“Não me peça para silenciar, não me peça para morrer calado. Não pense que a fúria da luta contra as opressões pode ser controlada. Eu sou parte dessa fúria. Não sou seu entretenimento, sou o fio da espada da história feito música no pescoço dos fascistas. E dos neutros. Não conte comigo para niná-lo. Não vim botar você pra dormir, aqui estou para acordar os dormentes.” – CHICO CÉSAR no Twitter
XV Festival de Artes de Goiás do IFG tem a honra de apresentar uma live (Terça, 18 de Maio, 21h) com o cantor, compositor e escritor paraibano Chico César.
Nascido em 26 de janeiro de 1964 em Catolé da Rocha (PB), o músico e comunicador (formado em jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba) Chico César é hoje uma lenda viva da MPB.
Seu álbum mais recente, O Amor É Um Ato Revolucionário (2019, 14 músicas, 1h9min), consolidou sua presença no cenário artístico brasileiro como uma figura de primeira relevância, de exuberante criatividade musical e poética: “O amor é um ato revolucionário / Por estados e religiões temido / Quem pelo amor é pertencido / A si governa e só a ele é confessado”, canta na faixa título.
Dadas as circunstâncias anômalas da pandemia de covid19 no Brasil, o Festival de Artes de Goiás ocorre de maneira 100% remota, sem a possibilidade de curtimos presencialmente Chico César sobre o palco iluminado. O artista tem se mantido criativo durante estes dias difíceis: na mesma semana em que apresenta-se no Festival, Chico César lança seu novo álbum, que celebra a parceria de 30 anos com Zeca Baleiro, em que apresentam ao público 10 canções inéditas compostas durante o período pandêmico.
Chico César não é cúmplice e não aceita a cultura do silenciamento. Em seu manifesto sônico “Eu Quero Quebrar” – mais punk na mensagem do que muita banda metida a malvada por aí – ele garante:
À sua maneira, ele revitaliza aquela sabedoria que o “Para Não Dizer Que Não Falei De Flores” de Geraldo Vandré se anunciava: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Por isso aquele “espero que se acabe agora a espera”, verso tão paradoxal, pérola poética de Chico César. Sua única esperança é que a esperança enquanto espera (passiva e paralítica) morra. “O zoo explodiu, o bicho fugiu… sou eu!”
Esta evocação da libertação animal – um zoológico explodido, a vida selvagem fugindo de seus velhos cárceres, e o anúncio de que isso é o eu! – revela no cerne, no coração desta obra, uma selvageria salutar. Uma resistência sônica que se manifesta também na figura do trovador folk Chico César, um dos veículos maiores das quilomêtricas canções de protesto escrita por Carlos Rennó, um dos maiores letristas brasileiros contemporâneos. O épico Dylanesco “Reis do Agronegócio”, presente no álbum Estado de Poesia (também disponível ao vivo), é um emblema desta vertente do “cantor de protesto” que anda refulgindo em Chico César, com muita pertinência e interesse público.
Outras experiências estéticas sensacionais propiciadas por Chico César, segundo meu gosto e opinião, são sobretudo duas. A primeira consiste em suas recentes incursões em duetos com a Flaira Ferro – não apenas na famosa e de clipe deslumbrante “Eu Suporto Perder”, mas também na altamente lúdica “Cruviana”, a faixa 13 de O Amor é Um Ato Revolucionário. A pernambucana Flaira é um furacão nas artes brasileiras, autora de dois álbuns incríveis (Cordões Umbilicais e Virada na Jiraya) – e estas parcerias são sintomas de que Chico soube sinergizar suas energias com uma das melhores figuras da música e da dança no país hoje. Ambos comovem e movimento nesta busca conjunta pela força motriz.
A segunda experiência estética salutar, certamente, foi a obra “Inumeráveis”, em parceria com a poesia de Bráulio Bessa, parte de um projeto de Memorial Digital para as vítimas da covid19 no Brasil, sobre o quê já escrevi em uma reportagem para o Jornalistas Livres. Nesta obra que só deixa insensíveis os corações de pedra e os empedernidos Bolsocrentes que se prestam a ser massa de manobra dos fascistas e negacionistas, ressoam palavras que merecem nossa atenção, nossa reflexão, nossa lembrança:
“O X da questão talvez seja amar
Por isso não seja tão indiferente
Se números frios não tocam a gente
Espero que nomes consigam tocar.”
BRÁULIO BESSA / CHICO CÉSAR
Publicado em: 18/05/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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