Foi publicada na Agência de Notícias Cerrado (ANC) [Facebook / Twitter / Instagram] a importante reportagem A Lei Aldir Blanc e a Situação da Classe Artística em Goiás, escrita por Renato Costa.
No vídeo a seguir, confira o bate-papo completo (duração total: 44 min) que Renato realizou com o coordenador do ponto de cultura e CMI d’A Casa de Vidro, Eduardo Carli. Nele são debatidos vários elementos da conjuntura que enfrentam os agentes culturais em tempos de pandemônio. Revelam-se também detalhes e desafios da produção cultural – inclusive do filme longa-metragem Tsunami da Balbúrdia, atualmente em produção – em meio à grave crise sanitária e econômica causada pelo desgoverno obscurantista e genocida:
A situação da classe artística
Até meados de 2021, a situação da classe artística não parece ter melhorado significativamente, com o país registrando mais de 535 mil vítimas do vírus impulsionado pelo desgoverno. O Brasil é um dos países onde o prolongamento da crise se dá devido à sabotagem, à criminalidade e à inépcia de seu governo central. A campanha de apologia à cloroquina publicamente dirigida pelo desgoverno atesta a cumplicidade de Bolsonaro com o vírus. Em meio ao descaso, os trabalhadores tentam atravessar a crise sanitária.
A Agência de Notícias Cerrado ouviu o professor de filosofia, documentarista e produtor cultural d’ A Casa de Vidro, Eduardo Carli de Moraes, que também ocupa a Coordenação de Eventos do Programa de Extensão do Instituto Federal de Goiás (PROEX-IFG) e agora dirige o longa-metragem Tsunami da Balbúrdia, financiado, parcialmente, pela Lei Aldir Blanc. Em fase de gravação, o filme tenta alavancar recursos extras, por meio de financiamento coletivo, para cobrir os custos básicos com equipamentos e pessoal, sendo sua equipe de produção composta por cerca de 15 trabalhadores.
Para fundamentar sua percepção da situação da classe artística brasileira, Eduardo Carli apresenta dados da pesquisa de percepção dos impactos da Covid-19 nos setores cultural e criativo do Brasil¹³ elaborada pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco). Segundo o levantamento, entre maio e julho de 2020, 49% dos empreendedores e trabalhadores do setor cultural no país perderam toda a sua renda. No mesmo período, outros 21% tiveram redução de 50% nos seus ingressos. Em janeiro de 2021, 30% ainda permaneciam sem receita alguma.
Eduardo afirma que ficou “surpreso positivamente” na ocasião da aprovação da Lei Aldir Blanc. Para ele, nada se podia esperar de um governo inculto, inimigo declarado da imprensa e da cultura, mas “a pressão da sociedade civil e de alguns deputados progressistas” teria sido importante para a “digna homenagem ao nosso grande compositor”. Naquele primeiro momento foi uma boa notícia, mas havia “certa preocupação”: quanto destes 3 bilhões vão chegar às mãos dos trabalhadores da cultura? Na Lei de Emergência Cultural, “o impossível se torna possível”, a obra de arte e o fazer artístico são reconhecidos por lei como expressão essencial da esperança popular e da unidade nacional, representada no imaginário brasileiro pela figura de uma esperança equilibrista, na homenagem que Aldir faz ao Chaplin de O Circo, filme lançado em 1928.
As principais reclamações na execução da lei seriam a falta de celeridade e baixa frequência no pagamento dos auxílios que chegaram em apenas 3 parcelas, no total de quase 15 meses de pandemia. A escassez do auxílio teria reflexo imediato no desalento e na manutenção dos dados críticos de segregação social e adoecimento psíquico em meio à crise sanitária. Não haveria interesse político em se facilitar o acesso ao auxílio como estímulo emergencial “para quem está em estado de emergência.”
Esse foi o caso da Casa de Vidro. Para Eduardo, “em março veio o baque, fechar as portas, respeitar as medidas sanitárias”. Se a cultura ajuda a alavancar uma série de serviços relacionados, já naquele momento a receita dos estabelecimentos cai brutalmente, consumo cultural e atividades conexas travadas. “Muita gente chegou à falência antes de receber esse recurso, muito estrago já havia sido feito”. Critérios burocráticos que atendem à lógica da concorrência teriam sido adotados nos editais da Secult-GO, desconsiderando o fator emergencial de uma lei que leva este conceito no seu nome. “Critérios habituais em uma área já habitualmente burocratizada ao extremo. Não souberam, diante do novo contexto, dar celeridade ao processo”.
Qual seria a avaliação do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras da cultura a respeito do processo seletivo se considerada a emergência sanitária que impedia a elaboração de trabalho coletivo e, portanto, produção profissional? Além disso, o volume de recursos foi suficiente? A classe artística em situação de emergência sanitária no Brasil seria esgotada em pouco mais de 70 mil pessoas beneficiadas pela Lei de Emergência Cultural? Este governo está disposto a socorrer os trabalhadores e trabalhadoras da cultura?
Isabel Santos Leão é dançarina contemporânea e faz parte do Núcleo de Artes Elza Cavalcante, que existe há 35 anos na cidade de Anápolis-GO. Além do atraso, ela denuncia as difíceis exigências no cadastramento de seu projeto na Lei Aldir Blanc: “Tive que enviar o meu vídeo com a aula de dança junto com o cadastro, por pequenos erros no preenchimento muitas de minhas amigas foram desclassificadas e ficaram sem o auxílio.” Ao longo da entrevista concedida à ANC, em tom assertivo, a jovem dançarina criticou o subfinanciamento e descaso com a arte nas instituições de Estado: “Falar disso é muito importante, até porque, em Goiás, principalmente, a arte não tem nenhuma visibilidade e falar disso é importante para que o povo saiba o que está acontecendo com os artistas.”
Ela relata que recebeu 2 mil e 500 reais, em parcela única, apenas em janeiro deste ano: “Foi pouco, porque foi só uma vez, a gente estava esperando vir outro auxílio em junho, mas foi adiado de novo, e a gente está sem saber quando que vai vir. Fiz uma aula de dança contemporânea e enviei, mas não ficou explícito onde estaria disponível para as pessoas. Foi publicada no canal do Youtube da prefeitura, mas não teve tanta repercussão.” Ela conta que soube da Lei Aldir Blanc por meio de uma página de rede social administrada por um portal privado de notícias sobre cultura, o Cultura Anápolis, “não era da prefeitura, nem nada. Foi bem individual.”
A Secretaria Municipal de Integração Social Esporte e Cultura de Anápolis, teria demorado muito em disponibilizar os recursos, alegando falta de inscrições, e “ameaçaram”: se não houvesse o número suficiente de pessoas cadastradas, o repasse não seria feito. “Se não houvesse gente suficiente apta a receber, o dinheiro iria voltar para o Governo. A gente teve que correr atrás de um direito que já era nosso.” Dias antes do fim do prazo para o cumprimento do ano orçamentário e seis meses após a aprovação da Lei de Emergência Cultural, os trabalhadores da cultura da cidade goiana se mobilizaram em frente à secretaria exigindo explicações para a não execução dos recursos da forma mais ampla possível, para artistas autônomos e produtores culturais das periferias, independente de critérios técnicos.
Isabel ainda aponta falha na ordem de recebimento dos depósitos: “O meu cadastro foi um dos últimos, mas eu recebi primeiro. Quem se inscreveu primeiro demorou mais para receber. Fora quem não recebeu e ficou endividado… Foi uma bagunça, e muito burocrático.” Assim como Eduardo, que sugere que a Secult-GO trabalhe melhor sua comunicação social e suas relações públicas, Isabel ressalta o desinteresse público em se divulgar a Lei Aldir Blanc e em se facilitar o acesso à ela. Contando com a falta de ampla divulgação da possibilidade de auxílio, muito dinheiro teria voltado para as contas públicas, sendo hoje alvo do contingenciamento em tempos de emergência, que deu forma criminosa ao dogma ultraliberal.
Alçados ao poder pelo golpe de 2016, orquestrado pelo PSDB institucionalizada pelo MDB, com seu projeto de ‘ponte para o abismo’, e executada pelo genocida Bolsonaro, e elevada pela Emenda ‘Inconstitucional’ do Teto de Gastos Público (EC 95), os ilegítimos governos da elite brasileira, entreguista e neocolonial, enriquecem os grandes empresários da indústria cultural de todo o país, facilitando a alienação social própria do capitalismo. Por oportunismo ou por ideologia, agentes políticos dos Estados e municípios se deixaram tomar pelo dogma da austeridade e passam a favorecerem os que fazem da cultura um negócio para 30% da população e negligenciam o papel histórico do fomento da atividade artística representado pelo Ministério da Cultura, Ancine, Lei Rouanet, Pontos de Cultura e agora pela Lei Aldir Blanc.
Também em Goiás, a austeridade neoliberal empobrece e mata ao prolongar a crise e obrigar que os trabalhadores da cultura negligenciem as medidas sanitárias internacionais e se exponham ao vírus para garantirem o sustento. O contingenciamento como ortodoxia e as manobras contábeis do Governo Federal favorecem apenas aqueles que lucram com a privatização do patrimônio público e com a mercantilização irrestrita dos bens culturais e simbólicos, favorecidas pelo desmonte de políticas de inclusão e pelo corte dos recursos orçamentários.
O papel da União, quando democraticamente guiados pela hegemonia do poder popular, deverá ser o de promover ativamente a elevação da cultura de resistência em afirmação histórica da arte popular como forma de “politização da arte”, em face da “estetização da política”, como sintetizado por Walter Benjamin (2017) em relação à luta contra o nazifascismo alemão.¹⁶ No caso do Brasil, toma forma de uma estetização grosseira promovida ardilosamente pelo neofascismo pró-imperialista instalado na Presidência da República. Diante da estetização escatológica de uma política repulsiva e manipuladora, só através de uma cultura política emancipatória poderá se alcançar a socialização dos meios de produção cultural, o amplo acesso à criação lúdica, à educação democrática e consciente, socialmente referenciada, e ao desenvolvimento humano integral.
Texto novo publicado na Agência de Notícias Cerrado! Hoje contamos história da da Lei Aldir Blanc e seu impacto na classe artística de Goiás!
— Agência de Notícias Cerrado (@anc_cerrado) July 16, 2021
Confira nossa matéria especial da semana: A Lei Aldir Blanc e a Situação da Classe Artística em Goiáshttps://t.co/ixedR7xnNr
Publicado em: 16/07/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia