Escrito pelo cubano Leonardo Padura e lançado em 2009, O Homem que amava os cachorros (Ed. Boitempo) se tornou, rapidamente, um clássico da literatura política universal. Neste romance político-policial narrado desde a ilha socialista caribenha, um aspirante a escritor narra seus encontros casuais com Ramón Mercader, um ex-espião soviético que passa a confidenciar, décadas depois, as ações secretas que desencadearam um dos crimes políticos mais célebres e brutais do século XX: o assassinato a golpes de picareta do líder militar da Revolução Russa de 1917, León Trotsky.
Padura, através de seu narrador, nos coloca diante de uma das questões mais fundamentais do último século: morto pelas costas, em 1940, a mando de seu opositor, Josef Stálin, Trotsky teria sido uma alternativa de poder para a União Soviética e, consequentemente, teria criado as condições de manutenção do Bloco Soviético?
O que, a princípio, seria apenas uma aventura praiana de um pacato escritor cubano em busca de inspiração e de um personagem destacado, leva a revelações históricas de vulto universal e coloca os leitores diante dos maiores dilemas da humanidade e do movimento comunista mundial. Em busca de emancipação e liberdade na Cuba dos anos 90, o narrador, alter-ego de Padura, ao mesmo tempo que padece da fome decorrente do fim do bloco soviético e do recrudescimento do embargo criminoso imposto à ilha, nos revela os erros e a brutalidade política do stalinismo, da Guerra Civil espanhola, onde Mercader é recrutado, à Segunda Gerra Mundial, sem, entretanto, alterar ou omitir o contexto político-militar do entre guerras, onde a desconfiança e a violência se generalizava em uma escalada inédita até então.
Se a disputa no Partido Comunista da União Soviética (PCUS) houvesse levado ao poder e à condução do estado soviético o judeu ucraniano Trotsky, no lugar do guerrilheiro georgiano Stálin, a história do bloco socialista, a queda do muro de Berlin, a fome generalizada em Cuba dos anos 90, enfim, a história das repúblicas dos trabalhadores, teriam sido diferentes? Essas são as dolorosas perguntas elaboradas por este notável romance histórico, a partir da análise detalhada das experiências históricas e subjetivas, ainda hoje incontornáveis por se perpetuar, enquanto estrutura e realidade, no século XXI.
Tal hipótese condiciona outra, talvez a mais importante para
a Cuba dos anos 90’: se Trotsky tivesse razão em sua tese da Revolução
Permanete, uma forma de contra-ofensiva revolucionária diante dos ataques do
chauvinismo anti-comunista e colonialistas que caracterizaram o fascismo
europeu e estadunidense. O momento da internacionalização da revolução,
proposta por ele, teria capacitado as massas trabalhadoras em cada nação,
conformando, assim, uma federação de repúblicas dos trabalhadores.
Estariam os cubanos
em melhor situação se acompanhados por outros países na consolidação do
pensamento revolucionário internacional, frustrado em grande medida pelo
socialismo em um só país, que conteve o enfrentamento entre as classes de cada
povo. Assim nos leva a considerar que, se a ação de um só homem mudou o rumo de
uma revolução, poderia também mudar o rumo das ideias de uma era, influenciar
outros países e, por fim, o mundo todo.
O quê, a princípio, seria uma aventura praiana de um pacato
escritor cubano, em busca de inspiração e de um personagem destacado, leva a
revelações históricas de vulto universal, colocando nós, leitores, diante dos
dilemas da humanidade oprimida e do movimento comunista mundial por sua
libertação.
Portanto, O Homem que Amava os Cachorros ao mesmo tempo que narra a fome decorrente do fim do Bloco Soviético e o recrudescimento do embargo criminoso imposto à ilha, nos revela os erros e a brutalidade política do stalinismo, da Guerra Civil espanhola – onde Mercader é recrutado – à Segunda Gerra Mundial, sem, entretanto, alterar ou omitir o contexto político-militar do entre guerras, onde a desconfiança e a violência se generalizavam no ocidente, em uma escalada inédita, até então.
Se a disputa no Partido Comunista da União Soviética (PCUS) houvesse levado ao poder, e à condução do estado soviético, o judeu ucraniano Léon Trotsky, no lugar do guerrilheiro georgiano Stálin, a história do bloco socialista, a queda do muro de Berlin, a fome generalizada em Cuba dos anos 90, enfim, a história das repúblicas dos trabalhadores, teriam sido diferentes?
Essas são as dolorosas perguntas elaboradas por este notável romance histórico, a partir da análise detalhada das experiências históricas, do empenho subjetivo das personagens e da internacionalização da narrativa. Ficam as polêmicas martelando ainda hoje, incontornáveis por se perpetuarem as hipóteses teóricas enquanto estrutura e realidade, no século XXI. Perguntar-se quem teve razão histórica remete, de fato, à necessidade de ler o mundo hoje e transformá-lo, evitando assim, que se perpetue a grande catástrofe que é o capitalismo.
No contraste de credenciais, um foi o líder do mais importante soviet; criador do exército vermelho; historiador e teórico da “Revolução Permanente”. O outro, também importante militar e teórico do comunismo, venceu, junto do povo soviético, a maior máquina de Guerra imperialista, até ali. Antes da força militar estadunidense, nos dias de hoje.
Um, vítima de influência limitada à época de seu assassinato, o outro, carrasco, que se dizia acossado pela contra-revolução ‘permanente’. Ambos, com méritos incontestáveis e defeitos indefensáveis, compartilharam a expressão de um povo acossado pelo imperialismo global e pelo militarismo chauvinista das (supostas) democracias burguesas ocidentais que, financiando o nazismo, ajudaram a ceifar mais de 27 milhões de vidas russas.
Amalgamando uma historiografia rigorosa com a ficção de um encontro improvável, Padura revela a jornada épica de um homem que mudou a história, mas que foi impedido pela violência de estado de exercer sua liderança incontestável. Em nome da política de defesa e da decorrente centralização burocrática de um estado fortemente atacado pelo capitalismo global, o esforço de guerra lhe tolheu o poder de atração pessoal, exterminou um dos seus melhores combatentes e levou ao estrangulamento precoce das experiências socialistas do século marcado pela revolução proletária e pela vitória do povo soviético e internacionalista sobre o fascismo capitalista transnacional.
Leitura deliciosa e fundamental, como só o povo cubano pode brindar ao mundo!
Hasta siempre, camarada Trotsky!
Renato Costa
Esquerda Diário – O significado histórico do romance “O homem que amava os cachorros”
Publicado em: 11/09/20
De autoria: Renato Costa
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