Monólogo de fim de ano de Eduardo Carli, coordenador da @acasadevidro_pontodecultura : “cá estou dia 26 de dezembro de 2024 – é um ano que se encerra e também um espaço que vai vivendo seus últimos momentos aqui na primeira avenida, o ponto de cultura, nessa sede, está literalmente com seus dias contados. E eu quis, nesse fim de ano, registrar nesses vídeos um pouco do estado de espírito de um ponteiro, como se diz na gíria do pessoal que faz acontecer e que estuda teoricamente o Cultura Viva e a Rede Nacional de Pontos de Cultura. Este ponteiro que chega a este fim de ciclo em um estado psicosomático bastante difícil, fase muito ruim, sobretudo agora que a minha mão direita, e eu sou uma pessoa destra, resolveu manifestar dores intensas, sobretudo a partir do último sábado, quando eu comecei o processo de conduzir os instrumentos, caixas de som, cabos, amplificadores, para a varanda, aqui à minha frente, nos preparativos para a noite da OCLAM, que ocorreu com muita beleza, muita expressividade e excelente presença de público no último domingo, dia 22, no último evento que a Casa de Vidro abrigou em 2024.
E eu tenho pensado muito em meio à angústia da desintegração, em meio ao sofrimento de uma mão cujos dedos não mais conseguem tocar a palma sem dor, sobre o significado desses últimos tempos e sobre viver intensamente todos os instantes do fim. E venho me lembrando bastante de Torquato Neto e de seu triste desfecho, mas também de seu imenso legado. Estou aqui neste quarto dessa casa onde tanta coisa aconteceu e sentindo, antevendo, prenunciando, prefigurando já na minha imaginação que essas paredes ao meu redor e que esse teto sobre a minha cabeça em breve serão derrubados e que não tarda, outras pessoas estarão em breve aqui fazendo sua musculação em busca de uma vida fitness; e a incógnita do futuro é um grande peso nesse momento que ainda não firmamos um local para onde migrar, transferir o ponto de cultura.
O mercado imobiliário goianiense se mostra bastante hostil, digamos assim. É um mercado capitalista de bens imobiliários que na capital de Goiás tem preços muito altos. E ao mesmo tempo não me parece que o poder público, a prefeitura, a Secretaria de Cultura e outros órgãos, estejam preocupados em fomentar a cultura local e em permitir que os agentes culturais possam ter os territórios urbanos onde desenvolver as suas atividades. E nesses últimos tempos, dentro dessa pequena sala, nós tivemos uma parceria muito preciosa com vários agentes culturais, vários músicos, cantores, compositores, guitarristas, baixistas, bateristas, tecladistas, enfim, muita gente massa do cenário musical esteve frequentando este estúdio e a casa de vidro, o seu jardim, seus outros espaços, sua livraria, sua varanda, interagindo por aqui, ensaiando suas músicas, compondo novas canções.
E neste momento, essas bandas, esses artistas, também se veem numa situação de desabrigo, de onde ensaiaremos mês que vem. E o irônico nisso tudo é que este último período de 2024 foi o mais próspero da Casa de Vidro, desde sua fundação em 2019. Desde que eu retornei de Amsterdã, onde eu estive fazendo doutorado de sanduíche, m março, ou seja, de março a dezembro, nesse período, muita coisa aconteceu, e colaborações foram catalisadas e esse ponto de cultura participou da travessia, da trajetória dos Fritos da Terra, da Trupe Tudo nos Trinks, da Mundo Humano, da Banana Bipolar, da Bugio Curió e de tantas outras bandas que passaram por aqui para fazer ensaios avulsos. Então este é um momento de pesar, de melancolia, de angústia diante do iminente colapso dessa estrutura, deste imóvel que nos abriga desde 2019. E um momento de muita dificuldade para este ponteiro, para essa pessoa de carne e osso e de tendões lesionados, para resolver essa situação com protagonismo.
Então, nos últimos tempos, eu fiz um movimento para, quando pude, vir a público contando sobre essa situação que eu sinto ser dramática e que algumas pessoas talvez concordem e sintam empatia diante de algo que talvez seja de fato um drama que não é meramente pessoal. que envolve muitas pessoas que circulam por aqui. . (…) O afeto que predomina nesse frágil mas insistente ponteiro é a angústia daante da aproximação dessas máquinas demolidoras que virão trazer abaixo esse jardim e que virão construir essa academia de fitness da BlueFit e que irão encher de carros este subterrâneo onde hoje é a terra.
Então é isso, quis apenas compartilhar neste momento os sentimentos de angústia diante da iminente desintegração de um espaço que eu tenho muito apego, de um espaço que eu aprendi a amar por ter me empenhado com sangue, suor e lágrimas para construir, para consolidar e para entregar a cidade de Goiânia como um espaço de interações, integrações, confluências e criatividades. E faço o apelo para que possamos juntos encontrar uma solução para que a Casa de Vidro possa sobreviver, seguir existindo.” Eduardo Carli
Publicado em: 28/12/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia