O sionismo massacra sem piedade todas as condições para a vida em Gaza. Nem mesmo adjetivei a palavra “vida” na frase anterior com qualificativos que seriam algo assim como seu tempero, fazendo-a saborosa de sorver, como “digna”, “bem-nutrida” ou “florescente”. Israel vem agindo de modo a que nenhuma vida possa sequer sobreviver na terra devastada. Das vidas nuas dos palestinos tudo é arrancado: parece que Israel não quer que ninguém em Gaza possa viver. Na última edição da revista Hammer and Hope, que inclui texto de Angela Davis, a palavra que não quer calar foi claramente enunciada: racismo. Este é um genocídio racista. Calcado em fundamentalismo religioso. Furiosamente altericida e incapaz de diálogo, o sionismo encena diante do mundo conectado à Internet algumas das piores atrocidades a que já pudemos testemunhar.
* * * * *
LEITURA SUGERIDA: ANTI-ARAB RACISM AND THE U.S. AND ISRAELI WAR MACHINES
The West’s dehumanization of Arabs has helped to normalize war crimes.
https://hammerandhope.org/article/palestine-gaza-racism
* * * *
A criminalidade organizada que têm em suas mãos a máquina bélica do Estado de Israel tudo faz para tornar o território de Gaza em terra devastada onde nenhuma vida é vivível – sem comida, sem água, sem hospitais, sem escolas, sem UNRWA, sem campos de oliveiras férteis ou fábricas de pão, sem nem mesmo o direito de ir buscar uma farinha que goteja feito esmola sem serem furados por uma chuva de tiros, os palestinos têm hoje sua vivibilidade coletiva impedida – pra não falar do direito de auto-determinação política que Israel não cessa de negar-lhes violentamente.
Diante de uma opressão de tal magnitude, estão em luta para não serem apagados da História. Enquanto a Nakba 2.0 desaba sobre suas cabeças. colonos sionistas invadem ainda mais as terras para além da tal Green Border e a exploração de recursos naturais no perímetro marítimo de Gaza avança: o Ocidente ainda em sanha imperial, o OTANistão ainda assanhado, querem lucrar por ali com uma ajudinha da Chevron e da Shell… O massacre contra os palestinos também é o preço a se pagar pelos lucros que se pode conseguir ali.
A Intifada palestina, a resistência tenaz ainda que diante de adversidades tremendas, é contra a borracha de apagar vidas e culturas, é contra o apartheid normalizado que eles nunca aceitaram normalizar.
Venho lembrando muito de Simone Weil, do “enraizamento” e dos motivos que a filósofa apresenta para que os “povos resistam desesperadamente à conquista”.
LEITURA SUGERIDA: DE SIMONE WEIL: https://www.instagram.com/p/C4IcCvjOq22/
A imposição da invivibilidade, a farta distribuição da morte, é feita hoje em dia nesta mescla bizarra, obscena, distópica, de Jeová com I.A.
Numa mão o controle do drone que mata geral, na outra mão o Velho Testamento e enjoativas lorotas sobre “direito bíblico” à posse exclusiva de uma certa terra dita “sagrada”.
Israel faz é profanar, com sua violência chocante, a própria noção de sacralidade ao revelar o quão insano é seu projeto: um settler colonialism que pretende instalar a Terra Prometida (mas só para judeus sionistas) sobre as covas em massa de civis assassinados. Trata-se de uma singular patologia social baseada na fé e no supremacismo, e que muitos ainda sentem que é tabu criticar e questionar – afinal, quaisquer de nós que ousemos o trabalho da crítica e do questionamento somos subitamente postos perante o pelotão de fuzilamento ideológico que nos rotula de “anti-semitas”. As vítimas do Holocausto pretendem ter o apanágio de serem incriticáveis mesmo quando produzem o Holocausto alheio.
Falei em Jeová com I.A. pois hoje o obscurantismo religioso mais tacanho utiliza-se da high-tech mais avançada; a Diretiva Hannibal combina-se via Whatsapp; empresários muito ricos e bem-sucedidos das start-ups de Big Tech tentam hoje limpar suas mãos sujas do sangue daquilo que seus apps ajudaram a matar e destruir; e dá-lhe drone tacando bombas em alvos que foram selecionados com ajuda de Inteligência Artificial, e dá-lhe Netanyahu e Biden afundando-se na Era da Pós-Verdade (mentindo sem dó, por exemplo, sobre supostos 40 bebês que o Hamas teria decapitado, dentre outras desinformações grotescas com que buscam justificar seu injustificável brutalismo).
O racismo dos sionistas, incapazes de respeitarem a humanidade do outro se este outro é islâmico, palestino e resistente à opressão e ao apartheid, nada respeita. É este desrespeito fodido pelas vidas humanas o que mais revolta – Israel não respeita nem hospitais e ambulâncias, nem escolas e universidades, nem mulheres e crianças. Trata-se de uma hecatombe que cai sobre um território específico, um “enclave”, é verdade; mas este também é um crime contra a humanidade inteira. De modo que qualquer pessoa lúcida e bem-informada há de concordar com Francesca Albanese, relatora da ONU, que vê “motivos razoáveis” para apontar genocídio em Gaza: https://news.un.org/pt/story/2024/03/1829706 .
De 7 de Outubro de 2023 a 28 de Março de 2024, de maneira sistemática e impiedosa, um dos mais bem equipados exércitos do planeta Terra, fartamente financiado com armamentos e munições pelos Estados Unidos, chutou para o lixo todas as leis internacionais que presidem as guerras, pretendeu aniquilar quaisquer considerações pelos direitos humanos, quis suspender a diplomacia e a moralidade mais fundamental que deveria regrar nossa convivência em meio às divergências que nos opõe, para destravar a pior catástrofe que já se derrubou sobre os mais de 2 milhões e 300 mil pessoas que vivem no gueto de Gaza.
Mesmo depois de mais de 13.000 crianças mortas, o criminoso de guerra Netanyahu e seus ministro ainda mantem a ameaça de uma ofensiva brutal contra Rafah e seguem matando os esformeados. E o EUA ainda se mostra vergonhasamente abstêmio no Conselho de Segurança da ONU, onde em votação recente foi a única nação-membra do mesmo que não votou em prol do cessar-fogo. Melhor que o veto, decerto; mas que lástima esta postura tão abstêmia diante do que é explicitamente um morticínio injustificável.
O genocídio em curso tem duas faces: a da intenção e a da implementação. Ambas estão sendo cumpridas pelos líderes do estado de Israel e seus apoiadores e financistas na terra do Tio Som. A matança que já aniquilou 32.000 vidas também se dá com vergonhosa cumplicidade e complacência da imensa maioria da população israelense, com honrosas exceções daqueles judeus israelenses que não suportam nem a imposição cotidiana da opressão a Gaza e na Cisjordânia, nem engolem a lorota de que os ataques do Hamas em 7 de Outubro justificam a imposição brutal e genocida da invivibilidade a outro povo.
Com repulsivo apoio financeiro e ideológico desta triste nação que prepara-se para encenar a farsa de sua pseudo-democracia no embate entre Genocide Joe e Genocide Trump, Israel demonstra ao mundo sua face mais perversa e prossegue no errado ainda que boa parte do planeta Terra berre, nas ruas e nas redes: parem com esta matança racista, com esta limpeza étnica brutal, com este esfomeamento injustificável! DEIXEM GAZA VIVER!
* * * *
No 8M, o artista palestino Sliman Mansour, autor da pintura no começo deste post, escreveu: On International Women’s Day, it is crucial to highlight the resilience and bravery of Palestinian women who bear the brunt of oppression, enduring daily hardships and injustices as they strive to maintain their families, communities, and cultural heritage amidst the occupation’s pervasive discrimination and violence. Palestinian women persist in pursuing justice and equality, playing integral roles in resistance movements and grassroots organizing efforts. Their unwavering commitment to their families and communities serves as a powerful testament to their strength and determination in the face of adversity.
In Gaza, the suffering of Palestinian women is further exacerbated by the ongoing genocide and slaughter inflicted upon innocent civilians by the occupying forces. Women in Gaza endure unimaginable horrors as they witness the loss of loved ones, the destruction of their homes, and the deprivation of necessities such as food, water, and medical care. The relentless bombardment and siege imposed upon Gaza have resulted in widespread trauma and displacement, with women and children bearing the heaviest burden of this humanitarian catastrophe. Despite the immense suffering they endure, Palestinian women in Gaza continue to demonstrate remarkable resilience and solidarity, supporting one another and fighting for their existence amidst the chaos and devastation wrought by the occupation’s aggression.
.
The Village Awakens (القرية تستيقظ), oil on canvas, 1987
LEIA TAMBÉM:
Publicado em: 28/03/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia