Componentes:
Maria Eliane (IFG), Eduardo Carli de Moraes (IFG), Marcela Castanheira (IFG)
Coordenação da mesa:
Iarle Ferreira (IFG)
Eduardo Carli – Bom dia, gente. Quero começar dando uma saudação aqui à mesa, a Iarle, Marcela e Maria Eliane, agradecer ao NUPEFIL pela oportunidade de estar essa manhã com vocês, agradecer ao Renan por ter feito o convite. Como o tempo é curto, já vou mergulhar direto no nosso tema, aqui do nosso seminário, filosofia e sociedade tecnológica. Até gostaria de tentar aqui alguns momentos interativos com vocês, para que vocês não fiquem passivos aí; então, quero em breve fazer uma enquete com vocês a respeito das distopias contemporâneas, que são um dos nossos temas de debate nessa mesa.
Mas quero começar também dizendo que, além de professor do IFG, que atua lá no campus Anápolis, atualmente eu faço uma pesquisa de doutorado na UFG, na filosofia da arte, e tive também a oportunidade de passar seis meses no período de internacionalização na Universidade de Amsterdam.E, na verdade, eu consegui aprofundar bastante essa questão da distopia estando num local que normalmente as pessoas conectam com a indústria do turismo e com um local deslumbrante onde belíssimas selfies podem ser tiradas; e no entanto as pessoas não percebem que Amsterdam e a Holanda vivem de fato uma distopia real bastante assustadora. Então, alguns meses atrás, eu pude vivenciar nas ruas mais ou menos 90 mil pessoas que foram a Dam Square, que ocuparam as ruas de Amsterdã, na maior marcha do clima já ocorrida na Europa, e pude descobrir que realmente existe uma sociedade civil muito preocupada com o aquecimento global e com o fato de que esse país, que tem esse nome de países baixos porque está debaixo do nível do mar, está ameaçado de virar uma nova Atlântida, de parar debaixo da água.
Então, o que nós vivemos, de fato, é uma distopia contemporânea que parece ter saído do domínio da ficção, do imaginário, da especulação, e a gente está vivendo uma espécie de distopia do real. E acho que nenhum exemplo é mais gritante disso do que a Palestina. É difícil imaginar qualquer obra distópica que tenha imaginado algo tão terrível quanto aquilo que se passa hoje em Gaza. E esse genocídio está sendo transmitido ao vivo em nossos celulares há mais de um ano. Nós temos uma pilha de cadáveres que ultrapassa 40 mil pessoas, sendo que 70% delas eram mulheres e crianças. E a gente se pergunta diante da cumplicidade do tal ocidente se de fato esse discurso burguês liberal, de “vidas negras importam”, se ele é apenas retórica ou se ele é autêntico; vidas palestinas de fato importam? vidas libanesas, vidas sírias, vidas do oriente médio realmente importam? E nós nos importamos quando temos nos celulares esse genocídio ao vivo nas nossas telinhas? Nós nos mobilizamos, essa tecnologia digital faz com que nós nos movamos para desconstruir esse cenário histórico distópico?
Então, com essas provocações, eu quero começar essa minha fala, eu gostei muito do título da exposição de arte lá fora, Desorientações à Vista, eu sinto as vezes que nós filósofos estamos aqui realmente para desorientar, no sentido de colocar porquês que vocês possam se sentir provocados a pensar para além dos dogmas, a pensar sem corrimão, a pensar além dos dogmas, a pensar com preocupação diante do estado do mundo em que nós vivemos. E agora eu queria fazer um momento interativo também, uma enquete, a respeito da distopia na arte.
Eu tenho pesquisado muito o cinema, as séries, e tenho percebido que as distopias, elas de fato estão na moda, né, existe toda uma cultura pop distópica e temos aqui muitos estudantes do IFG e amigos aqui, né, muitos adolescentes, e eu queria perguntar pra vocês aí, levantem as mãos: quem aqui já assistiu algum filme do Jogos Vorazes? Uma dúzia de mãos, né! Algum filme da série Divergente? Matrix, alguns quatro filmes? Blade Runner, um dos dois filmes? Muita gente assistiu, uma animação sobre um lixeirinho chamado Wall-E, quase todo mundo assistiu, né? Um filme chamado Interestelar, de Christopher Nolan? Tem muitos fãs aqui. E 2001 – Odisséia no Espaço? Um filme antigo que muitos assistiram. Rede de Ódio, alguém assistiu na Netflix? E também no âmbito das séries: alguém assistiu Upload? Outra série que se chama Westworld? Muita gente assistiu uma série chamada Black Mirror, certo? Olhem só quantas mãos que se levantaram.
Isso é um pouco para mostrar que nós todos estamos mergulhados num caldo cultural distópico. Talvez vocês não tenham colocado esse rótulo nessa produção cultural que vocês assistiram. Então, o cotidiano de vocês, mesmo nos momentos de lazer,mesmo nos momentos em que vocês estão ali na Netflix, num momento de entretenimento, distração, vocês acabam mergulhados numa certa produção cultural distópica, que inclusive vende muitos ingressos, a indústria cultural, por assim dizer, está vendendo ingressos para espetáculos apocalípticos. O Armagedon vira best-seller. E há vários filmes que a gente chama de blockbusters que têm esse conteúdo apocalíptico. Essa própria expressão que a gente usa muito no cinema, blockbuster, ela é muito interessante, ela foi criada pelo jornalismo de guerra, num período ali de 1939 a 1945, as bombas que caíram pela Europa e que destruíam bairros inteiros eram chamadas de blockbusters. E depois o jornalismo cultural se adaptou a esse linguajar e hoje um filme de alta propagação, como Avatar e outros, eles são chamados de blockbusters, são filmes que em uma tradução literal são arrasa-quarteirões.
Então vejam como o nosso linguajar hoje em dia está perpassado pela distopia. E eu trouxe aqui também uma das minhas revistas prediletas, a Continente Multicultural, publicada em Pernambuco, trouxe uma matéria de capa muito interessante chamada A ideia do fim. “Aquecimento global, tragédias ambientais, governos autoritários e opressão do capital impulsionam um sentimento de apocalipse iminente.” Essa é só a chamada de uma longa matéria de capa que a Continente dedicou ao tema. Em outro momento também se perguntando, “O cérebro eletrônico faz tudo? Polêmicas em torno do chat GPT, gerando discussões sobre avanços e riscos à inteligência artificial.”
Então vocês veem que esse é um tema extremamente atual. Hoje nós estamos imersos nessa sensação de que algo está violentamente se acabando. Por exemplo, o equilíbrio do nosso sistema climático e atmosférico está colapsando rapidamente e nós também estamos velozmente ficando sem tempo para lidar com essa situação. A cada dia que passa, a cada semana que passa, o drama do aquecimento global só se exacerba. E a gente vê que nós não temos mobilização social suficiente para fazer frente a isso.
E no Brasil, inclusive, é lamentável que nós estejamos diante da COP da Amazônia, que daqui a alguns meses acontece em Belém do Pará, e a nossa sociedade esteja tão desmobilizada em relação à catástrofe climática que vai atingir a todos nós que estamos vivose a todas as futuras gerações que ainda estão por nascer.
Então é nesse contexto que eu tenho desenvolvido a pesquisa, e é claro que nesse momento a gente não tem tanto tempo para aprofundamento, mas nesses 10 minutos que me restam aqui, eu queria trazer para vocês um conceito que eu julgo muito importante, que eu estou investigando, que é o conceito de Antropoceno, que eu acho que tem muita relevância nesse debate. Vocês já ouviram essa palavra? ela é compreensível para vocês, ou tem alguém que não tem a mínima ideia do que eu estou falando, quando digo antropoceno? Algumas mãos se levantam dizendo que nada sabem.
Então, antropoceno é uma palavra que junta o termo antropos, que se refere a nossa espécie, o auto-entitulado homo sapiens, e a palavra ceno, que em grego é época. Então, esse é um conceito que foi forjado a princípio pelas ciências naturais, pelos geólogos, pelos climatologistas, e a nova época foi proposta pelo Paul Crutzen, que é um holandês vencedor do prêmio Nobel pra dizer que na verdade o planeta Terra, ele entrou em uma nova época geológica e que pode ser chamada de a época dos humanos, digamos assim, né?
Onde a nossa espécie, nós já somos mais de 8 bilhões de pessoas sob a superfície da Terra, com o impacto conjugado de todas as nossas ações, sobretudo depois da Revolução Industrial, sobretudo desde que nós começamos a queimar massivamente combustíveis fósseis, arrancados das entranhas da terra, que demoraram milhões de anos para se formar, nós realmente causamos uma disrupção radical no que era a estabilidade do período anterior, que é chamado de Holoceno, que durou cerca de 12 mil anos e todas as civilizações humanas que nós conhecemos aconteceram dentro desse Holoceno, onde havia uma relativa estabilidade das condições ambientais para o florescimento da vida humana, da agricultura e de tudo que constitui a civilização como a conhecemos.
E é isso que está colapsando O Holoceno já faz parte do passado. E nós teríamos entrado no Antropoceno. Um exemplo aqui para vocês de filosofia contemporânea: Paul Preciado, filósofo trans espanhol, num texto chamado Amor no Antropoceno, vai dizer o seguinte:
Bom, esse é um trechinho de Um Apartamento em Urano, de Preciado, e vocês veem aqui algumas ideias importantes e que me parece bastante espantoso que estejam fora dos nossos feeds de notícias dos nossos celulares. Ela fala que um dos elementos do antropoceno é uma assustadora extinção da biodiversidade do nosso planeta.
Então os cientistas também dizem que nós vivenciamos hoje a sexta extinção em massa das formas de vida no planeta. A última vez que isso aconteceu foi quando? Vocês já ouviram falar dos dinossauros que estavam aqui há cerca de 65 milhões de anos atrás. E, em virtude do meteoro que colidiu com o planeta no Golfo do México, boa parte da vida na Terra foi extinta.
Bom, estamos aqui 65 milhões de anos depois e a nossa espécie está causando a sexta extinção em massa da biodiversidade planetária, também através de suas tecnologias de extração e queima de combustíveis fósseis, suas tecnologias bélicas, suas armas nucleares que proliferam, deixando radioatividade para todas as próximas gerações do mundo, e nos legando também esse grande problema, que não vai sumir se nós o ignorarmos, que é o superaquecimento do clima planetário.
Afinal de contas, como vocês estão vendo nos noticiários, 2024 é o ano mais quente já registrado. Já passamos do 1,5 graus Celsius de incremento de temperatura em relação àquilo que estava antes da Revolução Industrial. Eu quis vir aqui para compartilhar um pouco das minhas desorientações também diante desse cenário. É claro que nós filósofos somos aqueles que amam e buscam a sabedoria, nós temos em vista uma vida feliz e serena, mas ao mesmo tempo esse mundo histórico em vivemos não nos tem permitido muita serenidade e não nos tem permitido também lidar sem revolta com aqueles poderes do mundo que tem causado uma situação pré-apocalíptica.
E aí pra terminar eu também notei a presença na cybercultura, nas nossas interações aí pelo celular, por internet, de algumas frases muito significativas que viralizaram. Uma dessas frases é isso é muito Black Mirror, ou seja, como a gente tem utilizado essa expressão em várias situações do cotidiano e como isso tem merecido também a atenção de alguns dos melhores intelectuais que nós temos. Por exemplo, aqui eu tenho em mãos um livro que eu adorei, que tenho estudado, Para além de Black Mirror, Estilhaços Distópicos Presente, da Maria Cristina Frank Ferraz e do Erickson Sainte-Claire.
Então eu tenho desenvolvido uma pesquisa sobre esse seriado e é realmente chocante o quanto uma obra de ficção histórica, uma obra de ficção científica futurista, ela parece se realizar. Então, por exemplo, a gente vê o Estado de Israel, ou a entidade imperial sionista no Oriente Médio, cometer um genocídio com auxílio de inteligência artificial, selecionando alvos a bombar de ar em Gaza, no Líbano, na Síria, através da mineração de dados, em estreita cumplicidade com o Vale do Silício, e realizando uma matança completamente conectada ao chamado colonialismo digital. Então, quando a gente vê esses drones sionistas, essas máquinas voadoras sem piloto quesoltam os blockbusters sobre Gaza, né, não importando se são crianças, se são médicos, se são professores, se são hospitais, se são escolas, se são universidades, né… nós vemos isso e dizemos, nossa, mas isso é muito Black Mirror, né! Você teve isso previsto por essa série. E agora parece que Israel e seus parceiros ocidentais tratam de concretizar essa distopia em frente a nossos olhos.
E a outra frase também, para terminar, e para expandir a nossa preocupação diante do futuro imediato, é uma frase que eu tenho visto muito na internet também, que é em inglês: Make Orwell Fiction Again, que significa Tornem George Orwell Ficção Novamente. Isso é claro que é uma ironia em relação ao lema da extrema-direita estadunidense, do trumpismo, e significa que 1984 não era um manual de instruções.
E, no entanto, a gente vê isso, o Trumpismo de volta ao poder, em alguns dias Donald Trump estará de novo na Casa Branca e como compreender isso, né, depois da pandemia de Covid-19, que o Donald Trump geriu de maneira absolutamente catastrófica com seu negacionismo, com seu obscurantismo, né, que foi replicado pelo bolsonarismo no Brasil: os Estados Unidos teve um milhão de mortes na pandemia do coronavírus, sob a gestão de Donald Trump, assim como o Brasil teve 700 mil mortes sobre a catastrófica gestão negacionista do fascismo bolsonarista. E, no entanto, as pessoas hiperconectadas, com acesso à informação como nunca houve na história da humanidade, tecnologia de comunicação sem precedentes, nós estamos afundados num tsunami de demagogia digital, de fake news, de populismo extremista, e estamos reconduzindo ao poder esses genocidas como Trump, Bolsonaro, Netanyahu e tantos outros assassinos do nosso futuro.
Então, eu acho que devemos nos preocupar, mas que a nossa preocupação não seja apática; que nós possamos nos preocupar, mas também agir conjuntamente por um outro mundo possível.
É isso, passo a palavra para a Marcela.
Publicado em: 14/12/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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