Originalmente publicado no portal Jornalistas Livres
Com quase 500.000 óbitos registrados no país, deflagrou-se em 29 de Maio de 2021 o maior protesto contra o desgoverno bolsonarista durante todo o período pandêmico: em cerca de 200 cidades brasileiras, estima-se que mais de 420.000 cidadãos saíram às ruas contra a tirania obscurantista do Capitão Cloroquina e sua estratégia genocida. Foram as maiores manifestações de massa desde o Tsunami da Educação que ergueu sua maré libertária no primeiro semestre de 2019.
“É comida no prato, vacina no braço e fora Bolsonaro!” – sintetizou as pautas da mobilização Manu Jacob, do PSOL, candidata à prefeita de Goiânia no último pleito. Ao seu redor, tremulavam bandeiras de partidos (sobretudo UP, PT, PCdoB e PSOL), de centrais sindicais, além de inúmeras faixas e cartazes de revolta: “Bolsonaro, você tem o sangue de 450.000 brasileiros em suas mãos!”, lia-se em uma delas.
Manifestantes mascarados levaram ao centro de Goiânia, em passeata que foi da Praça Cívica até a Praça do Trabalhador, inúmeras pautas defendidas pela mobilização: “Vida, Pão, Vacina e Educação!”, “Mais Livros, Menos Armas!”, “Ciência Salva Vidas!”; “Tira a Mão da Federal!”, dentre outras. A recorrência da demanda por “comida no prato” indica toda a indignação social com o vergonhoso retorno do Brasil ao Mapa da Fome (de onde havíamos saído em 2013).
Em grandes faixas alvinegras, insuflava-se a “Unidade Popular Contra o Fascismo” e afirmava-se que “A revolução será feminista ou não será” (como expressou o movimento de mulheres Olga Benário). Ativistas do movimento LGBTQ+ denunciavam em altos brados um governo “LGBTfóbico e que desrespeita todos os setores vulneráveis da sociedade”. Ativistas da Frente Povo Sem Medo e do MTST destacavam que “morar dignamente é um direito humano”, enquanto o grupo GEA Anarquista faziam tremular pelas ruas a promessa de “levar combustível para a sua barricada”. Uma gigantesca bandeira Palestina também passeou pela Avenida Goiás levada a várias mãos, em solidariedade ao povo palestino que era massacrado por mais uma ofensiva do sionismo israelense.
Mauro Rubem, eleito vereador de Goiânia pelo Partido dos Trabalhadores, tomou a palavra para fazer ressoar pelas rua, através do carro-de-som, o compromisso com a “defesa do ensino público, das universidades, da saúde, do patrimônio do povo brasileiro, e principalmente em prol de um país sem ódio, com democracia e respeito ao povo.” Durante o ato, midiativistas dos Jornalistas Livres Goiás realizavam cobertura ao vivo (veja também), entrevistando cidadãos em meio aos fluxos humanos em que se manifesta na prática o Direito à Cidade de que nos fala Lefebvre.
Enquanto isso, a polícia militar acompanhava o ato com aparato repressivo considerável, inclusive a temida cavalaria, ostentando armas e cassetetes em punho: apesar de não termos vivenciado nada tão brutal como a repressão em Recife, a PM de Goiânia perpetrou alguns episódios de agressão a jornalistas como Heitor Vilela, Victor Hidlago e Marcus Vinícius Beck, dentre outros camaradas, tal como denunciado em editorial do Jornal Metamorfose e flagrado em fotos de Aleotti.
Como bem lembrou o Jornal Metamorfose, “não surpreende que Goiânia seja palco de infrações à imprensa, afinal há menos de um mês o coronel Wellington de Urzêda Motta (ex comandante do BOPE e conhecido por sua proximidade a grupos de extermínio dentro das operações especiais da PM-GO) assumiu como Secretário Executivo na Secretaria de Relações Institucionais na prefeitura de Rogério Cruz (Republicanos).”
Além disso, recentemente o jornal O Popular revelou que “só uma a cada 200 mortes por intervenção policial em Goiás vira processo na Justiça”, o que acarretou perseguição aos jornalistas autores da reporagem. O caso foi objeto de importante reportagem da Ponte e uma “nota de repúdio ao sigilo de dados sobre a letalidade de ações policiais em Goiás e de apoio ao advogado Alan Kardec e ao jornalista Thalys Alcântara”, publicada pelo Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno e assinada por dezenas de entidades.
Dias depois do #29M, o professor Arquidones seria preso em Trindade/GO por trazer em seu carro a mensagem “Fora Bolsonaro Genocida”, tendo sido libertado depois de pressão dos movimentos sociais.
Multitunidário e diverso, o ato reuniu o instituído (centrais sindicais, partidos políticos, autoridades públicas eleitas) com as forças autonomistas (anarquistas, antifas, coletivos estudantis etc.), todos unidos no rechaço ao governo que vem produzindo a morte e o adoecimento em massa de nosso povo devido a seu “terraplanismo sanitário” (Sakamoto). Em uma grande faixa vermelha, lia-se em letras garrafais: “Nem fascismo, nem democracia dos ricos, poder popular!” Em outra faixa, Paulo Guedes era adjetivado como “ladrão” e Moro & Dallagnol como “estelionatários”, enquanto bandeiras e camisetas reafirmavam um bordão da última temporada: “Lula Livre” (e candidato). Na camiseta de uma manifestante, o pensamento do dramaturgo e poeta Bertolt Brecht marcava presença, fazendo refletir: “A corrente impetuosa é chamada de violenta, mas o leito de rio que a contém ninguém chama de violento.”
Tudo indica que chegou a hora do fluxo incontenível de um tsunami de indignação popular que voltará às ruas pelo #ForaBolsonaro genocida (e toda sua corja) em 19 de Junho. Se um povo delibera por sair às ruas para protestar em meio à pior pandemia do século 21, como muitos manifestantes destacaram recentemente nas ruas do Brasil e da Colômbia, é certamente pois o governo é mais perigoso que o vírus.
Confira um pouco do que rolou no ato na capital de Goiás neste documentário produzido por A Casa de Vidro Ponto de Cultura e CMI (filmagem e montagem: Eduardo Carli de Moraes, que também assina o texto que você acaba de ler; o filme inclui fotografias de Marcos Aleotti e Katira, além de músicas da Pitty e do Edu Lobo cantando Chico Buarque):
Publicado em: 07/06/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia