“O Professor de Desejo”, de Philip Roth
por Du Pitomba
Imagine um professor de universidade que, ao invés de passar as matérias exigidas maquinalmente para formar a grade daquele semestre, se coloca na mesma posição destas. Seus alunos não teriam mais de se sentir como pedintes ante disciplinas, como por exemplo desconstrucionismo ou estruturalismo, acabando por estudar as vísceras sentimentais daquele ser humano postado à frente da lousa. A leitura das obras seria coada pelo filtro dos vícios e virtudes do homem universal.
“O professor de Desejo” (1977), de Philip Roth, faz com que seu protagonista, David Kepesh, corte a sua própria fita como num ato público de inauguração, se oferecendo como patrimônio para aqueles jovens estudantes. É o romance que alonga o termo “aula presencial”. Kepesh é master class de si mesmo. Como a obra cobre a linha da vida da personagem principal, que vai da infância até as vésperas de iniciar seu plano de se transmutar num tubo de ensaios hormonal para os discentes, o leitor acaba tendo mais prazer que a classe fictícia. Roth sabiamente faz o livro em primeira pessoa para justamente ter o ganho do desnudamento maior e sem obstáculos.
O romance satírico do século XX (Céline, Nabokov, Saul Bellow), constrói suas personagens numa chave de vulgarização dos afetos, onde os gestos de reconciliação competem com frases de outdoor que emporcalham as cidades. O bicho homem metropolitano está sempre imprensado. O ancestral mais próximo deste tipo de literatura é aquele do folhetim mais enérgico da virada do século XVIII para o XIX. Na modalidade mais antiga você tinha fidalgos lascivos rindo de suas conquistas ao redor de lareiras, enquanto aqui, são profissionais da educação apatetados pelo breu dos poços artesianos da alma feminina.
Dentro dos autores de predileção de Kepesh, o russo Anton Tchekhov é a menina dos olhos para o material de sua especialização. Essa escolha é de suma importância para quebrar a casca de noz do livro. Nas peças e contos de Tchekhov existia de forma grave e sisuda a despedida de uma classe dirigente, e com isso, se debandava também, todo o baú de cavalheirismo dessa mesma classe. Tendo essa a noção exata do ultrajante. O professor é anabolizado pelas finíssimas renúncias da tapeçaria humana do escritor eslavo.
A reflexão solitária, que no fim do século XIX ainda podia mostrar seu rosto, foi substituída nos dias correntes na vida de Kepesh pelo esconde-esconde dos adultos modernos: a psicanálise. Incapaz de arredondar as formas de seu objeto de desejo, que dirá renunciá-lo. Esse homem e seus companheiros escafandristas de corredores universitários e albergues travestidos de bacanal, são torturadas criaturas que não conseguem fincar a bandeira de alpinista no vão dos seios de suas mulheres. Caminha com o volume do contista embaixo do braço e a imaturidade no coração.
Em dado momento o mestre literário sapeca frase bem pertinente, enxergando uma das fragilidades desse tempo: o prazer virou um dever. Esse mantra modernoso só pode dar mesmo em acelerador de frustrações. É o caso da grande cena da obra, a visitação de Helen, ex-mulher de David e agora esperando filho do atual parceiro, para depois saber, no mesmo dia, do aborto feito por Claire, seca namorada. Tudo isso numa casa de campo primaveril, com direito a infância de passarinhos e encrespação de olhares. O corte e costura é tchekhoviano, mas a histeria surda é de Philip Roth. Santo matrimônio.
Os instantes finais do livro, gestos e pensamentos que servem para desaguar na praia de nudismo mental de David, são pequenos jatos de luz vindos para socorrê-lo do emaranhado de infantilidades hormonais, o feirão de saldos das promessas sexuais. Sua coleção de aventuras parece dizer que, “fazer a América” não é mais regar o bom e velho empreendedorismo, e sim, tatuar nos neurônios, de cabo à rabo, todo o Kama Sutra. Por isso mesmo, o arremate tem um amargor terrível. Kepesh, já tendo abocanhado todo o inseticida comportamental do tempo corrente, acorda Claire para sua necessidade sexual, sabendo de sua inadequação para o afeto mais duradouro. Philip Roth inverte o termo psicanalítico. Esse é o momento tristeza pré-coito. Mais anticlímax impossível. Só que um anticlímax completamente bem-vindo. Se formos pensar na grande arte de Tchekhov, nada melhor que um choro abafado.
Publicado em: 11/09/14
De autoria: casadevidro247
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