:: VISÃO A PARTIR DE LUGAR NENHUM ::
(The View From Nowhere, 1986)
– trad. Silvana Vieira; revisão Eduardo Gianetti –
ed. Martin Fontes
I. A DESCOBERTA
Entrar numa grande biblioteca é ao mesmo tempo fascinante e desolador: todo aquele imenso conhecimento ali reunido, e uma vida tão curta para explorá-lo! Quantas vezes já não passeei pelas prateleiras da Biblioteca Florestan Fernandes, na FFLCH, me sentindo tão diminuto quanto se estivesse diante do mar, ao pôr-do-sol, esmagado pela beleza e pela grandeza do que me é tão superior! Nem é preciso que tombem as estantes sobre a minha carcaça para que eu me sinta… esmagado. De quantos anos eu precisaria para explorar 10% que fosse desta grandiosa herança humana ali reunida? Pelo menos uns 800 anos (quem sabe 8.000…), e com a condição inalcansável de ter um cérebro que não se desgastasse, uma memória que não declinasse, neurônios que não morressem… Ah! mas pobres de nós, cujos miolos, depois de seis ou sete décadas de trabalho ou de preguiça, viram repasto para os vermes!
É preciso, pois, selecionar bem os pouquíssimos livros que teremos chance de ler neste tico de vida que nos é dado antes do Sono Do Qual Não se Acorda… E este sempre me pareceu um problema humano subestimado: como separar o joio do trigo, o lixo da jóia, no vasto acervo da cultura? No meu caso, creio que nunca soube proceder senão pulando de amores em amores. Um livro que eu amava me indicava um outro (ou vários…) que eu talvez fosse apreciar, numa teia de conselhos que me guiava neste labirinto: partindo de Sponville, por exemplo, visitei Montaigne, Spinoza, Lucrécio, Simone Weil, Alain, Jankélévitch… — autores por quem meu primeiro mestre não disfarçava sua dívida e admiração, e que eu também acabei por adotar como alguns dos prediletos do meu coração. E agora, partindo do que me aconselha outro dos que admirei bem cedo, cheguei a Thomas Nagel: através de Eduardo Gianneti.
“Em enquete do caderno Mais! [11/4/99], que pedia a alguns dos principais intelectuais brasileiros que listassem os 10 mais importantes livros do século 20, Eduardo Giannetti pôs Visão a partir de Lugar Nenhum, de Thomas Nagel, no topo, à frente de clássicos como O Mal-Estar na Civilização, de Freud, e A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber.” Descobrir que Nagel estava tão alto na consideração daquele que é um dos filósofos brasileiros que eu mais respeito foi aquilo que me decidiu a enfrentar a leitura (árdua mas valiosa) deste recente clássico filosófico, The View From Nowhere, lançado em 1986.
Gianneti, que tem uma das prosas filosóficas mais apuradas do Brasil (que prazer literário eu tirei da leitura de Auto-Engano ou Felicidade, livros não só muito inteligentes mas maravilhosamente bem-escritos!), confessa sentir-se “diminuído” quando lê Nagel. “Ele me parece de uma clareza, consistência, rigor e elegância que eu jamais vou alcançar. Ele realmente me oprime, mas ao mesmo tempo me instiga, me provoca a ser melhor”, confessa meu xará. “Acho Nagel o mais importante filósofo vivo hoje no mundo.”
Descobrir que a Martins Fontes lançou por aqui uma prendada edição do livro de Nagel foi mais um sinal de que a obra tinha seu valor e carecia ser urgentemente devorada. Ainda mais por ter sido inclusa na preciosa coleção “Mesmo Que o Céu Não Exista”, que reúne alguns dos mais brilhantes filósofos contemporâneos da tradição materialista (Comte-Sponville, Marcel Conche, Michel Onfray…).
Feita esta introdução dos caminhos que me levaram ao livro (a cada encontro, uma via…), vamos ao que andei matutanto e refletindo a partir desta instigante (e recomendadíssima) leitura…
Publicado em: 26/09/10
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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