Spinoza (1632-1677), vivente-vidente, polidor de lentes, advogado das alegrias dos entes, entusiasta de tudo que nos liberta das correntes, as de ferro e as da mente! Spinoza foi “o mais puro dos sábios”, segundo Nietzsche, que não tinha o costume da adulação incontida e injustificada – deve ter sentido, pois, que Spinoza de fato merecia tão altos louvores! Na história da filosofia, há poucos pensadores mais “radicais” em sua denúncia das superstições e que tanto tenha feito para libertar a humanidade, tal como haviam tentado Lucrécio e Epicuro antes dele, das esperanças e temores absurdos a que se aferrolham os supersticiosos que todos nós somos um pouco.
Gilles Deleuze
Algumas das teses spinozistas mais ousadas, que batiam de frente com as superstições religiosas de sua época, valeram-lhe a excomunhão e a perseguição dos fanáticos: Deleuze conta-nos a curiosa estória de que Spinoza, tendo sobrevivido a um atentado de um fanático, guardou o casaco com o furo da facada como um souvenir sinistro de quão pouco alguns homens respeitam o livre pensamento. Já ele, Spinoza, avesso a todos os fanatismos e dogmatismos, prestou um culto ao livre-pensar de uma vitalidade que prossegue até hoje imensa: é um aliado na ampliação atual de nossas potências e na expansão da nossa lucidez!
Na sequência, seguem alguns trechos de Spinoza – Filosofia Prática, em que Deleuze sintetiza muito bem o spinozismo em seu aspecto afirmador, rejubilante, empoderador: uma sabedoria de vida que nos ensina a vencer escravidões e tiranias, tristezas e impotências, temores e esperanças, fazendo-nos compreender que só há expansão de potência na alegria e que nos convida à beatitude dos agentes, ao invés da impotência dos pacientes. Agir ao invés de padecer, amar ao invés de depreciar, “não zombar nem lamentar, mas compreender”: eis alguns dos sábios conselhos spinozistas.
Como o entendo, Spinoza nos diz que Deus não é um velhinho barbudo e furibundo que mora nos céus, de onde lança bolas de fogo para punir os ímpios e de onde prega sermões e promulga leis que, se obedecidas com servilismo, serão recompensadas na Confeitaria Paradisíaca. Isso não passa de um delírio grotesco da imaginação humana, interesseira e ego-cêntrica. Não é preciso subir uma montanha, como fez Moisés, para se comunicar com Ele: para Spinoza, o único Deus concebível é um Deus que está em toda parte já que é a Natureza mesma, um Deus que se confunde com o Universo, um Deus que é idêntico ao Ser-na-Totalidade. A morte da transcendência é o triunfo da mais radical imanência: Deus não existe lá longe, numa nuvem distante, numa dimensão transcendente, num outro mundo qualquer, exilado nas lonjuras inatingíveis. Deus é o nome que damos a esse Todo de que fazemos parte: estamos Nele como os peixes estão no oceano e como os pássaros estão no ar…
Eduardo Carli de Moraes A Casa de Vidro
“As principais interrogações do Tratado Teológico Político são: por que o povo é profundamente irracional? Por que ele se orgulha de sua própria escravidão? Por que os homens lutam por sua escravidão como se fosse sua liberdade? Por que é tão difícil não apenas conquistar mas suportar a liberdade? Por que uma religião que reivindica o amor e a alegria inspira a guerra, a intolerância, a malevolência, o ódio, a tristeza e o remorso? É possível fazer da multidão uma coletividade de homens livres, em vez de um ajuntamento de escravos?
Poucos livros suscitaram tantas refutações, anátemas, insultos e maldições: judeus, católicos, calvinistas e luteranos rivalizam em denúncias. […] Um livro explosivo mantem sempre sua carga explosiva: ainda hoje não se pode ler o Tratado sem nele descobrir a função da filosofia como tentativa radical de desmistificação.
Espinosa faz parte dessa estirpe de pensadores que mudam os valores e praticam uma filosofia a marteladas, e não daquela dos ‘professores públicos’, aqueles que, segundo o elogio de Leibniz, não interferem nos sentimentos estabelecidos, na ordem da Moral e na Polícia. (…) Tanto na sua maneira de viver como de pensar, Espinosa oferece uma imagem da vida positiva e afirmativa, em detrimento dos simulacros com os quais os homens se contentam.
Nenhum filósofo foi mais digno do que Espinosa, mas também nenhum outro foi tão injuriado e odiado. […] A grande tese teórica do spinozismo é: há uma única substância que possui uma infinidade de atributos, Deus sive Natura (“Deus, ou seja, a Natureza”), sendo todas as “criaturas” apenas modos desses atributos ou modificações dessa substância. O panteísmo e o ateísmo se conjugam em Espinosa, negando a existência de um Deus moral, criador e transcendente. Há três grandes semelhanças com Nietzsche e elas são as razões pelas quais ele é acusado de materialismo, imoralismo e ateísmo.
“Não tendemos para uma coisa porque a julgamos boa; mas, ao contrário, julgamos que uma coisa é boa porque tendemos para ela” (Spinoza, Ética, III, 9, esc.) O bom existe quando um corpo compõe diretamente a sua relação com o nosso e, com toda ou com uma parte de sua potência, aumenta a nossa. Por exemplo, um alimento. O mau para nós existe quando um corpo decompõe a relação do nosso corpo… por exemplo, um veneno que decompõe o sangue. Bom e mau têm pois um sentido relativo e parcial: o que convém a nossa natureza e o que não convêm.
Bom e mau tem um segundo sentido, qualificando dois modos de existência do homem: será dito bom (ou livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém a sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. Pois a bondade tem a ver com o dinamismo, a potência e a composição das potências. Dir-se-á mau, ou escravo, ou fraco, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se contenta em sofrer as consequências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o efeito sofrido se mostra antagônico e lhe revela a sua própria impotência.
Estátua de Spinoza em Haia
Spinoza, em toda a sua obra, não cessa de denunciar três espécies de personagem: o homem das paixões tristes; o homem que explora essas paixões tristes, que precisa delas para estabelecer o seu poder; enfim, o homem que se entristece com a condição humana e as paixões do homem em geral (que tanto pode zombar como se indignar…). O escravo, o padre, o tirano… trindade moralista.
Nunca, desde Epicuro e Lucrécio, se mostrou melhor o vínculo profundo e implícito entre os tiranos e os escravos: o tirano precisa da tristeza das almas para triunfar, do mesmo modo que as almas tristes precisam de um tirano para se prover e propagar. De qualquer forma, o que os une é o ódio à vida, o ressentimento contra a vida. A Ética de Spinoza traça o retrato do homem do ressentimento, para quem qualquer tipo de felicidade é uma ofensa e que faz da miséria ou da impotência sua única paixão. “Os que não sabem fortificar os homens mas sim deprimi-los, esses são insuportáveis para si mesmos.” (Spinoza, Ética, IV, apêndice, Cap. 13).
Há efetivamente em Spinoza uma filosofia da “vida”: ela consiste em denunciar tudo o que nos separa da vida, todos esses valores transcendentes que se orientam contra a vida… A vida está envenenada pelas categorias do Bem e do Mal, da falta e do mérito, do pecado e da remissão. O que perverte a vida é o ódio, inclusive o ódio a si mesmo, a culpabilidade. […] Antes de Nietzsche, ele denuncia todas as falsificações da vida, todos os valores em nome dos quais nós depreciamos a vida: nós não vivemos, mantemos apenas uma aparência de vida, pensamos apenas em evitar a morte e toda a nossa vida é um culto à morte.
Essa crítica das paixões tristes está profundamente enraizada na teoria de Spinoza a respeito das afeições. Um indivíduo é antes de mais nada alguém com poder de ser afetado. […] Devemos distinguir dois tipos de afeição: as ações e as paixões. O poder de ser afetado apresenta-se então como potência para agir, na medida em que supõe preenchido por afeições ativas, e apresenta-se como potência para padecer, quando é preenchido por paixões.
O próprio da paixão consiste em preencher a nossa capacidade de sermos afetados, separando-nos ao mesmo tempo de nossa capacidade de agir, mantendo-nos separados desta potência. A paixão triste é sempre impotência. […] Ao contrário, quando encontramos um corpo que convém à nossa natureza e cuja relação se compõe com a nossa, diríamos que sua potência se adiciona à nossa: as paixões que nos afetam são alegria, nossa potência de agir é ampliada ou favorecida.
As paixões tristes representam o grau mais baixo de nossa potência: o momento em que estamos separados ao máximo de nossa potência de agir, altamente alienados, entregues aos fantasmas da superstição e às mistificações do tirano. A Ética de Spinoza é necessariamente uma ética da alegria: somente a alegria é válida, só a alegria nos aproxima da ação e da beatitude da ação.”
GILLES DELEUZE Spinoza – Filosofia Prática Editora Escuta, São Paulo, 2002 Capítulo I & II
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
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