Por Eduardo Carli de Moraes para A Casa de Vidro.com
O mestre supremo do “horror corporal” [body horror] – vertente laureada recentemente em Cannes com a Palma de Ouro concedida ao impressionante Titane de Julia Ducorneau (2021) – realiza em Crimes do Futuro (2022) uma perturbadora reflexão sobre o futuro humano em meio à crescente massa de lixo industrial e poluição plástica somadas à proliferação assustadora das cirurgias e do biohacking.
David Cronenberg, cineasta canadense que atua como um dos mais importantes provocadores de debate acerca dos rumos da humanidade, a certo momento de sua última obra retrata o líder de uma espécie de seita dos comedores-de-plástico (plastic eaters). Este tenta celebrar, como se fosse uma grande proeza, o fato de que ele e seus comparsas haviam, através de uma complexa cirurgia, transformado seus organismos para que fossem agora capazes de digerir plástico – com o efeito colateral que não podem mais comer alimentos orgânicos normais.
Há uma ironia pontiaguda nesta escolha de tema por Cronenberg em um período histórico onde a crise sócio-ambiental adquire inúmeros contornos sinistros inclusive manifestando-se no campo das patologias da alimentação e das doenças que adquirimos pelo comer: nunca antes na história do planeta foi tão perigoso quanto é hoje em dia o ato aparentemente banal de comer peixes. Tendo em vista o grau de contaminação com plásticos dos recursos hídricos do planeta, o que faz com que muitos animais humanos que consomem animais pescados dos mares e oceanos estejam de fato ingerindo microplásticos em doses cada vez mais cavalares (o tema é abordado em documentários recentes como Seaspiracy e Eating Our Way Into Extinction). Aqui no site d’A Casa de Vidro, já publicamos este artigo sobre a poluição plástica.
A potência expressiva desta nova obra Cronenberguiana emana de muito mais do que mero horror-pelo-corpo transmutado por intervenções cirúrgicas pouco usuais. Crimes do Futuro revela-se de novo um artista perenemente fascinado pelos devires corporais, um cineasta que afirma através de seus filmes uma tese “pós-metafísica”: os corpos nunca estiveram nem estarão imóveis e fixados, não há neles estabilidade angélica nem imutabilidade divina, mas sim a dinâmica perene de transformação e metaformose sem pausa que faz deles algo inerentemente instável. E cada vez mais frequentemente instabilizado pelas acelerações tecno-científicas, transformações ecológicas e mudanças climásticas que fazem com que hoje os corpos humanos mudem mais em 15 anos do que mudaram nos 500 anteriores (penso, por exemplo, na ascensão recente das cirurgias de redesign de gênero e nas terapias hormonais de transexualização, tema que tem em Paul Beatriz Preciado uma das pessoas que mais a fundo as pensa e as realiza em sua própria carne, vide Testo Junkie e Um Apartamento Em Urano).
Em um cenário de terra devastada, onde vemos ao fundo a carcaça de um navio naufragado, o filme começa com um menino brincando perto da água (provavelmente gelada e poluída demais para que seja recomendável um banho): sua mãe, nada carinhosa, grita-lhe ordenando que não coma porra nenhuma. Corte para o mesmo menino devorando com os dentes uma lata de lixo no banheiro. A cena é bizarra por mostrar uma patologia alimentar que nunca antes vimos na telona: uma criança que parece mascar e engolir com gosto uma destas lixeiras hoje tão comuns, produzidas em massa, feitas de plástico e que presume-se que não tem gosto gostoso. Não era uma lixeira sabor chocolate nem continha algo açúcarado que pudesse seduzir o paladar do pirralho. Estamos diante de um “monstrinho”, de um “capetinha” que inventa uma nova modalidade de transgressão alimentar.
O cineasta na sequência descreve o primeiro crime de sua obra: a mãe matando a criatura que não mais reconhece como seu filho humano mas como uma criatura estranha, algo como um alien que saiu de seu interior. “Num ato de desespero e repulsa, acompanhamos chocados a própria mãe matando seu filho, por ser um tipo de aberração híbrida com um apetite inexplicavelmente desumano por plástico”, escreve Wilson Ferreira no Cinegnose (em breve, o filme retratará a autópsia deste menino performada pelo casal de protagonistas da obra). Este autor avalia que Crimes do Futuro” (2022)
“é o filme-síntese de toda a filmografia do diretor: num futuro indeterminado uma dupla de artistas faz performances públicas de cirurgias através de dispositivos biomórficos para um público extasiado que vê sendo retirados do corpo do artista novos órgãos híbridos misteriosos que não existem na morfologia humana normal. Um mundo em que softwares moldaram a ‘New Flesh’: o corpo reduzido a objeto de controle e perversão pornô.”
No início de sua narrativa, utilizando um travesseiro, a mãe sufoca seu filho até a asfixia fatal e deixa o cadáver do pequeno como tétrico “presente de divórcio” para seu marido. Depois descubriremos que esta mãe – que se confessa culpada (“I’m guilty”) – atribui ao marido também parte da culpa pela monstruosidade do filho. Esta mãe só poderia amar um filho humano “normal”, mas não este corpinho tão radicalmente transmutado em um plastic eater. Cronenberg dá início à sua obra frisando esta des-naturalização, esta anomalia chocante que tira a normalidade dos trilhos, fazendo com que crianças não mais se interessem por pirulitos mas sim pelo plástico que os envolve. Uma anormalização tão extrema que culmina também no ato desnaturado de uma mãe ao matar a criatura que gerou-se em seu próprio útero.
Em outro momento do filme, Saul Tenser (o personagem de Viggo Mortensen, que já trabalhara com Cronenberg em Marcas da Violência e outros filmes), prepara-se para a mais estranha de suas performances artísticas ao lado de sua parceira Caprice (interpretada por Léa Seydoux, a mesma de Azul É A Cor Mais Quente): realizar uma autópsia no cadáver do menino, em frente ao público, diante de inúmeras câmeras fotográficas e filmadoras, numa espécie de rito macabro que faz com que muitos espectadores saiam correndo da sala de cinema ou desliguem suas TVs.
Nos preparativos para a autópsia performática do menino, Saul questiona acerca desta aptidão para digerir plásticos que o menino assassinado por sua própria mãe havia desenvolvido e deixa ao espectador um mistério que não será resolvido: de que maneira uma característica adquirida por intervenção cirúrgica pelo pai poderia ter sido transmitida geneticamente para o filho? O caso parece uma violação das leis formuladas por Darwin e representaria um estranho retorno a Lamarck. Saul mostra-se cético diante disto, perguntando ao pai do menino-anômalo: “se você cortar fora seu dedinho, por acaso seu filho vai nascer com um dedo a menos?” O mundo aqui figurado tirou dos trilhos até mesmo a teoria da evolução por seleção natural tal qual a conhecemos!
O que se coloca aqui em nosso horizonte é uma futuridade em que nossos organismos desenvolvem novos órgãos para se adaptar a um meio ambiente cada vez mais plastificado. O industrial waste que vamos proliferando, toda a porcariada sintética que vomitamos no planeta, todo o lixo eletrônico e todas as centenas de milhares de toneladas de copinhos, pratinhos e canudinhos de plástico com os quais estamos emporcalhando o planeta, tudo isto que jogamos fora sem muita reflexão e sem notar que na verdade não existe fora e todo o lixo fica dentro do planeta, torna-se um problema monumental que sufoca desde já até mesmo as futuras gerações, estas que estamos com nossas ações asfixiando. Diante de problema tão monumental, o enredo Cronenberguiano propõe a solução-pesadelo: e se pudéssemos solucionar o problema ao transmutar nossos próprios corpos, através de intervenções cirúrgicas ou “terapias genéticas”, para torná-los aptos a se alimentar de nossa própria porcaria? E se nos tornássemos uma raça transhumana de comedores de plástico, se modificássemos nosso hardware corpóreo para respirarmos CO2 e metano?
Cronenberg parece estar afirmando que as poluições ambientais que a humanidade vai gerando, acumulando-se no planeta, irão começar a desconfigurar nossos corpos futuros para reformá-los, dando-lhes formas cada vez mais bizarras e cada vez mais expressivas das patologias coletivas de nossa época. Crimes Of The Future é o espantoso bestiário de ocorrências futuras neste cenário do que Paula Sibilia chamou de “homem pós-orgânico”, onde corpos geram novos órgãos e a cirurgia (não apenas plástica, mas também “erótica”) torna-se uma nova febre, um hype daqueles, dando vazão a toda uma nova prole de perversões sexuais hi-tech que o diretor já abordara em Crash – Estranhos Prazeres. Quem está “antenado” ao zeitgeist, como dirá a personagem de Kristen Stewart, já está sabendo: “surgery is the new sex”.
Na canção dos Kinks, há uma irônica crônica da figura do “Plastic Man”, do ser humano cujos órgãos são feitos de plástico, numa jovial sátira da plastificação comportamental. Décadas depois, numa das mais belas e melancólicas canções do The Bends, o Radiohead também derramaria seus lamentos por um mundo repleto de “Fake Plastic Trees” em um videoclipe que marcou época, com Thom Yorke apresentando-nos suas lamúrias tão lindamente cantadas dentro de um carrinho de supermercado que atravessa infinitas prateleiras de artifícios plastificados. Na música, há inclusive uma menção aos temas de Crimes of the Future: o casal de personagens principais inclui uma mulher que rega suas plantas falsas com um regador de plástico e que mora com um cara que “costumava fazer cirurgias em mulheres de 80 anos, mas a gravidade sempre vence – e isto o deixa exausto”:
Her green plastic watering can
For her fake Chinese rubber plant
In the fake plastic earth
That she bought from a rubber man
In a town full of rubber plans
To get rid of itself
It wears her out
It wears her out…
She lives with a broken man
A cracked polystyrene man
Who just crumbles and burns
He used to do surgery
For girls in the eighties
But gravity always wins
And it wears him out…
Mas em Cronenberg a viagem é outra: ele imagina um “Plastic Boy” que, através de um órgão novo que ele desenvolveu de maneira misteriosa (uma mutação genética? uma intervenção cirúrgica? uma adaptação “lamarckiana” de seu corpo às circunstâncias ambientais cambiantes?), tornou-se capaz de soltar algo semelhante a um “suco gástrico” que sua mãe compara a um ácido branco babado por um lizzard e que é capaz de digerir produtos sintéticos como o plástico.
Esta fusão do orgânico com o sintético, esta hibridização do corpo humano “tradicional”/natural com os artifícios de nosso engenho tecnológico e científico, está na essência do interesse da obra do cineasta canadense. E isto nos dá ensejo para refletir um pouco sobre o quanto o conceito de plasticidade (“propriedade de um corpo que lhe permite mudar de forma ao ser submetido a uma tensão”) ganha relevo e importância crescentes à medida que as neurociências, por exemplo, vão acumulando pesquisas e informações acerca da profunda neuroplasticidade de nossos cérebros e de todo nosso sistema nervoso. O termo se refere à “capacidade do sistema nervoso de mudar, adaptar-se e moldar-se a nível estrutural e funcional ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito é exposto a novas experiências. Esta característica única faz com que os circuitos neuronais sejam maleáveis, sendo a base da formação da memória e da aprendizagem, bem como na adaptação à lesões e eventos traumáticos ao longo da vida.” (Wikipedia) Cronenberg é um dos maiores tematizadores desta neuroplasticidade no âmbito da arte contemporânea.
Tema também de obras musicais notáveis do cenário indie contemporâneo como o álbum da Cold Specks, a tal da Neuroplasticy está em toda parte do debate científico atual sobre mídias digitais na era da hiperconectividade. É conceito central nas análises de Nicholas Carr, um dos melhores comentadores da tecnologia contemporânea e um continuador das teses do guru Marshall McLuhan (que foi professor de Cronenberg na Universidade de Toronto). Carr defende, por exemplo, a importância da leitura dos livros (aqueles objetos que alguns julgam obsoletos, impressos com a tecnologia de Gutenberg), hoje em descenso com a ascensão de Kindles, PDFs e onipresentes timelines. A leitura de livros seria valiosa e imprescindível justamente pois nosso cérebro estaria mais apto a ser radicalmente transformado para melhor pelas redes neuronais promovidas pela decifração atenta e continuada de um livro, muito mais do pelo surfing desordenado, fragmentário, muitas vezes caótico, frenético e desatento que tornou-se epidemia para nós, cidadãos da infoesfera da década de 2022, permanentemente plugados aos feeds e capazes de entrar em estado de abstinência aguda de internet caso a conexão caia por 1 hora.
Estas mutações do corpo que ocorrerão no futuro não muito distante também estão retratadas por Cronenberg através de estranhos móveis domésticos: as camas, cadeiras e mesas, coligadas ao organismo humano, que proliferam neste porvir assustador que talvez estejamos de fato parindo. As camas onde dorme Saul, por exemplo, são repletas de “tentáculos” grudados à sua epiderme e ela tem em si um software que tem por uma de suas funções mapear seus centros de dor e antecipar sensações dolorosas, com o intento de eventualmente barrá-las, de modo a permitir a este que descanse/durma. Também na hora de comer, Saul senta-se numa estranha cadeira, assemelhada a um segundo esqueleto, destinada a auxiliá-lo com a severa desordem alimentar de que ele sofre.
Outro elemento central em Crimes do Futuro é o questionamento acerca da arte contemporânea, dos limites éticos que esta é capaz de transgredir para conseguir um efeito-de-choque.
Em seu artigo na FOLHA DE SÃO PAULO, Gelestreti e Sanchez destacaram que os atores principais, Mortensen e Seydoux, “interpretam um casal de artistas performáticos,mas de um tipo muito específico, já que fazem performances cirúrgicas —isto é,uma espécie de versão 2.0 da ‘body art’ com suspensão por ganchos na pele, por exemplo.O primeiro é portador de uma condição evolutiva de produzir novos órgãos. A outra é quem realiza as extirpações ao vivo no corpo dele enquanto ambos se contorcem num prazer evidentemente sexual.
Na trama, o casal de artistas vai buscar aprofundar as suas já radicais experiências estéticas enquanto cruza o caminho de coordenadores de biomorfologia, técnicos em organografia, performers que implantam dezenas de orelhas no próprio corpo, entusiastas de ‘concursos de beleza interna’ e uma seita que aspira criar um exército de pós-humanos — tudo na chave de que ‘o corpo é realidade’, como anunciam as mensagens dispersas por aquele submundo.”
Sempre provocador de reações viscerais, Cronenberg aqui arrisca-se a ter uma parcela da platéia abandonando o filme bem antes dos créditos finais. O cineasta lida com a aflição instintiva que temos diante da exposição dos órgãos internos em cenas que de fato são horrorosas pelo mergulho sem pudor que fazem as câmeras nas vísceras. Caprice tenta nos tranquilizar destacando que está na essência das artes performáticas o fator do consentimento do sujeito que está ali, exposto a uma cirurgia performática. Caprice também tenta nos tranquilizar dizendo que aquilo é essencial para a saúde, para a sobrevida de Saul, e que eles estão apenas transformando o caos em arte: as performances seriam algo parecido com a remoção de tumores. Um métier que ela aprendeu ao trabalhar anteriormente como cirurgiã com traumatizados de guerra.
O dilema ético central que o filme coloca, e que o torna digno de ser objeto de análise por todos aqueles que se interessam pela bioética na época da artificialização acelerada de tudo (poderíamos chamar este tempo de Antropoceno hi-tech), diz respeito à autópsia do menino assassinado pela própria mãe: é legítimo fazê-lo publicamente, sem autorização prévia do próprio corpo a sofrer intervenção (apenas com o aval de seu pai)? Quando Caprice e Saul decidem-se a ir em frente com a performance, arriscam-se a estar cometendo um crime, ainda que justifiquem suas ações performáticas com argumentos que têm sua beleza: “let us not be afraid to map the chaos inside”, diz Caprice, que argumenta diante da plateia que irá propiciar um mergulho nas vísceras da criança morta que se assemelha a um estudioso de literatura que mergulha nas entranhas de um poema.
O próprio Cronenberg aqui toma alguns dos riscos mais perigosos de sua carreira em que ele nunca teve pudores de fazê-lo: arrisca-se a ser odiado, a ser abandonado pelo público, pois muitos de nós certamente não vamos ao cinema para assistir a remoção dos órgãos internos do cadáver de uma criança – se já soa horrível por escrito, imaginem isto exposto de maneira escancarada pela câmera despudorada e explícita de Cronenberg! O que está em jogo aqui, parece-me, é a coragem do artista de afrontar um antigo tabu que por séculos impediu a pesquisa mais aprofundada sobre o organismo humano: a autópsia era considerada pela Igreja católica apostólica romana como uma heresia, e sua prática era proibida, o que de fato atrasou por muito tempo o avanço do conhecimento acerca de nossa anatomia e também das patologias que nos afligem.
Por outro lado, o clima de “liberou geral”, ou seja, o colapso de normativas éticas sobre o trabalho destes artistas-cirurgiões, torna estas atividades sinistramente transtornadoras da moral vigente, com o agravante das “bioportas” que permitem a intervenção de bisturis que praticam tatuagens internas, decorando os órgãos interiores com desenhos que depois, no momento da extração, serão expostos não mais como órgãos naturais, mas já como híbridos de natureza-cultura, ou seja, já marcados pela intervenção humana.
Em uma cena-chave, traz-se à tona o argumento de que os plastic eaters estão saindo do trilho da evolução humana normal, they’re evolving away from the human path. O filme irá revelar o assassinato do pai da criança que foi exposta em autópsia como uma espécie de medida cautelar contra alguém que, através da cirurgia e da reprodução de características adquiridas por esta via, teria se desviado do “rumo evolutivo correto”. Mas quem é que pode se arrogar o direito de julgar quais são os caminhos evolutivos corretos e errôneos? A máquina mortífera do nazi-fascismo, inebriada com o delírio da raça ariana, também não pretendeu limpar o mundo da escória encarnada nas “raças inferiores”?
No filme de Cronenberg, também podemos sentir certos calafrios na espinha diante da ideia de que certas hibridizações humano-máquina, certas formas de ciborgue, certos corpos produtores de novos órgãos, deveriam ser exterminados como anomalias perigosas. Para além dos perigos desta artificialização e plastificação, desta hibridização com o digital e o inorgânico, o filme tematiza o quanto uma seita tecnofóbica, com argumentos “naturalistas”, apegando-se a uma visão purista de evolução, poderia ir ao extermínio contra os “transhumanos”.
No Toronto Star, os dilemas do filme são assim sintetizados: “Crimes of the Future” takes a creepy step deeper into sexual pathology. It’s about people of the near future who get off on altering their insides and/or outsides, either through biological methods (growing bizarre new organs) or sculpting by scalpel (“Surgery is the new sex,” is their motto). Still others have figured out how to consume plastics and other synthetic substances in place of organic food, a narrative thread that builds intrigue. The government wants to take control, fearing “insurrectional” human evolution.
“Crimes of the Future” is almost completely based on the original “Painkillers” script, Cronenberg says, including the part about people consuming plastic — which a lot of us are doing inadvertently, according to recent news reports from health authorities warning of microplastics getting into the food chain.”
Em uma época em que a “pegada ecológica” dos animais humanos é assustadoramente devastadora, em que nossos sistemas produtivos e energéticos ocasionaram a hecatombe global que é a sexta extinção em massa da biodiversidade da Terra, Cronenberg manifesta perplexidade diante do que ele cita como fato: 80% das pessoas hoje possuem plástico em suas carnes por terem consumido, sem o saber, alimentos que continham microplásticos. Que mutações esta bizarrice irá gerar em nossos organismos?
Diante deste cenário, Crimes do Futuro parece de fato um pesadelo visionário que aponta para aberrantes e bizarras mutações dos organismos humanos para que se adaptem ao caos ambiental que produzimos e que vem transformando o planeta em algo cada vez mais inóspito e hostil à vida. Especialista em ser o expositor inclemente das patologias de uma época em que os corpos humanos se metamorfoseam velozmente em meio ao labirinto tecno-científico, um dos maiores artistas vivos, David Cronenberg, acaba de nos legar mais uma obra perturbadora que não cessará de estar assombrando os pesadelos despertos daqueles que se preocupam e se angustiam com os descaminhos do destino humano.
Publicado em: 06/07/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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