RIOS DE ABSURDO ESCORREM DOS PÚLPITOS
por Christopher Hitchens
“…a religião não se satisfaz com suas próprias alegações maravilhosas e garantias sublimes. Ela precisa tentar intervir na vida dos não-crentes, dos hereges ou dos que professam outras crenças. Ela pode falar sobre a bem-aventurança do próximo mundo, mas quer o poder neste.
Uma semana antes dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, participei de um debate com Dennis Prager, um dos mais conhecidos radialistas religiosos dos EUA. Ele me desafiou publicamente a responder o que classificou uma ‘simples pergunta sim ou não’, e eu concordei alegremente. Muito bem, disse ele. Eu deveria me imaginar em uma cidade estranha ao anoitecer. Eu deveria imaginar que um grande grupo de homens vinha em minha direção. Então: eu me sentiria mais seguro ou menos seguro sabendo que eles estavam apenas vindo de uma cerimônia religiosa?
Como o leitor verá, essa não é uma pergunta que permita uma resposta sim ou não. Mas eu era capaz de responder a ela como se não fosse hipotética. ‘Apenas para fica na letra B, eu de fato já passei por essa experiência em Belfast, Beirute, Bombaim, Belgrado, Belém e Bagdá. Em todos os casos eu posso dizer ‘não’ com convicção e posso apresentar os motivos pelos quais me sentiria imediatamente ameaçado se pensasse que o grupo que se aproximava de mim no escuro estava vindo de um encontro religioso’.
Em Belfast, vi ruas inteiras incendiadas por uma guerra sectária entre diferentes seitas cristãs, e entrevistei pessoas que tiveram parentes e amigos sequestrados, assassinados ou torturados por esquadrões da morte de religiões rivais… Há uma velha piada irlandesa sobre um homem que é parado em uma barreira na rua e tem de responder qual é sua religião. Quando ele responde que é ateu, ouve a pergunta: “Ateu protestante ou católico?” Acho que isso mostra como a obsesssão se entranhou até mesmo no lendário senso de humor local…
Quando eu fui pela primeira vez a Beirute, em 1975, ela ainda podia ser reconhecida como “a Paris do Oriente”. Mas aquele paraíso aparente estava infestado de um grande número de serpentes. (…) Por lei, o presidente tinha que ser um cristão, normalmente um católico maronita; o presidente do Parlamento, um muçulmano, e assim por diante. Isso nunca funcionou bem, porque institucionalizava diferenças de crença, bem como de casta e etnia (os muçulmanos xiitas estavam na base da pirâmide social, os curdos eram inteiramente despossuídos).
O principal partido cristão era na verdade uma milícia católica chamada Falange… que mais tarde conquistou fama internacional com o massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila em 1982, quando agiu sob as ordens do general Sharon. Pode parecer grotesco um general judeu colaborar com um partido fascista, mas eles tinham um inimigo muçulmano comum, e isso era suficiente.
A invasão do Líbano por Israel naquele ano também deu força ao nascimento do Hezbollah, modestamente batizado de ‘Partido de Deus’, que mobilizou os despossuídos xiitas e gradualmente os colocou sob a liderança da ditadura teocrática que havia assumido o poder no Irã 3 anos antes. Foi também no adorável Líbano que, tendo aprendido a dividir o negócio de sequestro com o crime organizado, os fiéis evoluíram para nos apresentar a beleza dos homens-bomba…
[Voltando ao assunto 11 de Setembro…] Os 19 assassinos suicidas de Nova Yorke, Washington e Pensilvânia eram, sem dúvida alguma, os crentes mais sinceros naqueles aviões. Talvez possamos ouvir um pouco menos sobre como as ‘pessoas de fé’ têm vantagens morais que as outras só podem invejar. E o que aprender com o júbilo e a propaganda extasiada com que esse grande feito de fé foi louvado no mundo islâmico?”
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Publicado em: 19/12/11
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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