“…combinamos de não morrer…”
Conceição Evaristo
Ao fim de Novembro de 2024, a imobiliária Millenium comunicou-nos que o imóvel em que desenvolvemos nossos trabalhos desde 2019 havia sido vendido e nos deu a ordem de desocupá-lo em 60 dias.
A construtora BP logo iniciou procedimentos de topografia e sondagem como preparativos para a demolição. Durante estes procedimentos, averiguamos que logo vão tornar-se escombros 4 lotes na 1a Avenida, no Setor Leste Universitário, inclusive aquele onde está sediada A Casa de Vidro, para a construção de um mega-empreendimento comercial com “big money” envolvido.
Em conversas com os engenheiros, descobrimos será construída uma academia Bluefit com estacionamento subterrâneo neste terreno, abrangendo o que antes foi a Distribuidora de Bebidas do Bahia (na esquina), a concessionária de carros Negociauto, o território onde estávamos e também o lote residencial que é nosso vizinho.
A especulação imobiliária e o mercado do fitness provocam assim a expulsão e o desabrigo d’A Casa de Vidro – que ainda não tem outro local para onde migrar o projeto. No imóvel atual, o custo mensal de aluguel é de R$2.000; por este preço, é quase impossível encontrar casa que se assemelhe e que ofereça o devido espaço para nosso estúdio musical, livraria, cineclube etc., o que nos coloca diante da encruzilhada: encerrar as atividades do ponto de cultura por enquanto, entrando em hiato por tempo indeterminado, ou mudar para um imóvel que certamente será mais caro, talvez não tão bem localizado, e cujas condições de vizinhança são uma incógnita.
Expressamos também nosso repúdio à atitude da imobiliária Millenium de insistir em cobrar a entrega do imóvel nas condições descritas na vistoria de locação em 2019, ou seja, querem obrigar o locatário a pagar reformas e pinturas que custarão milhares de reais, sendo que o intento do comprador é a demolição. Por mero automatismo burocrático, a referida imobiliária emitiu esta diretiva na ordem de despejo e estamos contestando sem sucesso. Caso esta postura absurda – exigir que paguemos uma fortuna pra arrumar uma casa que será inteirinha demolida – estou disposto a desobedecer esta ordem estapafúrdia e abandonar o imóvel como está, com seus grafites, pixos e paredes semi-carcomidas, o que possivelmente envolverá batalha judicial.
@Danilo DVolt MC e Eduardo Carli falam sobre a trajetória e o atual desabrigo d’A Casa de Vidro Ponto de Cultura: https://www.youtube.com/watch?v=zMfs69zUlHY
CARLI: É nóis, DVolt! Eu queria que você falasse umas palavrinhas aqui sobre a Casa de Vidro, né? Eu acabei de te informar no dia de hoje que a casa onde o Ponto de Cultura acontece aqui desde 2019, ela está tendo que sair desse imóvel, né? E a gente vem de um período muito intenso de atividades aqui. Por exemplo, a gente fez um festival de música recentemente, o Jardim Elétrico, com cinco bandas, né? Banana Bipolar, Fritos da Terra, Conceição, Taia Solari Lamarck Experience lá do DF. Então é um espaço que promove a música ao vivo autoral, alternativa. E a gente também é uma parceria muito massa com a galera da Oclam, que agitou demais o cenário de música autoral aqui na cidade com as suas mostras de composição, as suas noites de música autoral, e a gente fez 10 shows da Oclan aqui na casa na pré-mostra. E eu queria que você relembrasse um pouco também do que já fizemos, só nos últimos dias aqui a gente fez duas grandes reuniões de artistas do rap, da capoeira, das culturas populares. Então eu queria que você relembrasse um pouco essas atividades que a gente tem realizado aqui e falasse um pouco também sobre como você visualiza esse futuro da Casa de Vidro com essa dificuldade e como que o movimento cultural pode nos ajudar a migrar para uma nova sede e continuar esse trabalho.
DVOLT – Isso, a Casa de Vidro é um espaço coletivo, cultural, de formação crítica e criativa. E a gente sempre ficou à vontade aqui para nos expressar como um ponto de apoio, de luta, reivindicando os direitos por meio da arte. Inclusive, já fizemos diversas atividades aqui. Atividade com poesia, com capoeira, com circo. O pessoal da música autoral, por meio de cantigas populares, por meio do samba, da MPB. Então, uma diversidade gigante, fora outros eventos que outros coletivos já organizaram aqui. Então, a sociedade goianiense e goiana precisa da Casa de Vidro Ponto de Cultura. Então, temos que fazer uma força-tarefa para garantir que todo esse trabalho não seja perecido.
Temos que continuar com esse trabalho, que é um trabalho muito potente, que envolve a juventude, envolve as crianças, adolescentes, pessoas idosas, né? Pessoas de diversas classes sociais, de diversos segmentos da cultura, né? Eu, inclusive, já desenvolvi várias atividades aqui com poesia, com música, teatralidade, capoeira. Inclusive, recentemente, tivemos dois grandes saraus aqui, né? Um da cultura hip hop, pelo elemento rap, né, que foi o Rap na Casa, diversos grupos da região metropolitana de Goiânia, né? E tivemos aqui, recentemente, agora no mês de dezembro, dublagens teatrais, rock and roll ao vivo, poesia falada, rap, ladainha de capoeira, cantigas de roda, né?
Envolvemos coletivos também de Aparecida, Senador Canedo, Goianira, Trindade e diversos outros lugares, né? Inclusive pessoas do entorno e do DF também participam desse espaço. Então vamos lutar, sim, Casa de Vidro Ponto de Cultura é referência, não só em Goiânia, mas em todo o estado de Goiás e por que não na região centro-oeste e vai Brasil afora. Tamo junto, hein? Eduardo Carli, toda a coletividade da Casa de Vidro Ponte Cultura. Aqui é MC DVolt, diretor de eventos da Nação Hip Hop Brasil, Goás, parceria forte, valeu!
CARLI: E um segundo e último recado que eu queria que você desse: eu estou aqui com uma câmera de vídeo aqui nas mãos, e a gente já tem uma história, porque nós fizemos um videoclipe juntos, e essa câmera e essa aqui também que está nos filmando, serve para que a Casa de Vidro desenvolva o trabalho no campo do cinema documental, ativista, com todos os movimentos populares que vão para as ruas fazer manifestações e protestos sendo capturados na sua essência, a gente dá voz para todos os agentes culturais mas também os agentes políticos que constituem o povo na rua que você celebra na sua música. Dê um recado para a galera do audiovisual também, sobre o quanto também é importante que a Casa de Vidro não pereça para que esse audiovisual também possa seguir desabrochando.
DVOLT: Isso, galera. No campo do audiovisual, eu tive a honra, o privilégio de estar ao lado de Eduardo e de toda a coletividade da Casa de Vídro Ponto de Cultura, que nos acolheu, juntamente com o Nicanor Bessa, que é um produtor lá de Aparecida, de Goiânia, também compositor, fizemos a música, e além do videoclipe diversas músicas já gravamos aqui. Teve o videoclipe de “Povo na Rua” que teve cenas internas na Casa de Vidro e também em praças públicas e também, como bem colocou o Eduardo, em manifestações, em atos por direitos humanos, por direitos para a classe trabalhadora, contra o genocídio, contra o racismo, contra a xenofobia. Então a Casa de Vidro Ponte Cultura tem esse trabalho também grandioso na área do audiovisual. E eu tenho essa honra de participar, ser parceiro e ser produzido pela Casa de Vidro Ponte Cultura. E temos que continuar, tanto essa parte da musicalidade, da teatralidade, dos coletivos, dos debates, das oficinas temáticas e rodas reflexivas, palestras, noites culturais, audiovisual e tudo isso que acontece… também as feiras, né? Feiras também com alimentação saudável, feira agroecológica, e várias outras atividades na luta pelo meio ambiente e outras bandeiras de luta que sempre a Casa de Vidro se posicionou. Então a Casa de Vidro tem lado, é o lado da Classe Trabalhadora, da defesa intransigente dos direitos humanos, é o lado do povo palestino, é Palestina livre! Tamo junto, hein, A Casa de Vito Ponto de Cultura! Vamos lutar e organizar um espaço cultural aí pra Casa de Vidro se instalar num futuro próximo. Vamos que vamos, hein?
CARLI: E nosso passado tá vivo…
DVOLT: E nosso passado tá vivo! Porque que a gente não esquece o que foi feito nesse terreno, nesse prédio, e agora, num futuro próximo, né Eduardo, teremos em outro espaço a continuidade desse trabalho. Vamos que vamos, estamos juntos, hein?
CARLI: Viva! Saravá!
“…ninguém vai acabar com o rolêêêêê!”
FRITOS DA TERRA, Sempre Caberá Mais Um
Publicado em: 10/12/24
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia