“Pobreza não é desonra”. Muito bem. No entanto desonram os pobres. Fazem isso e o consolam com o provérbio. Este é daqueles que antigamente se podiam admitir como válidos, mas cuja data de vencimento já chegou há muito tempo. Da mesma forma como aquele brutal “Quem não trabalha não come”. Quando havia trabalho que alimentava seu homem, havia também pobreza que não desonrava, quando o atingia por má colheita ou outra fatalidade. Mas é desonra sim, essa penúria, na qual milhões já nascem dentro, e em que são enredados centenas de milhares, que empobrecem. Sujeira e miséria crescem como muros, obra de mãos invisíveis, em torno deles. E assim como o indivíduo pode suportar muito por si, mas sente justa vergonha quando sua mulher o vê suportá-lo e ela própria o atura, assim é lícito ao indivíduo aturar muito enquanto está sozinho e tudo enquanto o esconde. Mas nunca é lícito a alguém firmar sua paz com a pobreza quando ela cai como uma sombra gigante sobre seu povo e sua casa. Ele deve, então, manter seus sentidos vigilantes para cada humilhação que lhes é infligida e mantê-los disciplinados até que seu sofrimento tenha trilhado não mais a ladeirenta rua da amargura, mas o caminho ascensional da revolta. Mas aqui não há nada a esperar enquanto cada destino, o mais terrível, o mais obscuro, discutido todos os dias (e mesmo todas as horas) pela imprensa, exposto em todas as suas causas aparentes, não promove ninguém ao conhecimento das obscuras potências das quais sua vida se tornou serva.”
WALTER BENJAMIN. Rua de Mão Única.
Obras Escolhidas, Volume II. Ed. Brasiliense. Pg. 22.
Publicado em: 04/11/11
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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