Às vezes sonho incoerências
Em desalinho com o meu tempo pequeno
Sonhos, assim, despudoradamente humanos
Sonhos, assim, desavergonhadamente felizes.
Ainda que a cidade triste desautorize
Ainda que as fábricas ergam seus muros cinzas
Onde guardam minha classe da luz do dia
E roubam seus corpos das carícias da noite.
Sonho subversivamente desperto
Que meu sonho está ali bem perto
Tanto que sinto cheiros descabidos
E minha boca antecipa o gosto dos delírios
Como se fossem pães recém-nascidos.
Sonho desavisadamente alegre
Com uma casa de janelas amplas
E jardins e flores e plantas
E discos e filmes e livros
E tanta sede e fome tanta
Que em qualquer fruta a ceia é santa.
Sonho que nos relógios quebrados e inúteis
As aranhas amarelas fazem com calma as suas casas
E em dias longos e quentes
Ex-lagartas apaixonadas estréiam suas novas asas.
Sonho que o mar fica ali em frente
Onde as ondas e as horas inquietas
Martelam as costas cansadas do continente
E na pele da praia do planeta,
A areia tritura seus minúsculos universos náufragos
Num contínuo mastigar de conchas e dentes.
Sonho, então, que caminhas… linda… pela praia
E nosso cão te acompanha alegre
E você é tão feliz… tão feliz…
Que quase esquece
De toda a pré-história da humanidade,
Da tragédia dos séculos
E da miséria destes anos
Em que andamos, por tanto tempo, militando.
Militando e sonhando que lutamos.
Lutando e militando porque sonhamos
Que o mundo pode ser, enfim, a casa onde moraremos
Sonhando, para sempre, que nos amamos.
(MAURO IASI, Aula de Vôo)
Publicado em: 24/02/10
De autoria: casadevidro247
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Gisele
Comentou em 27/02/10