“Para leitores que não conhecem a cidade de Hamburgo, tenho de observar que o passeio mais formoso leva o justo e adequado nome de Costa das Donzelas. (…) Ali dá gosto sentar-se no verão, quando o sol do meio-dia não arde tão selvagemente, e apenas se limita a sorrir com amabilidade, regando com seu brilho quase fabuloso as tílias, as casas, os homens e os cisnes que no rio se embalam. Ali dá gosto sentar-se, e ali eu gostava de sentar-me em algumas tardes de verão, a pensar no que de costume um jovem pensa, ou seja, em nada, e contemplar o que de costume um jovem contempla, ou seja, as belas moças que passavam diante de mim. E por ali passavam revoluteando um bocado daqueles formosos seres, pitorescas camponesinhas que abastecem a cidade de Hamburgo inteira com seus morangos e seu leite fresco, e cujas saias seguem sendo demasiado compridas…
Ali passeavam de nariz empinado as belas filhas dos comerciantes, em cujo amor também se alcança tanto dinheiro vivo… Ali vagueiam sacerdotisas da deusa que brota da espuma do mar, Dianas que vão à caça…. Lembro-me ainda do imenso Dono de uma Seguradora, que sempre se enfeitava como um pavão real e disse uma vez [olhando para as raparigas]: “Uma delas eu gostaria de apreciar no café-da-manhã e a outra no jantar. E tenho certeza de que nesse dia eu não precisaria comer nada no almoço…”
Eu, de minha parte, nunca dizia nada, apenas ficava a pensar no meu dulcíssimo pensar nada, e contemplava as moças, e o céu sereno e suave, e a longa torre de São Pedro, e o Alster azul e tranquilo, onde os cisnes nadavam para cá e para lá, tão altivos, tão amáveis, tão seguros… Os cisnes! Podia contemplá-los durante horas, essas criaturas encantadoras, de pescoços longos e delicados, que se embalavam nas ondas suaves de modo tão opulento, submergindo de quando em vez, felizes, para voltar a aparecer logo depois, patinhando cheios de ufanismo até que o céu escurecia, deixando avançar as estrelas douradas, anelantes, prometedoras, maravilhosamente delicadas, esclarecidas. As estrelas! Serão flores douradas no seio nupcial do céu? Ou serão enamorados olhos de anjo, que se refletem saudosos nas águas azuis da terra, cortejando os cisnes?
Ah! Já faz tanto tempo! Naquele tempo eu era jovem e tolo. Hoje sou velho e tolo. Nesse ínterim algumas flores murcharam, e algumas foram até pisoteadas. Nesse ínterim alguns vestidos de seda se rasgaram. E Heloísa, o delicado ser que parecia ter sido criado só para flutuar entre tecidos indianos, levemente floridos, se afogou no barulho dos marinheiros, em ponche, tabaco e má música. E a cidade em si, como ela havia mudado! Havia neve sobre os telhados e era como se as casas mesmo tivessem envelhecido, ganhando cabelos brancos.
As tílias da Costa das Donzelas eram apenas árvores mortas, com galhos secos, que se moviam como fantasmas ao vento… Os coches rolavam, senhores e damas desciam, com um sorriso congelado estampado nos lábios famintos… Horrível! Nesse momento a terrível e repentina impressão de que havia uma insondável estupidez em todos esses rostos… Eu os vira havia 12 anos, nesta mesma hora, com as mesmas caretas, fazendo os mesmos movimentos, semelhantes aos bonecos do relógio de um Paço Municipal. E desde então, sem interrupção, haviam feito seus cálculos da mesma forma, visitado a Bolsa do mesmo jeito, feito os maxilares trabalhar no mesmo ritmo, pago suas gorjetas com o mesmo resmungão, e, mais uma vez, voltado a calcular: duas vezes dois são quatro…
– Horrível! – gritei. Se pelo menos ocorresse de repente a uma dessas pessoas, enquanto estivesse sentada na comodidade de seu escritório, que duas vezes dois na verdade são cinco e que, por conseguinte, durante a vida toda ela havia se enganado nas contas e desperdiçado sua vida inteira num erro abominável! Mas, de uma hora para outra, eu mesmo é que me vejo atacado de uma loucura idiota e, ao contemplar com mais atenção as gentes que passavam, me pareceu de repente que elas mesmas não eram outra coisa senão números, cifras arábicas. (…) Que melancólico baile de máscaras!
Mas ainda mais sinistras e desconcertantes que essas figuras, avançando em silêncio como um teatro chinês de sombras, eram os sons que vinham do outro lado e me atormentavam o ouvido. Eram sons ásperos, rangentes e desafinados, um grasnar insensato, um gemer e suspirar, um ruído de dor indescritível e gélido. A barragem do Alster estava totalmente congelada e os horrendos sons que eu acabava de escutar vinham das gargantas das pobres criaturas brancas que nadavam dentro dele e gritavam em pânico mortal.
Ah! Eram os mesmos cisnes que um dia comoveram minha alma de modo tão suave e doce. Ah! De novo ah! Os cisnes brancos… Os homens haviam quebrado suas asas a fim de que não pudessem migrar no outono em busca do calor do Sul, e agora o Norte os mantinha presos em seu escuro calabouço de gelo… E o guarda do Pavilhão ainda dizia que eles estavam bem e que o frio lhes fazia bem. Mas isso não é verdade. A ninguém faz bem o ato de o encarcerarem, impotente, num charco frio, quase congelado, e de lhe quebrarem as asas, a fim de que não possa voar ao Sul formoso, onde as belas flores, onde os raios dourados do sol, onde os lagos azuis das montanhas… Ah!
Tampouco eu me encontrava num estado muito melhor, e compreendi o tormento dos pobres cisnes; e como ficava cada vez mais escuro, e as estrelas apareciam claras lá em cima, as mesmas estrelas que um dia, nas belas noites de verão, haviam namoricado tão calorosamente com os cisnes, e agora os olhavam tão hibernalmente frias, tão claramente geladas e quase escarninhas… Foi então que compreendi que as estrelas não são seres amáveis e compreensivos, mas apenas ilusões brilhantes da noite, eternas visões num céu apenas sonhado, mentiras douradas no azul-escuro do nada…”
HEINRICH HEINE (1787-1856), poeta lírico do Romantismo alemão, era um dos escritores prediletos de Karl Marx, um dos autores mais citados por Sigmund Freud e influência para artistas como Dostoiévski, Nietzsche e Brecht, dentre outros. Sua obra foi musicada por compositores como Schumman, Schubert, Mendelssohn, Brahms e Wagner. ” O mais alto conceito de lírica que me deu foi Heinrich Heine”, escreveu Nietzsche em seu Ecce Homo. “Em vão eu procuro, em todos os reinos e pelos séculos dos séculos, uma música tão apaixonada e doce quanto a dele…”
Tradução de Marcelo Backes. Editora Boitempo.
in: “Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski”
“Sorrir como se a morte nos fizesse cócegas com a foice. “
(Heine)
Publicado em: 01/07/12
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
grandes … no por la estatura de Sebi si no por que son una compañia toda las tardes .Los escucho las dos primeras horas del programa mientras trabajo .LES MANDO UN BESOTE SANDRA DE LANUS
Veo que Platón está en todo tratado filosófico, incluso allà donde parece no estar.Y no, no creo que ningún dirigente esté interesado en el adiestramiento para que se sepa la verdad.Saludos Lavela.
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Comentou em 24/05/17