a pressão, auscultavam o coração, pegavam amostras de urina e pediam aos voluntários para tentar solucionar uns probleminhas simples de lógica e matemática” (pg. 50). Tudo isso aconteceu antes do LSD virar manchete nos jornais quando Timothy Leary, o ph.D. de Harvard, estava supostamente “fritando cérebros” de seus alunos ao ministrar-lhes ácido, o que deu toda aquela polêmica e acabou com o afastamento dele da Universidade….
Digamos o previsível clichê: Ken Kesey nunca mais foi o mesmo homem! Ele havia experimentado o que o bom Aldous Huxley tinha chamado de “a abertura das portas da percepção”; tinha descoberto uma entrada para o Éden da União Total com o Todo; tinha experimentado os efeitos de um brinquedinho psíquico que, no mínimo, era bem divertido. Kesey gostou tanto do barato que espalhou a boa nova para seus amigos e eles formaram uma espécie de Gangue de Curtidores de Ácido. Numa chácara em La Honda, Califórnia, se juntaram numa espécie de mega-república onde havia, além de muito LSD e maconha, um bom tanto de privacidade e paz e pureza pastoril e florestas de sequóia e muitos alto-falantes vomitando jazz e rock and roll o tempo todo. O que eles faziam ali? Ora, curtiam o Momento… Pois tudo o que existe é o agora, cara… Antene tua percepção e pouse no Presente Eternamente Presentificado e aí você vai ver o que é Curtição… e você tem que deixar-se fluir pra fora, irmão, e fazer tudo abertamente, tudo com espontaneidade, cada um respeitando a viagem do outro, por mais sem noção que pareça…
E os Festivos, conta-se, ficavam papeandos suas “conversas de livre associação, como uma conversa em forma de jazz…” (68) E Os Festivos se juntavam ali e “deitavam todos no chão e começavam a falar o que viesse à cabeça” – tudo sendo registrado para a posteridade pelos gravadores… E os Festivos, sob a influência de gente da psicanálise gestaltista como Fritz Perls, pai da “Viagem do Agora”, “faziam e diziam tudo abertamente, sem esconder nada atrás dos gestos habituais, declarando aquilo que realmente sentiam – gritos, acusações, abraços, lágrimas – uma perfeita delícia, é claro…” (129). Isso porque “qualquer tentativa de planejar, compor, orquestrar, escrever um roteiro, só servia pra trancar a gente do lado de fora do momento, confinados no mundo do condicionamento e adestramento no qual o cérebro era apenas uma válvula de escape…” (66-67)
E depois decidiram que podia ser legal pôr o pé na estrada e viajar doidões pela América inteira, escandalizando os caretas e convidando mais companheiros a embarcarem nas asas do LSD. Os Merry Pranksters, ou Festivos Gozadores, conseguem um busão escolar modelo de 1939, decorado com “todos os tons pastéis fluorescentes imagináveis em milhares de formas e desenhos”, “como se alguém tivesse dado 50 baldes de tinta luminosa a Hironymous Bosch e o mandasse atacar.” (20) E pé na estrada. Neal Cassady, o sujeito que serviu de inspiração para o personagem de Kerouac que estrela On The Road, era o motorista. E Ken Kesey era o mentor, o guia, o carismático líder dos doidões. E lá se foram eles, explorando as estradas da América, mijando em mil postos de gasolina e horrorizando mil Cidades de Gente de Bem por onde passavam – mas que podiam fazer os tiras e as autoridades civis e militares se não era proibido pela constituição agir de modo absolutamente insano e sem-pé-nem-cabeça?
A nave intergalática dos Merry Pranksters “possuía beliches e assentos e geladeira e uma pia para lavar pratos e armários e prateleiras e um monte de outros detalhes úteis para viver na estrada. Kesey comprou-o por 1.500 dólares – em nome de Viagens Intrépidas, Associados.” (76) Ah, claro: “o ácido tava em um suco de laranja na geladeira – você tomava um copo de papel cheio do suco e ficava a mil” (78). E o mais legal: a viagem estava sendo registrada em Audio Visual e ia virar um Filme Muito Louco, a vanguarda das vanguardas…
Alguém pode se levantar para dizer: “ora, mas alguém – e alguém Muito Importante! – já teve essa idéia antes!” Mas não – foi Kesey e sua trupe que tiveram a idéia primeiro e os 4 garotos de Liverpool, anos depois, fizeram algo parecido com uma Surrupiação Completa da Idéia Alheia. A fantasia dos Pranksters tinha se tornado a “fantasia do momento” para os Fab Four – e…
“no inicío de 1967, os Beatles tiveram uma idéia fabulosa. Compraram um grande ônibus escolar, enfiaram 39 amigos dentro dele e saíram sacolejando pelos campos da Inglaterra, a cabeça estourando de ácido. Eles iam fazer um… filme. Não um filme comum, mas um filme inteiramente espontâneo, utilizando câmeras de mão, captando a experiência no momento mesmo em que as coisas ocorressem – tudo o que viesse à cabeça – dar pinotes, tagarelar, curtir o lance do momento, o caos visionário – sonhar acordado! Magia negra! Caos!”
Isso é o que hoje conhecemos como Magical Mystery Tour.
E anos antes do Tour Mágico Místico Chapadaço dos Beatles, os Festivos Gozadores de Ken Kesey já estavam inaugurando uma Nova Era e se sentiam muito mais avançados que qualquer outra “sociedade secreta” americana. Mesmo quando chegam a Nova York, percebem que estão, eles do Oeste, bem à frente de todo o resto. Porque “em julho de 1964, nem mesmo o mundo da vanguarda de Nova York estava pronto para o fenômeno de um bando de gente cruzando o continente americano num ônibus coberto de mandalas fosforecentes, brandindo câmeras de filmar e microfones para tudo que parecesse interessante nessa terra tão interessante, enquanto Neal Cassady dirigia o ônibus em curvas fechadas como o Super Hud e a nação americana deslizava pelo pára-brisa que nem uma dessas malditas paisagens filmadas em Cinemascope… como se as coisas estivessem caindo do Cosmos, das maquininhas de vender chicletes do deus dos Festivos…” (WOLFE: p. 113)
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3. ESPALHANDO A BOA NOVA
Kesey dizia, bancando o Profeta Ultra Generoso: “Quando a gente consegue uma coisa como isso que a gente conseguiu, não dá para ficar só sentado nos louros da glória. Tem que manter a coisa em movimento. Não é pra ficar parado, segurando a coisa na mão. Tem que fazer a coisa se mexer e passar para os outros. Só vai funcionar se a gente puser os outros na jogada”. (206)
Pois então: a boa-nova precisa ser espalhada. Não basta manter o Barato preso dentro de um ônibus maluco. A humanidade precisa gozar da nova maravilha. “Kesey compreende que eles, os Festivos, já possuem a perícia técnica e o equipamento necessário para criar um estado de exaltação mental como o mundo jamais viu, alvoroço total, ligação total, amplificado e… controlado – além do instrumento mais eficiente jamais sonhado para abrir as portas da mente do mundo: qual seja, o LSD de Owsley.” (245)
Então os Pranksters começam a espalhar o ácido por aí – e logo ele estaria impregnando o Ar Dos Tempos. Os tais dos Testes do Ácido eram grandes festas multimídia lotadas de projeções de vídeos, estroboscópios, música ao vivo e gente muito louca pirando com ácido. O “refresco” servido aos convidados estava devidamente “turbinado” para fazer bem mais do que refrescar: te deixava elétrico.
Foi o Festival de Viagens e Testes do Ácido que “fez decolar rapidamente e com toda a força o barato psicodélico, que explodiu para fora da esfera subterrânea de um modo que ninguém podia imaginar. Leary e Alpert e suas experiências obtiveram muita publicidade, mas parecia algo bastante isolado, que dizia respeito apenas a dois médicos de Harvard, com suas caras muito solenes e esotéricas, no final das contas. Essa novidade de San Francisco, Los Angeles e LSD, com jovens pirados e rock’n’roll delirante, dava a impressão de que a peste do LSD tinha se disseminado como uma infecção entre a juventude – o que, de fato, era verdade. Muito poucos compreenderam que tudo havia emanado de uma única fonte elétrica: Kesey e os Festivos Gozadores.” (301)
Não demoraria até que “milhares de garotos se mudassem para San Francisco em busca de uma vida baseada no LSD e na coisa psicodélica.” Quando as autoridades finalmente se preocupam, já é um tanto tarde demais. No dia em que o ácido é proibido por lei na Califórnia, há uma baita duma festa que levanta um dedo médio enorme para o que acaba de ser decretado: “e milhares vieram correndo se amontoar ali, vestidos a caráter, tilintando sininhos, entoando cânticos, dançando em êxtase, jogando a cabeça para um lado e para outro e acenando para os guardas com seus gestos satíricos favoritos, jogando flores sobre eles, sepultando aqueles filhos da mãe sob tenras e sumarentas pétalas de amor. Ah, Jesus, a coisa foi fantástica, mil cabeças num mesmo barato, milhares de cabeludos pregando o amor e deixando confusas as mentes dos guardas e de todo mundo com aquela celebração de amor e euforia.” (18)
E aí, vocês sabem… “…nada no mundo é capaz de deter essa coisa. É como um pedregulho rolando morro abaixo – a gente pode olhar, falar do assunto, gritar e dizer “Merda!”, mas não pode fazer parar.”
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4. UMA RELIGIÃO?
Gente sugeria que todos os Curtidores de Ácido organizassem uma Religião Séria e Legalizada, mais ou menos como Timothy Leary estava tentando fazer com sua Liga da Descoberta Espiritual, trasnformando a maconha e o LSD em sacramentos legalizados. Isso, é claro, só faria o barato ficar muito mais legal com a diminuição das nóias que surgiam em muita gente que, apesar de estar descobrindo Coisas Maravilhosas através do ácido, acabavam tendo muitas bad trips onde os tiras apareciam subitamente para estragar a festa e levar todo mundo em cana…
Kesey até entra numas ondas de Messias. “Estamos agora num período igual ao que São Paulo viveu no início do cristianismo”, disse ele num momento em que aparentemente nem estava chapado. “São Paulo diz que se eles sacaneiam a gente numa cidade, a gente se muda para outra, e se sacaneiam a gente nessa outra, a gente se muda para outra…” Espalhando a boa nova para os irmãos!
“Na verdade, nenhuma das grandes religiões, cristianismo, budismo, islã, jainismo, judaísmo, zoroastrismo, hinduísmo, nenhuma delas começou partindo de um sistema filosófico ou sequer de uma idéia central. Todas começaram com uma irresistível experiência nova, aquilo que Joachim Wach chamava ‘a experiência do sagrado’, e Max Weber, de ‘possessão da divindade’, a sensação de ser um vaso no qual o divino é vertido.” (137) Não há muita diferença entre a Experiência Mística e a Experiência Psicodélica, eis o ponto.
“Dentro do círculo religioso, definir a posição de alguém era uma questão muito simples. O mundo estava sempre nitidamente dividido entre os ‘cientes’, aqueles que tiveram a experiência de serem taças para o divino, e uma grande massa de ‘inscientes’, ‘os não musicais’, ‘os desafinados’. Ou a gente está no ônibus ou fora do ônibus. Os Cientes nunca se mostravam conscientemente esnobes em relação aos Inscientes, mas na verdade a maior parte daqueles bundões abobalhados e suas boas almas certinhas e obedientes não podiam deixar de parecer a eles uns casos perdidos. (…) Mas esses grupos tratavam com generosa solicitude qualquer um que mostrasse possibilidades, que fosse um irmão potencial.” (139-140)
O caminho de Leary enveredava no sentido da fundação de uma nova religião, nos moldes budistas, com o LSD sendo idolatrado como um Possibilitador de Contatos com o Divino e de União com o Todo. Tom Wolfe brinca dizendo que, para Leary, “nossa casa devia ser um lugar de pureza, um local em que o próprio Gautama Buda poderia entrar com naturalidade, vindo do ano 485 a.C, e se sentir em casa. Pois vai chegar o dia em que o mato voltará a crescer nas ruas, numa pureza pastoril, pois a vida é uma merda, um cárcere de carmas ruins, uma interminável luta contra a catástrofe, a qual só se pode evitar mediante a completa purificação da alma, completa passividade, em que a pessoa se converte em nada… mas, ao mesmo tempo, um receptáculo do Todo…” (382)
Já nos Merry Pranksters de Kesey, “…não havia teologia alguma, nem filosofia, pelo menos não no sentido de um ismo. Não havia o objetivo de alcançar uma ordem moral aperfeiçoada no mundo, nem alguma ordem social mais justa, nada que dissesse respeito à salvação, e com toda certeza nada relacionado a imortalidade ou vida no além. Depois da morte! Isso era piada. Se alguma vez existiu um grupo de pessoas inteiramente dedicadas a viver o aqui e o agora, esse grupo foi o dos Festivos (Merry Pranksters).” (136)
O fato é que, mesmo que Ken Kesey se recusasse a servir como um líder espiritual ou o criador de uma seita, a experiência psicodélica foi considerada por grande parte de seus adeptos como uma experiência profundamente religiosa. Não foi só a mente brilhante de Aldous Huxley que viu altas potencialidades espirituais nessas substâncias químicas de expansão da consciência – os relatos de quase todos os usuários de LSD ou mescalina concordam nesse ponto: o segredo do universo se revela quando se está sob o efeito. Mesmo que depois, ó mundo cruel, a gente esqueça qual era o segredo.
“…a gente acaba vendo as coisas por um outro olho completamente diferente. Todos nós temos uma boa parte da mente trancada. Ficamos banidos de um mundo que nos pertence. E essas drogas parecem ser a chave que abre essas portas trancadas. Quantos? – talvez uma dúzia de pessoas no mundo todo tinham conhecimento deste incrível segredo! Uma dela era Aldous Huxley, que tomara mescalina e havia escrito a respeito no livro As Portas da Percepção. Ele comparou o cérebro a uma ‘válvula de escape’. Na percepção comum, os sentidos enviam uma estonteante carga de informações para o cérebro, que as filtra muitas vezes até que por fim restam apenas ínfimas gotas, as quais ele pode manejar com segurança a fim de garantir a sobrevivência em um mundo intensamente competitivo. O homem se tornou tão racional, tão utilitário, que essas gotas se tornam cada vez mais ralas e insignificantes. Para a mera sobrevivência, o sistema é eficiente, mas aniquila a parte mais maravilhosa da experiência potencial do homem, sem que ele sequer saiba disso. Ficamos banidos de um mundo que nos pertence. O homem primitivo pôde desfrutar com plenitude a rica experiência das torrentes do fluxo sensorial. As crianças têm essa experiência por alguns meses – até que o treinamento ‘normal’, o condicionamento, fecha as portas para esse outro mundo, em geral para sempre. De algum modo, disse Huxley, as drogas abriram essas portas ancestrais. E, através delas, o homem moderno pode afinal descobrir em si um dom e um privilégio divinos…” (TOM WOLFE, p. 52)
Publicado em: 27/01/23
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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