Com mais de 20 anos de história, evento cultural sediado em Natal tem inédito reconhecimento chancelado pela governadora Fátima Bezerra (PT)
UMA ANDORINHA SOZINHA NÃO FAZ VERÃO
Criado em 2001 e com 21 edições já realizadas, um dos mais importantes, longevos e consolidados festivais de música independente do Brasil está comemorando um feito inédito: o Festival Do Sol, sediado em Natal, agora é reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do Rio Grande do Norte (determinado pela lei Nº 12.075, de 07 de Fevereiro de 2025).
Fruto de uma iniciativa do mandato da deputada estadual Isolda Dantas (PT), aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa, a proposta legislativa foi sancionada pela governadora Fátima Bezerra (PT). Culminância no reconhecimento público de uma iniciativa cultural que “já recebeu mais de 2 mil artistas em ação, sempre com a premissa principal de disseminar a música potiguar e nordestina como prioridade máxima do projeto” (post no Facebook oficial do festival).
“Receber um título de Patrimônio Cultural do estado é surreal. Eterniza em lei uma ideia utópica de valorização real do bem cultural potiguar. Nos sentimos felizes e empoderados para continuar esse legado daqui pra frente”, declarou a produtora cultural Ana Morena, uma das idealizadoras do Festival, que também toca numa das principais bandas do RN, a Camarones Orquestra Guitarrística.
Era uma quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2025, e este escriba, fotógrafo e documentarista pôde mergulhar na efervescente celebração que estava por todo canto da sede cultural Do Sol, localizada na Rua Almira Melo do Amaral, 1963, em Potilândia, em Natal/RN: um show acústico e com entrada gratuita do Talma & Gadelha tomou conta da Sede Cultural DoSol, como parte das atividades de comemoração que rolaram neste belo espaço, fomentado pela Funarte e ricamente decorado com vários flyers e montagens de fotos que registram a gloriosa trajetória.
Uma cidade que possui festivais de música independente bem organizados, capazes de acessar recursos públicos e patrocínios privados, acaba possuindo também uma cena musical indie bem mais articulada e efervescente do que aquela que seria possível em sua ausência. Festivais são essenciais a quaisquer “ecossistemas” de cena musical. E o Rio Grande do Norte, muito por causa das atividades do Dol e do MADA, possui esta vibrância de cena, com artistas relevantes como Far From Alaska, Luisa e os Alquimistas, Plutão Já Foi Planeta, dentre muitos outros.
“Acho que o principal legado de um festival de música e cultura como o DoSol é o legado afetivo e de memória que o público vai acumulando ano após ano. Promover um show do Talma&Gadelha, uma das bandas lançadas dentro da plataforma do festival, é uma forma de a gente celebrar esse legado e apontar para o futuro”, celebra Anderson Foca, também idealizador do Festival.
A proeza pode inspirar proposituras semelhantes a serem futuramente requeridas por outros festivais, Brasil afora, que vem realizando inestimáveis contribuições à cultura alternativa do país, a exemplo do Bananada, do Vaca Amarela e do Goiânia Noise (todos de Goiânia), do Abril Pro Rock e o No Ar Coquetel Molotov (ambos do Recife), do Porão do Rock (de Brasília), do Balaclava (de São Paulo), do Se Rasgum (de Belém), dentre outros.
Termino este relato com uma breve reflexão sobre o Circuito Fora do Eixo (doravante referido como FDE). É bem verdade que no Brasil de 2025 quase ninguém escuta algo sobre o FDE e isso dá a impressão de que se trata de um treco morto, parte do passado pátrio, que esteve vigente e atuante de maneira significativa muito mais nos mandatos Lula 1 e 2 e Dilma 1, mas que depois colapsou, se desarticulou, sumiu pra não mais voltar.
Mas tendo a discordar dos que decretam o óbito do FDE: por um lado, o movimento catalisou e incubou a Mídia Ninja, vivíssima e com milhões de seguidores que acompanham seus conteúdos diários; e por outro lado, auxiliou para que nascessem casas de cultura colaborativa e coletivos de produçao cultural pelo território brasileiro que ainda estão vigentes. Parece-me que o reconhecimento do Festival do Sol também expressa hoje algo da relevância e da potência cívica das tecnologias sociais que o Fora do Eixo propôs e que tiveram seu momento de culminância durante as gestões Gil e Juca no Ministério da Cultura.
Infelizmente, com o golpe de 2016, o MinC foi severamente atacado: Temer tentou extingui-lo, mas não conseguiu; Bolsonaro, em 2018, conseguiu exterminá-lo, reduzindo a Cultura a uma apêndice do Ministério do Turismo comandado por sacripantas que fazem cosplay de Goebbels. Lula 3 é momento de reconstrução e penso que aquilo que o FDE fez pela cultura alternativa brasileira e sobretudo pela cena musical alternativa e independente não só prossegue dando certos frutos, mas ainda tem potência de re-articulação, re-configuração, ainda que com outro nome e outra pegada.
por Eduardo Carli de Moraes
Natal/RN, 27/02/2025
Abaixo, Thalma e Gadelha unplugged na festa que rolou na sede Do Sol:
https://youtu.be/xYs8UTRQv34
Publicado em: 08/03/25
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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