Breve tratado sobre o sonambulismo paulista
Paulistano é mesmo um bicho gozado… O grau de desinformação atinge tais alturas na Paulicéia Desvairada (belamente batizada assim por Mário de Andrade) que 200 mil vão à Paulista vociferar “fora Dilma” e pedir “intervenção militar”, e o Sr. Alckmin sai ileso, como se fosse santo, mesmo após ter muita culpa no cartório no que diz respeito à essa crise hídrica sem precedentes que assola SP depois de 20 anos de (des)governos tucanos. “Lázaro ou alguém, nos ajude a entender!” (Criolo)
Como apontam inúmeras pesquisas e reportagens – por exemplo, esta da BBC inglesa: Brazil Drought: São Paulo Sleepwalking Into Water Crisis – São Paulo está indo rumo à desertificação. Está às beiras de mutar-se numa mescla caótica de Detroit (após o colapso da indústria automobilística) com Cochabamba (na época da privatização da água e dos mega-protestos que se seguiram). Sampa vai tornando-se um símbolo global das tragédias causadas pela poluição dos rios e da atmosfera, pela destruição das florestas, pelo aniquilamento de ecossistemas, pelas emissões de gases de efeito estufa. Prestes a encarar uma situação de calamidade humanitária onde 20 milhões de seres humanos vão vivenciar rodízios de água duma extrema austeridade, disputando por recursos escassos. E aí tem um bocado de gente que vai às ruas pedir “intervenção militar” (qualquer manifestação do Passe Livre São Paulo já tem de sobra isso que Vossas Senhorias estão demandando!) pois é “tudo culpa dos petralhas corruptos”. Uma pesquisa – divulgada pelo Blog da Cidadania – indicou que 53% dos paulistanos acreditam que a crise hídrica é culpa da Dilma e do Haddad, algo de uma desinformação tão crassa que realmente depõe contra a mídia de massas e o desserviço que ela nos presta.
A demonização simplória de um inimigo – o equivalente a pintar chifrinhos no retrato da Dilma como um adolescente metido a bully – parece uma medida de defesa contra a angústia descomunal que tomaria conta dos paulistas caso eles abrissem os olhos para a crise ecológica sem precedentes que já vivenciam – e que tende a piorar, já que o Brasil ainda vive num estágio de analfabetismo em relação ao aquecimento global e sua gravidade. A verdadeira crise é tão monumental que a maioria prefere o conforto duvidoso da ignorância voluntária, da cegueira auto-infligida: no reino de Fantasia onde muitos paulistas habitam, Alckmin é um santinho, idôneo, responsável, que nunca esteve metido em trensalões do Metrô nem na semi-privatização da Sabesp via Wall Street; São Alckmin, diante da desgraceira, tratará de pedir, através da Opus Dei, uma intervenção divina salvadora na forma de temporais replenificadores do Cantareira… São Pedro há de enfim revelar-se um tucano roxo… E a megalópole poderá então seguir no mesmo rumo, com engarrafamentos monstro margeando alguns dos rios mais tóxicos do planeta, enquanto a especulação imobiliária segue fazendo suas orgias de gentrificação e as empreiteiras seguem comprando eleições… Tudo na mais sacrossanta “lei e ordem” (defendida, é claro, por uma polícia militarizada que nos legou o maravilhoso regime de 64-85).
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Publicado em: 17/03/15
De autoria: casadevidro247
A vista do meu ponto diz o seguinte: são coisas diferentes. Uma coisa, grave e blá, blá, bla, é o Alckmin e suas incompetências. Isso deve ser tratado com rigor, é óbvio. Também me parece claro que até mesmo os paulistanos acham MAIS grave a situação amoral que o PT estabeleceu como forma de governo. É sobre isso que protestam, se reúnem, pedem a saída de Dilma. O que o Lázaro precisa explicar?
Olá, Mariel! A sua perspectiva, de que são dois fenômenos diferentes, parece-me discutível: não será justamente a histeria anti-petista o que faz com que um tão vasto contingente populacional seja cego, surdo e mudo em relação aos desastres do governo Alckmin? As manifestações do 15M tiveram altíssima participação justamente em Sampa, na Av. Paulista, e o que acho inacreditável é que um movimento se diga “contra a corrupção” e, das 210 mil pessoas, nem 1% manifestou-se contra Alckmin, mesmo após a gestão tenebrosa da Sabesp e o escândalo de corrupção do Metrô, que está sendo investigado na Europa… Concordo com o texto no blog do Altamiro Borges: como fenômeno de psicologia social, a relação do eleitorado de Alckmin com o governador parece “sado-masoquismo”.
Salve! Penso que histeria anti-petista é uma forma, digamos, estranha de se colocar o que se trata obviamente de um posicionamento coletivo que não tem um componente histérico. Não sei como o Altamiro Borges chegou a conclusão que declarou (não li o contexto), mas entendo que a gente apresenta um comportamento estranho, distante, indiferente a quem escolhemos. De qualquer forma, a vista do meu ponto diz o seguinte: minha perspectiva sempre será discutível, parcial e falha. Não conheço ninguém com certeza absoluta em qualquer área da vida que valha a pena 3 minutos de prosa. Quanto ao PT, o que vejo é que colhe o desprezo pela soberba que plantou, pelo dinheiro que roubou, pelas promessas que não cumpriu e por fazer as coisas que disse que não faria. Acho que é isso que pega. Histeria, como vejo, seria se o PT estivesse sofrendo uma injustiça coletiva. Convenhamos: não é o caso.
Salve, Mariel! O que eu questiono é justamente essa insistência de apontar o dedo (e frequentemente palavras cheias de ódio, como ouvimos de montão nas ruas no 15M) contra o PT, em especial em São Paulo, sem que se problematize e coloque em questão, como contestação coletiva, o que o PSDB, no governo estadual, realizou nestas duas décadas de poderio. Este post, por exemplo, quer enfatizar algo bem diferente da Corrupção, isto é, a crise ecológica sem precedentes que assola São Paulo. Acho estranhíssimo que 200 mil manifestantes, nas ruas, no último Domingo, nem mencionem o problema da água, que é extremamente grave, e que não coloquem em questão a má gestão da Sabesp e a responsabilidade do governo Alckmin nesta má gestão. Por isso a contestação do 15M na Paulista me parece míope, já que os manifestantes pareciam não enxergar o que está debaixo do nariz: uma seca sem precedentes, agravada pelo fato dos tucanos terem tratado a água como mercadoria, vendendo boa parte da Sabesp na Bolsa de Valores de Nova York, dando milhões a acionistas ao invés de atentarem para o bem público. Não se trata, aqui, de um parti pris por PT ou PSDB – mas sim de apontar quão grave é, como fenômeno coletivo, a recusa da maioria dos paulistas em atribuir responsabilidade à gestão Alckmin pela tragédia que aí está. Eu tb sei bem que o PSDB não inventou esse modelo de desenvolvimento predatório e de privilégio ao setor privado que ele aplica há ininterruptos 20 anos no Estado de São Paulo; só que agora a ferida está exposta e esta política ecocida, de poluição atmosférica, de emissão brutal de CO2, de privilégio ao carro individual, encontrou seu ponto de saturação. Ao invés de questionar este modelo vigente, o 15M, na minha perspectiva, ignorou voluntariamente a gigantesca crise ecológica em prol de um “vandalismo” contra a Dilma e o PT. Xingar de “petralha” é muito fácil; eu quero ver é lidar com a situação sem precedentes de 20 milhões de pessoas vivenciando rodízio de abastecimento de água, e isto, em larga medida, pelas ações passadas da gestão PSDB. Pintar um halo de santidade sobre a cabeça do Alckmin é pra mim a falácia ideológica, a mentira perigosa, em que está embarcando boa parte da mídia corporativa e da população que nela crê.
Opa. Obrigado pela gentileza da resposta. Vemos, é óbvio, a questão por prismas diferentes. De qualquer modo, comemoro muito o fato de não estarmos nos engalfinhado em sopapos semânticos, rancorosos de raivas alheias. Dito isso, o que penso é que a percepção geral é que o PT (percepção, aquilo que entendo, não obrigatoriamente o que é dito) traiu seu ideário, violou uma fronteira ética e isso parece ter sido fatal. Não foi letal para o Maluf, que “roubava mas fazia”. Não foi letal para outros tantos. Mas atingiu em cheio o PT. Por que? Como vejo, porque “a esperança venceu o medo”. Quando colocou isso na sua própria boca, o PT conquistou todos que querem ter esperança. E quando fez o que ele mesmo já reconhece que fez, decepcionou uma legião imensa, não vejo perdão à vista. Quando ao PSDB, que tem uma dívida enorme por não ter sido capaz de criar programas mais abrangentes de inclusão, quanto a ele parece essa justamente a diferença: disse que não ia fazer. E não fez. Disse o que ia fazer. E fez. Em terra de mentiroso, meia verdade é ouro. Mais uma vez, te agradeço a gentiliza da resposta.
Opa, obrigado você, Mariel. Foi um ótimo debate! 😉 Volte sempre. Evoé!
Republicou isso em Profa. Silvia Bertani Estudos e Estudos.
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marielfernandes
Comentou em 17/03/15