“Bolsonaro está para o caos como o peixe está para a água. Sem caos, ele morre asfixiado.” Fernando de Barros e Silva, Revista Piauí, #173
Mais de 240 mil cidadãos brasileiros reduzidos ao status de cadáveres durante a pandemia não nos deixam mentir: “o atual presidente falhou inapelavelmente”, como escreve o filósofo Marcos Nobre em “Ponto Final – A Guerra de Bolsonaro Contra a Democracia” (Todavia, 2020, pg. 62).
O Brasil tornou-se o segundo país no mundo com maior número de óbitos por covid19, atrás apenas dos EUA desgovernado pelo Trumpismo, pois “Bolsonaro jogou fora o tempo precioso que nos tinha sido dado pela experiência de outros países para preparar o Brasil para enfrentar a crise. (…) Bolsonaro tem de ser e será responsabilizado pelas atrocidades que cometeu e comete. Mas a sobrevivência das pessoas vem antes de acertar as contas com um presidente irresponsável e desumano.” (pg. 63)
Com seu desdém raivoso contra a democracia, aquele que foi por 4 mandatos um deputado federal do baixo clero, desavergonhado parasita das mamatas e privilégios de seu cargo, completamente incompetente para a administração pública, analfabeto em economia e sociologia, acabou se mostrando um dos estadistas mais atrozes do mundo no manejo da pandemia: Bolsonaro, usando o caos como método, insistiu em negar a gravidade da doença (“um resfriadinho”) e “lutou contra qualquer organização do sistema para combatê-la”:
“A resposta federal em termos de reorganização do sistema de saúde foi ainda mais insuficiente e caótica, estados e municípios entraram em um cada-um-por-si altamente ineficiente. Todas as iniciativas ficaram a meio caminho. E foram inteiramente descoordenadas.
A insuficiência e o caráter errático e não poucas vezes deletério das medidas tomadas, somadas às incontáveis omissões do governo Bolsonaro, tendem a resultar em algo mais grave ainda do que o colapso institucional. Tendem a produzir o caos social, com multidões nas ruas por falta de alternativa, em desespero, em busca dos itens básicos para sua sobrevivência que lhes têm sido negados. Foi o que Bolsonaro encomendou ao montar seu governo de guerra.” (NOBRE, p. 64).
O show de horrores perpetrado por este sujeito extremamente irresponsável tem vários episódios marcantes – como lembra Marcos Nobre, “mesmo depois de os números oficiais já terem superado os milhares de mortes – números sabidamente muito subestimados -, Bolsonaro continuou a produzir aglomerações e a distribuir abraços e selfies. Transformou em um ritual macabro dos domingos ir a atos públicos em que manifestantes exigem coisas como um novo AI-5, o fechamento do Congresso e do STF, uma intervenção militar. Bolsonaro ataca governadores e prefeitos que adotam medidas de isolamento social, quarentenas e lockdowns, recusa-se a apresentar um plano de emergência econômica à altura da necessária sustentação de pessoas e empresas. Por que agiu dessa forma?… Por fidelidade a seu projeto autoritário.” (NOBRE, pg. 12)
Encarnação contemporânea do neofascismo e sua necropolítica (para citar o conceito do pensador camaronês Achille Mbembe), o Bolsonarismo pratica atrocidades em série pois é incapaz de qualquer sensibilidade mais apurada diante da vida humana. Bolsonaro é o sintoma de uma doença que acomete aqueles que tiveram seus corações petrificados a ponto de nada sentirem (“e daí?”) diante da morte de 200.000 compatriotas cujas vidas e saúdes o líder da seita direitista-militarista preferiu desprezar.
O “governo de guerra” ao qual se refere Marcos Nobre não se refere a uma guerra contra o novo coronavírus – pelo contrário, Bolsonaro e seus sectários são os melhores aliados da doença e diretamente responsáveis pelas mais de 5 milhões e 516 mil contaminações oficiais (registradas pela COVID-19 Map da Johns Hopkins Coronavirus Resource Center no início de Novembro.). A guerra de Bolsonaro é contra a democracia, a laicidade, a ciência – e também contra uma administração pública realizada por civis.
Em março de 2020, no início do avanço da pandemia no país, reportagem de Leandro Cavalcanti já revelava: nada menos que “2897 integrantes ativos das Forças Armadas tinham sido cedidos para ocupar cargos na administração pública. A mesma reportagem mostrou que de julho de 2019 a fevereiro de 2020, aumentou em quase 66% a presença de integrantes da ativa do Exército cedidos à administração pública.” (Nobre, p. 51)
O próprio Ministério da Saúde esteve, pelo maior período da aguda crise em que contávamos mais de 1.000 vidas perdidas dia após a dia, ocupado pelo general Pazuello, aquele que em Outubro de 2020 admitiu: antes de assumir o cargo “nem sabia o que era SUS”. (Fonte: CNN Brasil)
Para efeitos de comparação, a China tem hoje menos de 5.000 mortes por covid19, ainda que sua população seja de mais de 1 bilhão e 300 milhões de seres humanos. O Brasil, com uma população bem menor, entra em Novembro de 2020 com 160.000 vidas oficialmente perdidas (nunca saberemos o tamanho da subnotificação, ou seja, da ocultação de cadáveres? Precisaremos de uma nova Comissão da Verdade para des-ocultar o que o Bolsonarismo hoje se esforça por esconder?). E não surge nenhum sinal de que o ocupante ilegal da presidência da república esteja aprendendo a manejar melhor a máquina pública para uma melhor resposta à pandemia.
Pelo contrário, o garoto-propaganda da cloroquina, que injetou milhões de reais no Exército para que este fabricasse um remédio que nenhum país hoje utiliza a sério contra o novo coronavírus, só se interessa por seu próprio umbigo: seu interesse supremo, hoje em dia, é safar sua família de ser devidamente punida pela Justiça.
Tudo isto não deveria surpreender a ninguém que tenha compreendido o papel abjeto que teve Seu Jair na “parlamentada” que depôs Dilma Rousseff em 2016: ele foi, evidentemente, um dos mais ferozes deputados favoráveis ao Golpe e votou “sim” na sessão do impeachment elogiando Ustra, o Exército de Caxias e os milicos de 64. Com sua boca sádica quis re-torturar Dilma para gozo dos que sedentos de crueldade: agradou a machos misóginos e homofóbicos, a supremacistas brancos ultra-racistas, a armamentistas incapazes de diálogo e deliberação, a latifundiários e mega-capitalistas empedernidos na sua negação da expansão dos direitos à população mais vulnerável etc.
Bolsonaro, obviamente, só foi tão feroz em sua participação na parlamentada que trouxe abaixo a segundo mandato de Dilma Rousseff pois ele, como boa parte de seus colegas que votou “sim”, estava temendo ir para trás das grades por rachadinhas e outras mutretas de desvio criminoso de dinheiro público para as contas privadas do clã familiar. Presidida por um Eduardo Cunha que logo seria preso, aquela Câmara estava repleta de réus por roubo de verbas públicas. Como diz Nobre, “a deposição de Dilma foi um movimento de autofagia, uma parte do sistema pretendendo entregar a outra aos leões do lavajatismo para tentar salvar sua própria pele.” (p. 67)
O Lava Jatismo, esta perversão da Justiça que permitiu ao aparato do Judiciário agir como partido político, utilizando todas as armas da lawfare para dar uma dupla apunhalada na democracia brasileira, estendeu um tapete vermelho para a ascensão de Bolsonaro. Foi preciso inventar a fraude jurídico-midiática do impeachment sem nenhum crime de responsabilidade (Dilma, lembremos, foi derrubada sob o pretexto de manobras contábeis bastante costumeiras na administração pública conhecidas por “pedaladas fiscais”) e depois pôr em movimento a grotesca maquinaria que encarcerou Lula em 2018, num processo kafkiano repleto de convicções e vazio de provas, impedindo que estivesse nas urnas o candidato que todos os polls indicavam que venceria.
Segundo Nobre, “o sistema político viu todo o período pós-Junho de 2013 como um tempo de grande insegurança e ameaça – e não como oportunidade para um salto institucional. A insegurança e o medo levaram a que esse período se transformasse, a partir de 2014, em um período de autofagia, de autodestruição institucional. Porque, sem se reformar, as instituições políticas já não conseguiam resistir como instituições, apenas como grupos em luta pela própria sobrevivência. Foi nesse ambiente que o sistema político decidiu entregar um pedaço de si próprio ao linchamento público. A ideia era fazer um sacrifício que parecesse suficiente para apaziguar as redes sociais e salvar a pele dos demais. Foi o que levou à parlamentada que destituiu Dilma Rousseff em 2016. A resposta da política oficial ao colapso institucional foi lançar mão da tática do boi de piranha. EM 2016, entregou o boi enfraquecido e desgastado do PT ao lavajatismo para tentar passar o resto da boiada em outro ponto do rio…” (p. 41)
Hoje, Bolsonaro, partícipe e herdeiro do golpismo triunfante (por enquanto…) de nossa tétrica Elite do Atraso, já foi denunciado ao Tribunal Penal de Haia, na Holanda, por incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade. O fato de sempre ter agido como um irresponsável não o fará escapar, em seu devido tempo, à responsabilização. A questão que os cidadãos brasileiros tem que se fazer a sério é: o que estamos esperando? A criminalidade irresponsável do Bolsonarismo precisa produzir quantos milhares de cadáveres a mais até que despertemos, como povo, para retomar o poder instituinte e constituinte em nossas mãos, depondo a necropolítica genocida que se encarna na execrável figura de Jair Bolsonaro?
Enquanto ele ali permanecer, o slogan “nossa bandeira nunca será vermelha” será sempre falso: com o Bolsonarismo empoderado, o Brasil estará mergulhado por muito tempo num oceano de sangue humano. Pisando sobre os crânios, Bolsonaro seguirá xingando maranhenses de boiolas, insultando japoneses por terem pênis pequeno, dizendo a mulheres que não as estupra pois elas não merecem, entre outras atrocidades.
Assim como Trump, cuja desastrosa governança conduziu os EUA a mais de 9 milhões de contaminações e mais de 230.000 mortes pandêmicas, Bolsonaro só está nesta posição de poder pois conseguiu tornar-se “famoso”, uma celebridade midiática, uma estrela do Zapistão, ainda que para isso tivesse que proferir extremismos autoritários que fazem urrar sua torcida. Trump e Bolsonaro são presidentes mass-midiáticos de novo tipo, que jogam para a platéia de alienados, oferecendo à manada de analfabetos políticos a possibilidade de uma ilusória participação:
“Estar em um grupo de WhatsApp e se juntar a milhares de outras pessoas para apoiar, esculachar ou exigir a cabeça de alguém produz o sentimento de participar diretamente da política. Para qualquer pessoa que tenha familiaridade com a política institucional, parece evidente que essa é uma participação ilusória, na medida em que apenas reforça a figura do chefe, sem democratizar de fato as estruturas fundamentais da política. Mas para a base social bolsonarista, que considera nunca ter tido acesso aos ambientes de decisão política, em qualquer nível, isso provoca um êxtase participativo sem precedentes. A maneira de Bolsonaro operar via redes sociais cria a sensação de participar efetivamente da vida política, do governo. E mesmo que limitada, a capacidade desse tipo de atuação influenciar o rumo tomado por Bolsonaro não deve ser menosprezada.” (Nobre, p. 60)
Bolsonaro depende do fanatismo de uma horda de seguidores sectários apegados ao “Mito” que não passa de um reles mitomaníaco. Os Minions, apesar de seu analfabetismo político, decorrente também de uma falta de formação educativa que os alçasse à cidadania plena (esta exige o exercício das capacidades críticas e das práticas participativas no governo do comum), querem de algum modo participar. Ainda que seja através da participação ilusória de repassar um meme de ódio contra minorias que circula no WhatsApp. Ainda que seja participar de uma horda furiosa de sádicos supremacistas ou de machomen odiadores de bichas e feministas.
Caberá à nós forjar um outro contexto onde a participação social possa se dar por outras vias: pela intensificação dos processos democráticos de consulta direta, pela proliferação de conselhos populares, pela explosão de criatividade cívica, pela multiplicação de plebiscitos etc. Como escreve Vladimir Safatle, que faz companhia a Marcos Nobre entre os mais importantes filósofos políticos do país:
“A democracia depende de um aprofundamento da transferência de poder para instâncias de decisão popular que podem e devem ser convocadas de maneira contínua. (…) Com o desenvolvimento das novas mídias, é cada vez mais viável, do ponto de vista material, certa “democracia digital” que permita a implementação constante de mecanismos de consulta popular. (…) O verdadeiro desafio democrático consiste em criar uma dinâmica plebiscitária de participação popular.
Tal dinâmica é desacreditada pelo pensamento conservador, pois ele procura vender a ideia inacreditável de que o aumento da participação popular seria um risco à democracia – como se as formas atuais de representação fossem tudo o que podemos esperar da vida democrática. Contra essa política que tenta nos resignar às imperfeições da nossa democracia parlamentar, devemos dizer que a criatividade política em direção à realização da democracia apenas começou. Há muito ainda por vir.” (SAFATLE, Vladimir, “A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome”, Ed. Três Estrelas, 2012)
A re-democratização volta a ser uma tarefa a realizar no país pós-democrático que emerge dos escombros da democracia colapsada em 2016. Isto exige um movimento cívico robusto que deponha Bolsonaro do cargo para o qual nunca esteve à altura e no qual cometeu graves e atrozes atentados contra a saúde coletiva, desnudando todo o seu desprezo pela vida humana – “ele representa a normalização do estado de crise, a transformação do colapso em forma de governar. (…) No caso da pandemia, Bolsonaro levou o caos como método ao limite.” (NOBRE, pg. 21)
A expressão “caos como método” é perfeita para descrever também a desastrosa política econômica propugnada pelo Sr. Paulo Guedes, fã confesso da ditadura militar imposta pelo general Pinochet ao Chile após o golpe de 11 de Setembro de 1973. O desmonte do Estado de Bem-Estar Social, o colapso dos serviços públicos de caráter “assistencialista”, é o fanatismo particular de Guedes, líder de uma seita de endinheirados que vê o mercado financeiro como deus e deseja impor um Estado mínimo em prol dos lucros máximos do 1% no topo da pirâmide:
“É um liberalismo que só funciona para estimular e justificar as práticas mais selvagens de parte da base bolsonarista. É um ‘liberalismo’ que se coaduna perfeitamente com a ausência de regulação ambiental, com desmatamento, garimpo em terras indígenas, uso indiscriminado de agrotóxicos, supressão de toda proteção social que for politicamente viável suprimir, militância pela suspensão do isolamento e das quarentenas para tentar conter a taxa de transmissão e de contágio pelo Sars-CoV-2, estímulo à retomada imediata de toda atividade econômica em pleno pico de transmissão pandêmico…” (NOBRE, p. 26)
Após o “não pense em crise, trabalhe!” do regime Temer, agora estamos no “não pense em vírus, trabalhe!” do regime BolsoGuedes que ofereceu de mão beijada 1 trilhão para os banqueiros e apenas migalhas para o povo crescentemente esfomeado e desempregado. Não parece haver limite para a crueldade de um desgoverno que banaliza a morte e diz “e daí?” para dezenas de milhares de cadáveres evitáveis que sua irresponsabilidade criminosa produziu.
“Cada vida que perdemos traz a dúvida inevitável: será que essa morte poderia ter sido evitada se não fosse a irresponsabilidade e a desumanidade de Bolsonaro com a população de seu próprio país? A raiva desmesurada que desperta o escárnio presidencial pela vida precisa encontrar a sua devida canalização institucional democrática, não pode transbordar no desejo de morte que seria, no fundo, uma confirmação da cultura bolsonarista. Como disse João Cabral de Melo Neto: ‘é difícil defender só com palavras a vida’. É exatamente para isso que temos a política. Tomara que saibamos fazer bom uso dela.” (NOBRE, p. 70)
Artigo escrito por Eduardo Carli de Moraes em 31/10/2020.
Publicado em: 01/11/20
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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Martha Hirsch Aulete
Comentou em 21/12/20