Ou: O Anarquismo e o Casamento
Que confissão mais bela em favor da união livre se poderia pedir? Não é evidente que é inútil selar com uma cerimônia o que uma outra cerimônia pode desfazer? Por que fazer consagrar por um simplório cingido por uma cilha a união que três outros simplórios de togas e barretes poderão declarar nula e inexistente?
Assim, os anarquistas rejeitam a instituição do casamento. Eles dizem que dois seres que se amam não precisam da permissão de um terceiro para se deitarem juntos; a partir do momento que sua vontade leva-os a tomar esta decisão, a sociedade nada tem a ver com isso, e menos ainda a interferir.
Os anarquistas dizem o seguinte: pelo fato de que se deram um ao outro, a união do homem e da mulher não é indissolúvel, não estão condenados a terminar seus dias juntos se acontecer de se tornarem antipáticos um ao outro. O que sua livre vontade formou, sua livre vontade pode desfazer.
Reconheçamos, de uma vez por todas, que os sentimentos do ser humano escapam a toda regulamentação e que deve existir a mais completa liberdade para que eles possam desenvolver-se completa e normalmente. Sejamos menos puritanos e seremos mais francos.
Dois seres que, tendo encontrado-se, aprenderam a se conhecer e a se estimar e acabam por se tornar um só, de tanto que se tornaram íntimos e completos, e de tanto que sua vontade, seus desejos, seus pensamentos tornaram-se idênticos, estes seres, menos que todos os outros, necessitarão de leis para obrigá-los a viver juntos.
Quando o homem e a mulher não se sentem mais acorrentados um ao outro, e se amam, a força das coisas conduzem-nos a se buscar reciprocamente, a merecer o amor do ser que tiverem escolhido. Sentindo que o companheiro ou a companheira amada pode abandonar o ninho se não encontrar mais a satisfação com a qual sonhou, o indivíduo colocará tudo em obra para agradar o outro completamente. Assim como entre essas espécies de pássaros, em que, na época do acasalamento, o macho apresenta uma plumagem nova e brilhante para seduzir a fêmea da qual quer atrair os favores, os humanos cultivarão as qualidades morais que devem fazê-los amar e tornar sua companhia agradável.”
KROPOTKIN. O Princípio Anarquista e Outros Ensaios.
Tradução de Plínio Augusto Coelho. Editora Hedra. Pgs 69-72.
Publicado em: 27/07/11
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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