“Vamos às atividades do dia:
Lavar os copos,
Contar os corpos
E sorrir
De nossa morna rebeldia…”
CRIOLO, Lion Man
Em “Nó Na Orelha”
Após 9 meses da guerra destravada contra Gaza pela empreitada colonial sionista no Oriente Médio – também conhecida como Estado de Israel – surge no jornal científico The Lancet a estimativa de que aproximadamente 186.000 pessoas já pereceram no enclave palestino.
É mais que um Maracanã lotado de cadáveres: eis o tamanho e a magnitude da hecatombe imposta pelo regime de extrema-direita encabeçado por Netanyahu e seu partido Likud, apoiado e financiado pelas potências euro-atlânticas, tal como exposta brevemente no documento Counting the dead in Gaza: difficult but essential, assinado por Rasha Khatib, Martin McKee e Salim Yusuf.
Ainda que as vítimas diretas da reiterada agressão bélica israelense, no fim de Junho de 2024, fossem estimadas pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza em aproximadamente 38.000 seres humanos que tiveram suas vidas ceifadas, há de se considerar também o tremendo estrago indireto causado pela I.D.F. no território ocupado militarmente de maneira ilegal desde 1967.
No que o artista gráfico e jornalista Joe Sacco entitulou ironicamente “auto-defesa genocida”, a entidade sionista causou a destruição de 35% de todas as construções no território agredido, com um número estimado de 10.000 corpos presos debaixo dos escombros (Fonte: Nações Unidas – Genebra).
Para além disto, causou-se um catastrófico cenário no atendimento à saúde conforme Israel aniquila com suas bombas os hospitais e ambulâncias, com uma mão, enquanto produz com a outra o esfomeamento deliberado da população composta por mais de 2 milhões de habitantes transformados em refugiados internos, presos em um campo de extermínio onde as áreas designadas como “seguras” podem ser atacadas a qualquer momento (ainda que sejam escolas, universidades, mesquitas, padarias etc).
Escrevem os autores:
“Armed conflicts have indirect health implications beyond the direct harm from violence. Even if the conflict ends immediately, there will continue to be many indirect deaths in the coming months and years from causes such as reproductive, communicable, and non-communicable diseases. The total death toll is expected to be large given the intensity of this conflict; destroyed health-care infrastructure; severe shortages of food, water, and shelter; the population’s inability to flee to safe places; and the loss of funding to UNRWA, one of the very few humanitarian organisations still active in the Gaza Strip.
In recent conflicts, such indirect deaths range from three to 15 times the number of direct deaths. Applying a conservative estimate of four indirect deaths per one direct death to the 37 396 deaths reported, it is not implausible to estimate that up to 186 000 or even more deaths could be attributable to the current conflict in Gaza. Using the 2022 Gaza Strip population estimate of 2 375 259, this would translate to 7·9% of the total population in the Gaza Strip.”
Tal como esclareceu a matéria da Al Jazeera, o estudo da Lancet pondera que para além das vítimas diretas existem aquelas que perdem a vida devido “à destruição de postos de saúde, sistemas de distribuição de comida e outra infraestrutura pública”, situação ainda mais grave quando se considera o decréscimo brutal no financiamento da UNRWA imposto por vários países do chamado Ocidente.
Estas quase 200.000 mortes equivaleria a mais de 7% da população total do território de Gaza, que encara nos dias que correm a pior crise humanitária desde a Nakba (ou Catástrofe) de 1948. Ainda que a Corte Suprema da ONU (o International Criminal Court sediado em Haia) tenha acolhido a denúncia da África do Sul contra Israel por violação da Convenção de Genocídio, e ainda que o Conselho de Segurança da ONU tenha aprovado uma resolução pelo cessar-fogo, Israel permanece em sua impenitente arrogância imperial impondo a carnificina infinita aos territórios palestinos sob seu jugo.
O triste labor de contar os mortos precisa ser feito, mas não apenas no sentido da contabilidade numérica (e macabra) – seria preciso contar as estórias de vida destas singularidades que somem por detrás das estatísticas. Há quem diga que há um genocídio em nossos feeds e que somos testemunhas deste horror através dos pequenos ecrãs em nossos bolsos, o que colocaria os eventos desde 7 de Outubro no campo da hipervisibilidade e da super-exposição. Porém, isto é subestimar o peso tanto da desinformação quanto da dogmática, ambos fatores de cegueira e obnubilação; há muita cegueira e surdez voluntárias diante dos padecimentos das pessoas hoje submetidas a uma situação tão desumana, ainda que humanamente causada.
O tempo da mera condenação moral já passou, assim como o tempo do silêncio dos que não querem se imiscuir sempre foi o tempo não da neutralidade mas do quietismo cúmplice; o tempo já passou (é tudo para ontem) para que medidas práticas e concretas sejam tomadas para barrar a continuidade do genocídio e desmantelar o sistema de opressão e apartheid que Israel impõe a Gaza e à Cisjordânia. O caminho para a ação de combate a Israel está bem delineado na sigla do movimento BDS – BOICOTE, DESINVESTIMENTO E SANÇÕES – e também foi bem negritada pela Francesca Albanese: “Be sure: Israel will not stop this madness until WE make it stop. Member states must impose #sanctions, arms embargo and suspend diplo/political relations with Israel till it ceases its assault.“
REFERÊNCIAS
Crédito da foto de abertura: Ali Jadallah, publicada em El País:
https://english.elpais.com/international/2023-11-07/one-month-on-from-israels-siege-on-gaza-more-than-10000-dead-and-an-unprecedented-trail-of-destruction.html
Artigo da Lancet: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2824%2901169-3
Al Jazeera: https://www.aljazeera.com/news/2024/7/8/gaza-toll-could-exceed-186000-lancet-study-says
Francesa Albanese no Twitter: https://x.com/FranceskAlbs/status/1794144862868062414
Joe Sacco na Pública:
Publicado em: 08/07/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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