O FICA É FODA por fazer confluir estes rios que somos, nós cineastas independentes e documentaristas-guerrilheiros, que às vezes fluem mais em retas paralelas do que em rotas confluentes; o Festival é repleto de oportunidades preciosas pra nos assistirmos no telão e depois interagirmos em carne-e-osso, trocando contatos, bolando parcerias e criando conteúdos novos que reverberem nossas criações, pirações e fritações audiovisuais. Assim foi no breve mas comovente encontro com Natália Tupi (Insta: @ancestralidadevisual) e seu cinema decolonial, de vibe Ninja, atento ao intenso agora.
Eu havia acabado de chegar à Cidade de Goiás e logo na primeira sessão, dedicada ao cinema indígena e de povos tradicionais, senti um impacto tremendo ao assistir, em 12 de Junho de 2025, na Centro de Memória e Cultura do Poder Judiciário do Estado de Goiás, aliás apinhada de gente, ao MINHA CÂMERA É MINHA FLECHA, curta-metragem muito massa da Natália, filmado na região do Pico do Jaraguá, lá onde resiste ao monstrengo chamado Sampa uma resiliente e ancestral comunidade Guarani Mbyá.
Eu havia viajado de Goiânia pras terras de Cora Coralina de carona com o José Monteiro – historiador, autor de tese de doutorado, publicada em livro pela Ed. Ipê das Letras, “Festivais RTP e Festivais da MPB – Entre a Tradição e a Modernidade (1961-1975)” – e estávamos juntos na sessão que também exibiu longa-metragem sobre a Aldeia Multiétnica da Chapada dos Veadeiros. Na saída da sessão, engatamos um papo com Natália enquanto caminhávamos no rumo da Tenda Multiétnica. Um viva aos novos encontros e às novas pessoas que o FICA traz à nossa teia de convívio!
Nascida em Parintins, no Amazonas, hoje moradora de Pirituba/SP, a jovem cineasta fez um filme de contundência e capacidade de comoção, denunciando a especulação imobiliária e a luta contra uma construtora que quer avançar sobre o que resta da Mata Atlântica; em vários trechos do curta, a tela queima com pneus incendiados e vozes indígenas altissonantes, tomando a Rodovia dos Bandeirantes, com os audazes manifestantes causando uma grave disrupção do tráfego para denunciar a São Paulo e ao Brasil os crimes cometidos pelo capitalismo imobiliário contra seu lar ancestral.
Acompanhados pelo som de pássaros e maracás, nas imediações da Tenda Multiétnica, eu e Natália gravamos um plano sequência que inclui uma entrevista e que se encerra com um passeio a pé por uma das áreas mais fascinantes e inspiradoras do FICA 2025 (assista em https://youtu.be/EE066tCOaAo):
No nosso bate-papo, também abordamos a iminência da COP 30 de Belém do Pará que fará, como deve ser, a Amazônia ser o centro-do-mundo; quis saber de Natália, mulher amazônica emigrada para a maior megalópole da América do Sul, como ela percebe a catástrofe climática, os fracassos de Estados nacionais e da ONU em freá-la; quis saber também qual a responsabilidade e potência dos povos indígenas e tradicionais nos levantes com pautas socioambientais que virão. No papo, também abordamos o simbolismo da câmera-flecha, que dispara imagens insurgentes e decoloniais, seguindo em pegadas propostas também por Ailton Krenak e sua conclamação para “demarcar as telas”.
Quero agradecer Natália pela confiança a mim concedida: não é fácil deixar-se filmar por um cara que você acabou de conhecer, sem saber que uso ele fará de sua imagem; mas tanto o fato de ter apresentado a ela um pouco do trabalho d’A Casa de Vidro no campo do documentário, quanto a vibe de congregação que vige no FICA, conspiraram a favor da consumação deste vídeo. Modéstia a parte, ficou supimpa e agrega em 12 min diálogos de relevância para todos os que se importam com a confluência entre cinema e luta urgente contra a catástrofe sócioambiental planetária em curso, esta que põe Gaia em tormenta, causa a Sexta Extinção em Massa da biodiversidade da Terra e um aquecimento climático sem precedente nas últimas dezenas de milhares de anos. Agora estreamos no Canal do YouTube, e em breve terá sua transcrição publicada aqui no site.
Eis a sinopse do filme de Natália: “Richard Wera Mirim é um jovem Comunicador Indígena do Povo Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá, território que ainda resiste às margens da Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo. O filme traz um pouco de sua trajetória, aliada à força do audiovisual e do uso das redes sociais na luta e resistência indígena. Mostra a câmera como uma flecha, uma ferramenta de comunicação poderosa, uma arma para registrar e retratar, com o olhar de quem vivencia a cultura, os conhecimentos, os territórios e demais aspectos dos povos originários pelo direito de existir.”
Trailer:
Assista em CINECIPÓ até 30/06: https://cinecipo.com.br/minha-camera-e-minha-flecha
Eduardo Carli de Moraes, 15/06/2025
Publicado em: 15/06/25
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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