Por Bernardo Santana para A Casa de Vidro
Biografias de bandas de rock podem muitas vezes ser descritas se utilizando do surrado (mas não menos verdadeiro) cliché: “É como assistir um desastre de carro em câmera lenta”. Hard to Handle: The Life and Death of the Black Crowes (Da Capo Press, 2019, 368 pgs) – escrita a quatro mãos pelo ex-baterista dos Crowes, Steve Gorman, e pelo crítico musical, Steven Hyden – não é nada diferente disso. E dá-lhe sincronicidade, camaradagem, drogas, talento, turnês, grana, drogas, decisões equivocadas, colapsos nervosos, um pouco menos de grana, retornos triunfantes, drogas, finais-definitivos-para-todo-o-sempre, menos grana ainda, retornos não muito honrosos, drogas… repete verso e refrão, verso e refrão – e fim.
Ou, no caso da banda dos irmãos Chris (vocais) e Rich Robinson (guitarra), uma coda que, pelo menos em cima do palco, parece bem honrosa, como provou o show dos Crowes em São Paulo em março deste ano, 27 anos depois de pisarem por aqui pela última vez.
Para mim, que leu Hard to Handle nos três dias logo após essa espetacular apresentação dos caras, o livro deixou um sabor amargo de “o que poderia ter sido” na boca, mas que foi seguido de um retrogosto agridoce de reflexão barata. Nesses três dias – em que todas as outras atividades que não fossem trabalho e família foram suspensas – o texto conciso, honesto e bem-humorado de Steve/Steven me fez pensar um pouco enquanto me mantinha preso na sua gaiola de triunfos mágicos e fracassos patéticos.
O mais intrigante para um leitor de Hard to Handle é tentar racionalizar como essa sequência de vitórias espetaculares seguidas por inacreditáveis autossabotagens gerou a música deixada pelos Crowes durante sua lenta queda livre. A cada capítulo que se termina, o corpo de trabalho da banda parece mais e mais um milagre. Como foi possível conceber discos como Amorica e By Your Side em meio àquele turbilhão de ego e tóxicos variados? Como um artista da envergadura artística e tectônico peso histórico de um Jimmy Page toca em uma turnê com uma banda se despedaçando, os shows se provam espetaculares e… tudo termina como terminou?
Das histórias contadas em Hard to Handle, esta talvez seja a que melhor sintetiza os Black Crowes. Claro que não vou estragar tudo aqui dando detalhes do que acontece, mas basta dizer que esse talvez seja o momento do livro que um fã mais chega perto de dizer “foda-se, nunca mais vou ouvir esses caras ”. Felizmente, quem se estragou a vida inteira escutando bandas de rock está mais que acostumado a relevar – ou até mesmo admirar – tudo o que se assemelha a vacilos catastróficos.
E talvez aí esteja a maior beleza de Hard to Handle. Pelo testemunho de uma pessoa que estava quase literalmente no banco de trás do já citado carro rumo ao desastre, a visão do acidente é mais completa e – por que não? – sóbria. Por mais que Gorman tenha seus vieses (e ele os admite com certa frequência no texto), ele não está mais nos Crowes. Ele não odeia ninguém. Ele entende os seus próprios erros. E, mais importante, ele nos convence que talvez seja possível extrair poesia verdadeira mesmo da trajetória artística mais prosaica e, por vezes, decepcionante. Nada muito inaudito, mas é sempre um ótimo sinal quando uma obra nos faz sentir – em oposição a só pensar racionalmente – o que isso significa.
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Publicado em: 14/04/23
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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