O NATAL DOS DESAJUSTADOS
Aqueles que sabem ser uma fraude da branquitude
O Jesus ariano e de olho azul que ’tá no cartão postal
E que por provocação apontam a possível verdade:
“O Jota Cê de vocês na real era palestino e negão!”
Aquelas que se recusam a abraçar o tio fascista
Que vai votar de novo no Capitão Cloroquina
E que não acham que laços de consanguinidade
Obriguem-nos a passar pano pra cúmplices d’um genocida.
Aqueles que olham os perus mortos
Triturados entre os dentes alheios
E calam suas críticas aos carnistas
Pra não serem execrados como veganchatos.
Aquelxs que são dissidentes de gênero,
E que a família tradicional rechaça
Com a fobia empoderada dos pretensos normais,
Sendo assim expelidos do excludente Cisthmas.
Aqueles desprovidos de fé em Papai-do-Céu
E que dizem “Jesus nunca fez nada por mim!
Por que eu deveria comemorar o níver dele?”
E que são esbofeteados ao proferirem blasfêmias assim.
Aquelas que estão cansados da mesmice aporrinhante
Dos ritos sempre repetidos à exaustão e sem inovação
E que só enxergam com tédio bocejante
A ressurgência dos Papais Noéis de sempre.
Aqueles que sentem pouca vontade de sorrir
Nas fotos de família onde antes do flash
Todos devem dizer cheese, não importando
Quão fake possam ser os sorrisos Colgate.
Aquelxs que se sentem reprovados no teste
Da Sociedade Careta celebrando tradições
E que lêem a nota zero nos olhos repreensivos
Dos sacrossantos guardiões da lei e da ordem.
Aquelas que acham que é ok não estar ok
E desejam dar boa acolhida à melancolia
Mas são xingadas de feias e desagradáveis:
“Menina, tira da cara este rosto-de-velório!”
Aqueles que estão acordados para o mundo
E não recalcam saber de suas muitas mazelas
Mas que só faltam ser crucificados pelos positivistas:
“Morte aos mensageiros de más notícias!”
Aquelas que não crêem que amor significa comprar,
Nem que afeto se mostra com muita dívida no cartão de crédito,
E que não podem esquecer que a árvore de natal de milhões
Está repleta de vazio e rodeada por barrigas roncando.
Aquelxs que escrevem poemas dissonantes e horríveis,
Que nunca serão lidos por quase ninguém,
E se o forem será para serem condenados como
Os perigosos frutos palavrais de uma mente psycho.
Todos aqueles, aquelas e aquelxs que padecem no desajuste,
Ovelhas negras no alvo rebanho do conformismo,
Acordes dissonantes na sinfonia da mesmolatria,
Gostaria eu que estes versos propiciassem insight:
Os desajustados são legião, ainda que não o saibam.
Se fosse aglomerada toda esta solidão, que multidão!
Poderíamos até ter a força de decretar a extinção
Deste Natal martirizante imposto pelos caretas de plantão.
Seríamos tantos no desajuste que os ajustados se assustariam,
A normalidade perderia um pouco de sua arrogância,
E até os pregadores da positividade tóxica poderiam calar-se
Por instantes para ouvir nosso brado de discórdia.
Publicado em: 26/12/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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