Sabe o que cairia bem hoje? O Patriarcado!
A aliança criminal Patriarcado – Capital tem em Jair Genocida Bolsonaro seu capanga principal no Brasil pós-democrático. Não é apesar de sua misoginia, racismo e homofobia que ele teve esta resistível ascensão, mas talvez por causa destes vícios que o status quo santificou como virtudes em sua delirante e prepotente teologia-política. O Messias só é assim considerado em virtude de possuir os atributos viris que a tradição patriarcal atribui às autoridades político-religiosas.
É só lembrar que, enquanto partícipe de um golpe de Estado do qual seria um dos principais beneficiários, o ex-capitão (e atual capetão) resolveu pagar pau pra Brilhante Ustra, o comandante-em-chefe da tortura na ditadura. Amelinha Teles, uma de suas vítimas, lembra apenas uma cena dentre centenas protagonizada por aquele que Bolsonaro celebrou como ídolo ao participar do golpeachment de 2016:
– Ele [Ustra] leva meus filhos para uma sala, onde eu me encontrava na cadeira do dragão, nua, vomitada, urinada, e ele leva meus filhos para dentro da sala? O que é isto? Para mim, foi a pior tortura que eu passei. Meus filhos tinham 5 e 4 anos. Foi a pior tortura que eu passei… (Amelinha Teles)
“Outro aspecto do método para torturar presos era a condução das práticas e o uso de ferramentas ao extremo do invasivo, gerando ao mesmo tempo o desconforto, a dor física e a criação do sentimento de vulnerabilidade. Ratos na vagina, madeira no ânus, estupros e afogamentos eram consideravelmente corriqueiros, até onde é possível conhecer.” (AVENTURAS NA HISTÓRIA – Horror e Abuso de Poder).
“Ustra vive!” é uma das bandeiras da familícia – eles preferem esta frase ao “ame o próximo como a ti mesmo” cristão. Isto – idolatria a torturadores combinada a uma adesão oportunista ao cristianismo – é um dos âmagos do bolsonarismo, este culto da violência que traveste sua própria crueldade com a pele de cordeiro da fé ostentada.
Tudo que há de sexual no fulcro desta treta histórica é sugerido por estranhíssimos fatos como este: “imbrochável” é uma das palavras da eleição/22 e esteve recorrentemente repetida na boca de um presidente e no coro de seu séquito servil (tão servil que alguns o apelidou de “gado”, uma grande ofensa aos bovinos). Este sintoma de neurose sexual ou “peste emocional” (Wilhelm Reich) no coração das trevas do bolsonarismo e de outros extremismos de direita, puritanos e violentos, também mostra-se de maneira explícita na orgia do Viagra e da prótese peniana que o desgoverno concedeu aos militares sob sua gestão.
Cada vez mais aprofunda-se nosso saber sobre a natureza da psicose que aflige este auto-entitulado Mito que muitos psicanalistas diagnosticaram como mitomaníaco e perverso polimorfo. Trata-se de uma psicose veiculada à masculinidade tóxica, que é ao mesmo tempo secretamente frágil e que por isso precisa ostentar-se. O apego patológico à mentira contumaz, e não apenas nas redes sociais mas em cima de todos os palanques e parlamentos, mostra que Jair Bolsonaro mente como sua ou respira pois de algum modo vê hombridade no exercício da enganação.
Em um dos documentários brasileiros mais importantes e corajosos de 2022 – o fenômeno das redes Quebrando Mitos, disponível no canal Meteoro e dirigido por Fernando Grostein Andrade (criador de Quebrando o Tabu, documentário sobre a Guerra às Drogas que tornou-se plataforma de direitos humanos e comunicação de alto impacto na net brazuca) – esta macheza truculenta e este Complexo de Rambo que marcam tanto o genocida quanto seus asseclas são postos a nu.
Fernando Grostein Andrade tem em seu companheiro Fernando Siqueira um colaborador na arte arriscada de “iluminar as dificuldades de um casal gay diante da intolerância promovida pelo presidente” (Revista Veja). O filme é realizado a partir de um exílio auto-imposto na Califórnia. Não à toa, o filme contem entrevista com outro ilustre exilado, Jean Wyllys, responsável por aquela cusparada catártica que representou a dignidade de nossa revolta naquela noite da infâmia onde mais de 300 picaretas enfiaram uma faca nas costas de Dilma Rouseff.
Em crítica bastante elogiosa ao filme, Kotscho aponta que nele
“o Brasil é um corpo estendido no chão, recolhido pelos dois jovens cineastas para fazer a mais completa autópsia da grande tragédia brasileira…. Partindo dos seus dramas pessoais, Andrade e Siqueira, homossexuais assumidos num país homofóbico, machista, misógino e violento, que glorifica a ignorância e a estupidez humana, tiveram que sair do Brasil para um autoexílio em Los Angeles, quando Bolsonaro assumiu o poder, para poder montar em paz e segurança o filme das suas vidas, ameaçadas pela intolerância galopante. Como foi possível chegarmos a esse ponto de degradação humana, tão bem retratado no filme, com o país de cócoras, devastado por um exército de ocupação?” (UOL)
A ascensão de Bolsonaro ao poder é inseparável de uma longa trajetória de crimes, delitos e falcatruas que vão muito além de ter montado uma família em modelo gangsterizado – uma milícia doméstica. Agora, já sabemos que o enriquecimento ilícito da familícia foi propulsionado pelo fato de terem sido sanguessugas dos fundos públicos através de funcionários-fantasma e rachadinhas. Um esquema de corrupção que propiciou a compra de 51 imóveis no valor de mais de 20 milhões de reais sempre em dinheiro vivo.
No entanto, sabemos também que esta ascensão econômica-política digna de Al Capone foi calcada também em reincidentes crimes cibernéticos de disseminação deliberada de desinformação exploratória de pânicos morais.
A mentira deslavada do kit gay e da mamadeira de piroca, transformados em memes virais da campanha de 2018, numa agressão caluniosa à chapa Fernando Haddad/Manuela D’Ávila, sinaliza para a masculinidade catastrófica deste cidadão-de-bens que se colocam como defensores da família tradicional brasileira, da heterosexualidade compulsória, da mulher “bela, recatada e do lar” (ideologia maravilhosamente desconstruída e critica no Medusa de Anita Rocha Silveira, outro dos melhores filmes do cinema brasileiro em 2022).
Em 7 de Setembro de 2022, cometendo crimes eleitorais a torto e a direito na Esplanada dos Ministérios transformada em palanque fascista pago com verba pública, Bolsonaro beijou sua Cinderela Micheque (aquela que recebia misteriosos cheques de 89 mil reais do Queiroz) e puxou o coro “imbrochável! imbrochável!”.
Aí se mostra o temor de ser “brocha”, de ser taxado como usuário de Viagra assim como boa parte dos milicos, mas também o desejo de ser o führer de uma massa trolladora, crédula e infantilóide. Bolsonaro sonha em ser o tirano, o Arturo Ui, o Trump dos trópicos, diante de uma espécie de grande sala de quinta série chefiada pelo capetinha da turma, que exige que o celebrem como o pica-grossa e que orienta o bullying cascadura sobre viadinhos, mariquinhas e feminazis. O bullying dele se torna apologia do genocídio quando se refere aos petralhas que promete metralhar e aos comunistas que quer enviar “para a ponta da praia”.
Em seu artigo Crepúsculo do macho e do imbrochável, J. G. Couto sintetiza excelentemente a importância de Quebrando Mitos:
“O que singulariza Quebrando mitos e o torna particularmente contundente é a articulação de todas as questões mais agudas – do desmatamento ao culto às armas, do extermínio indígena ao negacionismo científico, do racismo à misoginia, do fanatismo religioso à violência policial – com o tema central da afirmação de masculinidade. É esse eixo central que impede o filme de cair na dispersão, na egotrip e na mera enumeração de mazelas.
Dois fatores propiciam essa articulação. O primeiro é o “lugar de fala” explicitado pelo diretor. Filho de um editor da revista Playboy, Fernando Grostein viu-se rodeado desde a infância por homens de sucesso e garotas sensuais. Abusado sexualmente aos 14 anos, foi forçado aos 17 a perder a virgindade com uma “coelhinha” da Playboy (nada a ver com o pai, que havia morrido sete anos antes).
Na juventude, Fernando se emaranhou na tradição machista que ensina todo rapaz a transar com o maior número possível de garotas, mas a respeitar apenas as que só transam com o namorado ou nem transam. A história de vida do diretor é a história da construção e desconstrução de um típico macho brasileiro.
O outro alicerce da estrutura do filme é a formação e o desenvolvimento de Jair Bolsonaro, desde a infância e adolescência em Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira. Como mostra a jornalista Carol Pires, uma das roteiristas do documentário, estão ali, naquela pequena cidade cercada de quilombos e áreas de preservação, as sementes da personalidade daquele que viria a ser cadete, tenente, capitão reformado, vereador, deputado e presidente da República.
O ressentimento por não fazer parte da elite local, a sensação de que a cidade não crescia por culpa da proteção aos quilombos e às matas, o fascínio pelas armas e fardas (despertado quando o exército vasculhou a região à caça de Carlos Lamarca) – está toda ali, em embrião, a atitude de Bolsonaro diante do mundo.
Quebrando mitos é, em suma, o entrechoque dessas duas vidas paralelas e antagônicas, no cenário de um país fraturado. Ao se colocar de corpo e alma em seu filme, Fernando Grostein dá a cara a bater e transcende a mera denúncia jornalística ou o mero panfleto político. Responde a uma declaração de guerra com uma bomba de efeito (literalmente) moral.” (Outras Palavras)
Jair Bolsonaro só é um monstro compreensível caso tenhamos uma compreensão histórica das condições que foram necessárias para sua emergência. Compreender o monstro é etapa necessária na jornada de combatê-lo e superá-lo. Quebrando Mitos é pedagógico ao destacar a relação da criança e do adolescente Jair em Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, território repleto de comunidades quilombolas, remanescentes de povos originários e áreas de proteção ambiental – tudo o que Jairzinho aprendeu a odiar para favorecer garimpeiros, grileiros, latifundiários e ecocidas de toda estirpe.
O episódio da caçada a Carlos Lamarca torna-se um episódio épico que Jairzinho testemunha e ele toma partido pelo exército de ocupação que está tentando matar o militar transviado, transformado em guerrilheiro anti-ditadura. Os melhores historiadores, cineastas, sociólogos e jornalistas do Brasil têm enfatizado este episódio formativo do Bildungroman de Jairzinho, o devir-fascista deste menino do interior paulista que depois ascenderia ao poder via Milicianato carioca.
Diretora da Agência Pública, ex-redatora de Caros Amigos e autora da obra-prima do livro-reportagem Dano Colateral (Ed. Objetiva), Natália Viana, sinaliza para o episódio em sua análise de fôlego e densidade histórica acerca da “intervenção dos militares na segurança pública”:
“…apaixonado pelo verde oliva desde menino, quando presenciou a estrondosa operação do Exército que mobilizou 4 mil homens para caçar o guerrilheiro Lamarca no Vale do Ribeira, Bolsonaro defendeu veementemente a Força à qual serviu [quando, em 2019, ocorreu a morte de Evaldo Rosa e Luciano Macedo]. ‘O Exército não matou ninguém, não… Houve um incidente, houve uma morte…'” (VIANA, p. 32)
A autora, neste trecho, refere-se à morte, em 2019, de Evaldo Rosa, músico, morador de favela, que dirigia-se com a família para um chá de bebê quando teve seu carro alvejado por mais de 80 tiros do Exército, e também à morte de Luciano Macedo, catador de latinhas, também habitante das margens, num erro crasso e letal das forças de repressão militares no Rio, hiper-militarizado desde o regime golpista de Temer. Leia a reportagem da BBC.
A frase ‘o Exército não matou ninguém’ parece apontar para o racismo entranhado em Jair, que considera a carne negra como não sendo a de alguém, e um morto na favela como ninguém (ele já foi pego em flagrante crime de racismo ao falar de “afrodescendentes” que ele pesa em “arrobas” e que, segundo seu discurso supremacista à la Ku Klu Klam, “não servem nem para procriar”).
A frase sobre o Exército não ter matado ninguém logo depois do Exército ter matado dois civis inocentes é seguida por uma mentira flagrante, quando o recém-empossado presidente fala em uma morte, esquecendo de mencionar que o catador de papel Luciano, que tentou socorrer a vítima do terrorismo de estado que ali se manifestava, também foi baleado até a morte.
O teor geral do discurso é o de passar pano para assassinatos ilegais e execuções sumárias cometidos por servidores públicos das Forças Armadas que utilizam a grana de nossos impostos para criminalizar a pobreza e massacrar a juventude negra periférica sob as bençãos do proibicionismo puritano, da Guerra às Drogas coligada à Guerra contra os infiéis.
Já é bem sabido que a demagogia raivosa de Bolsonaro explorou o filão da homofobia e da misoginia de maneira ilimitada (o sujeito já foi condenado a pagar multas por suas ofensas baseadas em seus entranhados preconceitos de gênero, raça e classe). Seu Jair recomenda espancar o filho que mostra-se meio viadinho para colocá-lo na linha e separa mulheres entre as que merecem ser estupradas e as que são feias demais para serem objetos de estupro.
Em sua atuação como parlamentar inútil, que em 30 anos não aprovou uma lei sequer de relevância, usou o parlamento para fazer pregação contra campanhas de formação cívica e de prevenção às violências físicas e emocionais motivadas por LGBTQIA+-fobia. Breiller Pires, no El País, argumentou com razão:
“Educação sexual nas escolas poderia ser uma arma eficaz contra abusadores, mas a histeria ideológica é o tiro pela culatra de quem se diz defensor da família… O tal “kit gay”, que não chegou a existir na prática, nada mais é que uma proposta de levar educação sexual às escolas. Seu objetivo nunca foi pregar que menino deve brincar de boneca e menina de carrinho, muito menos estimular incesto ou erotização precoce, mas apenas disponibilizar informação a um grupo vulnerável de pessoas que não costuma receber em casa o devido esclarecimento – por vergonha, abandono, desconhecimento, pelo tabu.”
Sabe-se que Bolsonaro nunca teve nem terá apreço pela educação: seu ataque ao kit gay foi parte de uma tentativa de destruição das medidas formativas que buscam combater a homofobia nas escolas através de recursos pedagógicas que nada tem a ver com o pânico moral insuflado pelo falso moralista que confessadamente usava dinheiro público “para comer gente”. Figura boçal, subletrada, que jamais cultivou a busca do conhecimento ou a pesquisa científica, e cujo livro de cabeceira é A Verdade Sufocada de Ustra, Bolsonaro não poderia mesmo ser favorável a uma educação que incluísse as valiosas e imprescindíveis contribuições do feminismo, da decolonialidade e da teoria queer.
Fábio Altman, na Veja, fez uma boa síntese da potência expressiva e política de Quebrando Mito e também da oportuna chegada do mesmo no período eleitoral, quando a população brasileira tem a oportunidade de varrer para a lata de lixo da história esta patética seita da morte que é o bolsonarismo:
“Quebrando Mitos é a um só tempo retrato pessoal de Grostein Andrade e Siqueira e coletivo dos quatro anos promovidos pelo discurso de Bolsonaro. Para a audiência brasileira, é um modo de relembrar, de modo organizado e cronológico, o tempo de insensatez – a apologia do machismo; o ataque às políticas de proteção ao ambiente; a promoção das milícias; o descaso irresponsável com a pandemia; a transformação da fé dos evangélicos em massa de manobra; e o culto às mentiras como atalho para ascensão nos corredores de Brasília, até a eleição de um deputado apagado como presidente da República. Está tudo ali, a ponto de doer.”
Resta ainda por explorar a extensão e a magnitude da homofobia na República das Milícias exposta pelo brilhante trabalho de Paes Manso vencedor do Jabuti. Também precisamos compreender mais a fundo se a execução de Marielle Franco não teve também conexão com o fato de que esta mulher negra da favela da Maré, defensora dos direitos humanos e da justiça social, integrante de um partido socialista libertário (PSOL), era também lésbica fora-do-armário – um elemento que a masculinidade catastrófica não suporta.
Sabemos que os executantes do crime eram vizinhos da família Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra no Rio, mas não podemos disso saltar para a conclusão de que os Bolsonaros foram os mandantes do homicídio – temos esta convicção, mas carecemos de provas, até porque algumas pessoas que eram provas vivas foram assassinadas para se transformarem em arquivos queimados.
Porém, não resta dúvida de que Bolsonaro, o Partido Fardado, as Milícias e boa parte do eleitorado que votou 17 em 2018 e votará 22 em 2022 está sob as garras da psicose desta masculinidade tóxica tão nefasta, tão cruel, tão disseminada. Não nos livraremos desta praga da noite para o dia, mas a chegada de Quebrando Mitos é para ser celebrada: mostra nosso cinema disposto à boa luta em prol de um Brasil mais acolhedor da diversidade e do direito a outras teias de pertencimento e formas de amar que escapam aos estreitos trilhos de uma normalidade psicótica forjada pela aliança criminal Patriarcado e Capital.
Eduardo Carli de Moraes – 01/10/2022
SITE OFICIAL DO FILME
https://quebrandomitos.com.br/wp/pt/
REFERÊNCAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTMAN, Fábio. Um retrato da “masculinidade catastrófica” do governo de Jair Bolsonaro. Em: Revista Veja. Leia em: https://veja.abril.com.br/comportamento/um-retrato-da-masculinidade-catastrofica-do-governo-de-jair-bolsonaro/
COUTO, José Geraldo. Crepúsculo do macho e do imbrochável. Em: Outras Palavras. Leia em https://outraspalavras.net/poeticas/quebrando-mitos-crepusculo-do-macho-e-do-imbrochavel/
NOGUEIRA, André. Horror e Abuso de Poder: Ustra, o Maior Torturador da Ditadura Militar. Em: Aventuras na História. Leia em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-horror-e-abuso-de-poder-coronel-ustra-o-maior-torturador-do-pais.phtml
VIANA, Natália. Dano Colateral. Rio: Ed. Objetiva, 2021.
Publicado em: 01/10/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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