Você já parou pra pensar o que é poluição? Jogar lixo na rua? Aquilo que sai do escapamento do automóvel? Aquilo que a empresa despeja no rio? Uma rápida busca nos oráculos virtuais te retornaria a “introdução pelo ser humano, direta ou indireta, de substâncias ou energia no ambiente, provocando um efeito negativo no seu equilíbrio” (1). Daí, podemos tirar algumas ideias e reflexões:
Essas e outras perguntas nos mostram que existem muito mais coisas além da visão popular da poluição, e refletir sobre isso pode nos fazer alterar as atividades geradoras de poluição, suscitando assim um debate das funções sociais da transformação da natureza pelo ser humano. Tudo isso está na ordem do dia. Ou você vai assistir parado à destruição dos ecossistemas, às mudanças climáticas e ao colapso ambiental?
Se você respondeu NÃO, então se liga na série de abordagens sobre poluições que talvez nunca tenha refletido e que não encontrará em qualquer lugar:
1) Poluição Térmica ou, O inferno na Terra;
2) Micro Poluição – A vida de plástico é fantástica (Life in plastic, it’s fantastic);
3) Caos urbano e paraíso natural: reflexões sobre a poluição sonora;
4) A limpeza da Sujeira Vs. A Sujeira da Limpeza;
5) A Poluição Visual e os Cegos do Castelo;
6) Turismo na praia de Macaneta;
7) O dever jurídico no combate à poluição;
8) Licenciamento Ambiental e a Poluição.
Poluição Térmica ou, O Inferno na Terra
por André Baleeiro
Um matemático e economista romeno, Georgescu-Roegen, em 1971, relacionou o processo econômico à 2a Lei da termodinâmica, a lei da entropia, inserindo reflexões curiosas. A Termodinâmica nasce como o estudo da dinâmica do calor e desenvolve teorias que explicam o comportamento térmico da matéria. A entropia por sua vez é a medida do grau de desorganização. Essa medida gerou muita polêmica ao longo da história da ciência, pois a 2a Lei explica a impossibilidade de se construir um motor que converta 100% do calor em trabalho mecânico, e pode dizer até qual é a tendência natural das transformações do universo: o caos.
Se o calor não pode passar espontaneamente de um meio mais frio para um meio mais quente, isso resulta em dizer que os processos naturais têm um sentido natural. Em outras palavras, em um sistema isolado, a entropia sempre tende a aumentar. A polêmica vem quando tentamos aplicar a poderosa lei da entropia para sistemas abertos, como os ecossistemas. Os seres vivos contrariam a lei da entropia? Tudo realmente tende ao caos?
Esse GIF mostra que a lei da entropia permite com que diferenciemos passado de futuro, imprimindo uma seta ao tempo, visto que seria surreal ver um cubo de gelo se auto fazendo em temperatura ambiente.
Entendido o poder dessa lei, podemos entrar em um tipo de poluição pouco observada: a poluição térmica. Essa poluição ocorre, por exemplo, quando uma indústria pega água à 18 oC de um rio e a devolve a 30 oC. A temperatura age sobre todo o ecossistema do rio, dificultando a sobrevivência e a reprodução e até matando peixes, algas, microorganismos, etc.
O uso de uma das várias propriedades anômalas da água (2), no caso seu altíssimo calor específico, é prática comum entre nós seres humanos modernos. Aproveitamos muito a dificuldade de variação da temperatura da água, por isso é bom não deixar faltar água no radiador do carro, que o custo será alto.
Falando em carros, imagine uma pessoa no centro de Goiânia/GO, às duas da tarde de agosto durante a estação seca, em um carro ligado com ar condicionado “no 12” (oC). Essa pessoa pode estar num conforto climático ótimo, mas pode ter certeza que ela está contribuindo para o inferno na terra para os transeuntes. Para permitir esse gradiente térmico de até 40oC (diferença entre a temperatura de fora e a temperatura de dentro), o consumo de combustível aumentou consideravelmente e o motor está “a todo vapor”.
Uma coisa que poucas pessoas sabem é que o rendimento de um motor a combustão (como o dos carros) é menor que 30% (3). Ou seja, de cada litro de combustível que você coloca, apenas 220mL são inteiramente convertidos em trabalho para movimentar o carro (e manter o ar condicionado funcionando). O resto é perdido em calor, ruídos, e atrito!
Fazer com que motores a combustão trabalhem para tirar o calor de latas de metal e vidro, aumentando a temperatura do entorno para abaixar a temperatura interna, é uma injustiça energética! Não estou aqui pedindo o fim do ar condicionado nos carros, estou ressaltando o quanto é egoísta um hábito tido como comum e ordinário. É lógico que essa é uma das menores injustiças no nosso país, mas pelo menos você verá com outros olhos o hábito de algumas pessoas que vestem seu terno pela manhã e pulam de um ar condicionado para outro o dia inteiro.
No mundo em que vivemos, energia é poder, e shoppings têm consumo de municípios inteiros (4)! Portanto, para aqueles que acham que a solução para sobreviver ao intenso calor de fevereiro no sul ou à estação seca do centro-oeste é comprar um ar condicionado, tente pensar melhor. As cidades já têm concreto e asfalto para reter calor e paliteiros de prédios para evitar ventilação. As frotas de carros refrigerados e as casas com ar condicionado são luxos na maior parte das vezes.
Ninguém aqui está advogando que as pessoas devem aguentar o calor encharcando suas roupas e ficando fedidas. Aqui o exercício é de colocar foco na poluição térmica, onipresente nas cidades, para então praticarmos medidas de melhoria ambiental para toda a população. Mirem-se nos exemplos das árvores. Fornecem sombra ao longo do dia e evapotranspiram vapor de água à noite, fixam carbono e alimentam as nuvens.
Para solucionar problemas, o primeiro passo é identificar o problema e sua causa, e com isso agir nas causas dos problemas. Se sabemos que a lei da entropia é tão poderosa que imprime uma seta ao tempo, temos de nos libertar das máquinas à combustão e aprender com as árvores. Aproveitar a fonte energética primordial, de mais alta qualidade, o sol, para criar ambientes agradáveis e abundantes, e nos libertarmos da dependência de combustíveis fósseis para travar uma ingrata luta contra a entropia.
Lembrando Ailton Krenak, sustentável é o voo das aves, um instante depois que passam não há mais rastro nenhum (5). Nós, humanos, podemos buscar reduzir nosso impacto negativo e aumentar os impactos positivos, usando os equipamentos da era dos combustíveis fósseis para acelerar o reflorestamento e uma agricultura de base ecológica e agroflorestal, usar a inteligência humana, para aproveitar a lógica da natureza, como construções com conforto térmico e ventilação cruzada e a radiação solar para esquentar água pro banho e desidratar alimentos. Entendendo a dança da natureza e a dinâmica do calor, vamos resistindo à poluição térmica.
NOTAS
1 O que é poluição, por Wikipedia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Polui%C3%A7%C3%A3o
2 A água, segundo a pesquisador Marcia Barbosa, possui 72 anomalias: https://www.if.ufrgs.br/~barbosa/Publications/Outreach/water-portuguese.pdf
3 Sobre Rendimento de motores a combustão. https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/enem/2015/07/20/noticia-especial-enem,670313/motores-de-carro-e-baixo-rendimento.shtml
4 O consumo de energia elétrica do maior shopping de Goiânia é maior que o consumo de um município de 30 mil habitantes, como Goiatuba/GO. Esse consumo se dá em grande parte pelo sistema de refrigeração de toda sua área interna.
5 https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/vida-sustentavel-e-vaidade-pessoal-diz-ailton-krenak/
Na foto de Andrew Aitchison, um montão de aparelhos de ar condicionado em Hong Kong, imagem que ilustra a grande reportagem do The Guardian (UK), “The air conditioning trap: how cold air is heating the world”:
Publicado em: 10/04/22
De autoria: André Baleeiro
Este texto me fez lembrar uma máxima que nós eletricistas conhecemos tão bem: “converter eletricidade em calor equivale a transformar uma forma nobre de energia para uma forma nada nobre”. Usar combustível fóssil para obter calor ou frio deve ser uma dessas formas de conversão nada recomendáveis como mostra o texto.
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Antônio Cesar Baleeiro Alves
Comentou em 10/04/22