Na aurora do séc. 21 d.C., o Brasil raiava no cenário global como um farol, iluminando caminhos para a transformação: “o outro mundo possível” do Fórum Social Mundial (inaugurado em PoA em Junho de 2001), a eleição de Lula para a presidência da República (em 2002) e a nomeação do artista tropicalista Gilberto Gil como Ministro da Cultura (leia seu discurso de posse) davam o tom a uma proposta de renovação radical da cultura brasileira.
“A multiplicidade cultural brasileira é um fato. Paradoxalmente, a nossa unidade de cultura unidade básica, abrangente e profunda também. Em verdade, podemos mesmo dizer que a diversidade interna é, hoje, um dos nossos traços identitários mais nítidos. É o que faz com que um habitante da favela carioca, vinculado ao samba e à macumba, e um caboclo amazônico, cultivando carimbós e encantados, sintam-se e, de fato, sejam igualmente brasileiros. Como bem disse Agostinho da Silva, o Brasil não é o país do isto ou aquilo, mas o país do isto e aquilo. Somos um povo mestiço que vem criando, ao longo dos séculos, uma cultura essencialmente sincrética. Uma cultura diversificada, plural, mas que é como um verbo conjugado por pessoas diversas, em tempos e modos distintos. Porque, ao mesmo tempo, essa cultura é una: cultura tropical sincrética tecida ao abrigo e à luz da língua portuguesa.” (GIL, 2003)
A diversidade pulsava como valor privilegiado das políticas públicas culturais. Navegando contra a standardização imposta pela indústria cultural para consumo das massas, a proposta da Cultura Viva nascia com a diversidade como seu estandarte. Em uma teia hiperconectada, na era da digitalização, a Cultura era convocada a tornar-se uma força concreta para a expansão da participação social nos assuntos que nos interessam em comum. Pulsando no epicentro destes delírios utópicos estavam os Pontos de Cultura.
A utopia foi sintetizada por Célio Turino em seu livro sobre os Pontos de Cultura: “O Brasil de baixo para cima”. Empoderar na base, des-silenciar os brasileiros costumeiramente silenciados, potencializar a participação social da população usualmente marginalizada – eis alguns dos objetivos dos Pontos. Longe de apenas objeto ou vítima das políticas públicas, longe também de estarem simplesmente abandonadas pelo Estado e entregues ao próprio azar, cada célula do grande organismo de nossa população era convocada a se assumir enquanto cidadão e agente cultural.
Aquela “cultura do silenciamento” e aquela “inexperiência democrática” criticadas por Paulo Freire, e que a Pedagogia do Oprimido nasceu para remediar, estavam com os dias contados: os Pontos de Cultura seriam um espaço para que nascessem os cidadãos empoderados de sua própria expressão e munidos com as ferramentas para que entrassem de cabeça no século XXI.
Como disse o jornalista Julian Dibbell em matéria da revista Wired, uma das mais importantes publicações do mundo sobre tecnologias, o Brasil era identificado mundo afora como “nação open source”. Um país futurível, navegando rumo ao futuro com a ousadia dos que estão abertos a todos os experimentos e renovações.
Trocando em miúdos, nascia uma cultura viva que queria insuflar a chama do ativismo cidadão – para evitar a proliferação, como diz Turino inspirado em Milton Santos, de “deficientes cívicos”, o que ocorre sempre que há a “dissociação entre cultura e educação” (seminário Inteligência.com, Célio Turino e Viviane Mosé, SESI – Assista na íntegra).
Na sua gênese, o Ponto de Cultura é pensado em analogia com práticas e saberes ancestrais: Gil, como veremos, os pensava a partir de um horizonte orientalizante e que ia buscar inspiração na acupuntura (o do-in antropológico), mas Turino gosta de falar que a noção remete a Arquimedes de Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.) (o Sr. “eureka!”) quando disse – “me dê um ponto de apoio e uma alavanca que levantarei o mundo.”
Eliane Costa, em seu livro Jangada Digital, destaca a Cultura 3D e conectada às novidades cibernéticas que desponta com Gil no Ministério (tendo como colaboradores figuras como Hermano Vianna, Claudio Prado, Célio Turino etc.):“O MinC [no governo Lula] incorpora a dimensão da cultura como vetor de transformação do quadro de desigualdade que marca, tanto o cenário específico da cibercultura, quanto o contexto global contemporâneo. (…) Gil sinalizava a concepção da cultura compreendida nas suas três dimensões: 1) cultura como usina de símbolos; 2) cultura como cidadania e direitos; 3) cultura como economia.
(…) Perguntando sobre a forma como o MinC pretendia ‘levar cultura para as favelas’, Gil responde que essas comunidades se expressam de maneira própria, usando tanto a tradição, com o samba e o forró, quanto as tendências internacionais, com o funk e o hip hop. E prossegue: ‘a questão não é só levar cultura à favela, mas também mostrar, para quem não é da favela, a produção cultural da favela’, percepção que o ministro também levava ao Ministério e que 18 meses depois estaria presente na proposta dos pontos de cultura.” (COSTA: p. 146-148)
Após 18 meses de trabalho, o ministro-artista Gil trouxe à público o rebento dos labores de sua equipe no MinC: os Pontos de Cultura nascem em julho de 2004, enquanto carros-chefe do programa Cultura Viva, e já pulsava no cerne da proposta a digitalidade em lugar destacado. Afinal de contas, por “ponto de cultura” Gil queria dizer algo mais profundo do que a palavra “ponto” parece propor: partindo do Oriente e seus saberes sapienciais ancestrais, Gil teve uma epifania que trouxe os princípios da acupuntura direto para o coração deste Ocidente anômalo que somos, Brasil das mil misturas.
O ponto de cultura é análogo ao chakra de um organismo, e a política cultural é comparada a um do-in antropológico. Avesso a qualquer autoritarismo, seja ele estatal ou mercadológico, Gil queria propor um Estado que jamais se arrogasse, com prepotência, a posição de produtor oficial de cultura (ou seja, de uma cultura ideologicamente dirigida). Em sua concepção, o Estado deveria atuar no sentido de estimular – de maneira análoga a uma “massagem”, mas que também pode ser enxergado sobre a metáfora, também médica, da injeção – os “pontos de cultura” a fim de que pudessem brotar e florescer as TEIAS. Estas teias são quase o télos do ponto de cultura: um ponto sai de seu isolamento ao começar a compor esta estrutura maior que é a teia.
O elemento digitalização da cultura entra aí como o fator mais futurível desta equação complexa que Gilberto Gil cozinhou em sua xamânica panela de ministro tropicalista: a entrada da futuridade no presente, no âmbito do Cultura Viva, estava explícita nas políticas culturais que afirmavam a necessidade da presença dos estúdios digitais de produção audiovisual no interior de cada um dos pontos de cultura da teia constitutiva da Cultura Viva brasileira. Preferencialmente rodando software livre e tentando operar em lógicas alternativas às mercadológicas, os estúdios dos pontos de cultura seriam capazes de romper o isolamento sobretudo através das conectividades em rede propiciadas pela Grande Rede Mundial de Computadores.
O primeiro governo Lula, pois, catalisou a emergência do novo, no âmbito cultural, através dos investimentos em cultura digital, a preocupação com a inclusão de mais cidadãos no acesso à Internet, mas não só – pois acesso não é tudo, e o uso descerebrado da WWW pode conduzir a cenários distópicos à la Black Mirror. Em 2020 podemos dar razão a Gil e Lula em 2003: eles viram a necessidade de fazer confluir a inclusão digital, o incremento do acesso à Internet, com uma política pública de cultura, em âmbito nacional, que alavancasse os conteúdos que os meios digitais estariam veiculando – idealmente, estes seriam a expressão da nossa “semiodiversidade” e de nossa “biodiversidade”, como apontou Gil no seu discurso de posse:
“Se há duas coisas que hoje atraem irresistivelmente a atenção, a inteligência e a sensibilidade internacionais para o Brasil, uma é a Amazônia, com a sua biodiversidade – e a outra é a cultura brasileira, com a sua semiodiversidade. O Brasil aparece aqui, com as suas diásporas e as suas misturas, como um emissor de mensagens novas, no contexto da globalização.” (p. 141)
A cultura, neste período-Gil no MinC (2003 – 2008), é pensada de maneira tropicalista e antropofágica, como síntese entre tradição e invenção. Uma constelação de amálgamas que tem justamente isto a propor de melhor ao mundo: a mistura como “fim”, a diversidade como “meio”, o amor por princípio – e se quiserem taquem aí – mas como subsidiários – a ordem e o progresso. Noel já ensinava aos brasileiros que, do slogan positivista de Augusto Comte, os pretensos “fundadores do Brasil independente” haviam censurado o amor enquanto valor. E quem expurga o amor colherá, na real, a desordem e o retrocesso.
Relembremos de quando ainda éramos, ao contrário do que nos tornamos por “cortesia” do Golpe de 2016 e da ascensão fraudulenta do Bolsonarismo, um país referência em inovações ao invés de uma pátria-pária governada por um psicopata genocida à testa da extrema-direita financeirizada…
Relembremos Janeiro de 2003. O primeiro compromisso internacional de Gil é em Cannes, onde participa da grande feira da indústria fonográfica, a MIDEM (Marché International du Disque et de L’Edition Musicale). É um dos grandes episódios da Cultura global no início do Século da Internet – artista popularíssimo no Brasil, Gilberto Gil tinha contrato com a Warner, uma das majors players em um cenário onde a indústria da músical global ainda era dominado por “uma estrutura oligopólica na qual a distribuição e a comercialização são controladas, em grande medida, por quatro grandes majors” (Micael Herschmann em ‘A indústria da música como ‘laboratório’ – ACESSAR OBRA COMPLETA EM PDF).
Gil, na MIDEM, falou que “a diversidade é o nome do sonho”, fazendo a crítica da “estandardização da música, da comida, de outros itens” que a “globalização provocou”: “o grande desafio é promover a inclusão da diversidade, do que não é standard” (21/02/2013, cf. COSTA, p. 148).
No mesmo evento, John Perry Barlow realiza uma conferência que impactará o ministro-artista. Um dos fundadores da Electronic Frontier Foundation e autor da Declaração de Independência do Ciberespaço (1996), Barlow revelava seu sonho de democracia radical na era da hiperconexão digitalizada:
Barlow, em seu texto A Economia das Ideias: vendendo vinho sem garrafas, “defendia a concepção de que a propriedade intelectual esteve, historicamnete, associada não às ideias dos criadores, mas à materialização dessas ideias; isto é, ao livro, por exemplo, e não ao pensamento ali veiculado – ou, como preferiu o autor, à ‘garrafa’ e não ao ‘vinho’. Tendo o processo de digitalização retirado as ‘garrafas’ do campo físico, ter-se-ia criado um contexto em que o ‘vinho’ poderia, em seu entender, ser compreendido como propriedade coletiva da humanidade.” (COSTA, p. 149)
Escreve Barlow: “Se a nossa propriedade pode ser infinitamente reproduzida e instantaneamente distribuída em todo o planeta, sem custo, sem nosso conhecimento, sem mesmo deixar de ser nossa, como vamos protegê-la? Como vamos ser pagos pelo trabalho que fazemos com nossas mentes? E, se não podemos ser pagos, o que garante a continuação da criação e distribuição de tal trabalho? Desde que nós não tenhamos uma solução para o que é um tipo de desafio profundamente novo e estejamos aparentemente incapacitados a impedir a galopante digitalização de tudo que não seja obstinadamente físico, nós estaremos navegando para o futuro num navio que afunda. Este navio, a lei do copyright e das patentes, foi desenvolvido para lidar com formas e meios de expressão inteiramente diferentes da carga vaporosa que ele agora tem que transportar. Está fazendo água tanto de dentro como de fora. Os esforços para manter o velho navio flutuando são de três tipos: uma frenética rearrumação das cadeiras no convés, um aviso aos passageiros de que se afundarem serão penalmente processados, ou um simples e sereno ignorar o que se passa.” (BARLOW, apud COSTA, p. 150)
Certamente, o MinC pilotado por Gil não quis ser este “navio que afunda” por estar demasiado apegado aos velhos paradigmas impostos pela indústria cultural. Rodeado de figuras como Claudio Prado – que adora citar a frase de Leary, “o computador é o LSD do século XXI” – e Sérgio Amadeu – que entrou em choque com a mega-corporação Microsoft, o ministério Gilberto Gil investiu pesado em Cultura Digital, copyleft, creative commons, alternativas à velha lógica dos proprietários de garrafas que desejam também manter o vinho sobre seu controle.
Após 30 anos na Warner, sua gravadora entre 1977 e 2007, Gilberto Gil promove uma ruptura com “o velho sistema” das majors fonográficas. Aberto à cultura hacker, praticante do remix e do sampler antes mesmo de se popularizarem (vide “Parabolicamará”, remixagem de versos tradicionais de capoeira), Gil foi um dos primeiros músicos de relevância global a disponibilizar uma música – “Oslodum” – em licença Creative Commons, permitindo a apropriação criativa – como fez o DJ Tudo. (cf. COSTA, pg. 189-190).
“Como artista e cidadão do mundo, vejo na cultura o espaço para o encontro de países, credos, etnias, sexualidades e valores, na cacofonia de suas diferenças, no antagonismo de suas incompatibilidades, na generosidade de um lugar comum, algo que nunca existiu, mas sempre foi sonhado por aqueles que deixam seu olhar se perder no horizonte.” (GILBERTO GIL, apud COSTA, p. 215)
O horizonte é justamente o local onde projetamos a utopia para caminhar em direção a ela: o Ministro tropicalista, habitado pela contradição frutífera entre o litorâneo e o continental, entre o vasto mar a navegar e as raízes a nutrir sobre um torrão de terra, trouxe de fato a Cultura Viva dos muitos Brasis para o epicentro do contemporâneo: foi o primeiro Ministro da Cultura Hacker, o primeiro Ministro da Cultura Hippie, o primeiro Ministro da Cultura Oswaldiana antropofágico…
Em aula magna na USP, em Junho de 2004, Gil retoma sua epifania do do-in antropológico que fundamenta a proposta dos Pontos de Cultura, sempre destacando a importância da Cultura Digital e o quanto é indispensável que os Pontos estejam equipados com estúdios de produção audiovisual plenamente digitalizados, conectados e rodando software livre. A “Cultura Digital”, escreve Eliane Costa, é “conceito transversal na ação do Ministério e propulsor de sua redefinição” (p. 203), o que Gilberto “Cérebro Eletrônico” Gil explica assim:
“Atuar em Cultura Digital (…) transforma o MinC em Ministério da Liberdade, Ministério da Criatividade, Ministério da Ousadia, Ministério da Contemporaneidade, Ministério, enfim, da Cultura Digital e das Indústrias Criativas. Cultura Digital é um conceito novo. Parte da ideia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte.” (GIL na USP, 2004, apud COSTA, p. 204)
Este desejo de democratização radical dos bens culturais manifestou-se no delírio utópico que Gil, Claudio Prado e outros da trupe chegaram a se mobilizar para tentar fazer acontecer: uma mega-biblioteca de arquivos digitais à la MP3, disponível para download gratuito, contendo toda a produção histórica da música brasileira… Defendendo a cultura do remix, do sample, do hacking cultural, apostando no “entusiasmo brasileiro pela miscinegação, pelo que é híbrido, transcultural, créole, mestiço e outros termos que falam de nossa aptidão para a mistura” (op cit, p. 206), Gil foi um Ministro da Cultura ímpar e irrepetível.
Sem dar um pause total em sua carreira artística – nos anos do Ministério, conseguiu seguir compondo e lançou álbuns, a exemplo do Banda Larga Cordel (2007, 1h12min) -, Gil soube utilizar sua posição institucional para avançar novos paradigmas para o trato contemporâneo com direitos autorais e indústria cultural. Um bom exemplo disso é a participação entusiástica do Ministrartista (com o perdão do neologismo) em projetos como o CD publicado pela Revista Wired, chamado Rip. Sample. Mash. Share. (pegue, extraia, misture, compartilhe).
Este é um álbum histórico por muitas razões: em 2004, quando saiu, foi o primeiro álbum licenciado com Creative Commons (invenção de Lawrence Lessig), ou seja, todos os artistas participantes abdicavam do direito autoral tradicional e autorizavam o re-uso, o re-mix, a re-criação de suas obras. Hoje disponível na íntegra no Internet Archive, o disco veio junto com a edição da revista Wired que trazia os Beastie Boys – autores da faixa de abertura do CD, “Now Get Busy” – sendo “bestialmente” contraculturais e contrahegemônicos ao conclamar: fight for your right to copy.
O CD trazia artistas como Chuck D (Public Enemy), David Byrne, Le Tigre, Thievery Corporation, Spoon, The Rapture, Paul Westerberg (The Replacement), My Morning Jacket, Cornelius, DJ Danger Mouse – além de dois brasileiros, Gilberto Gil e DJ Tudo. Cerca de 750.000 cópias do CD foram distribuídas e a Wired ainda promoveu um “concurso de remixes feitos pelo público que seriam lançados, em seguida, em um novo CD” (COSTA. p. 206)
Tal era o nível de entusiasmo de Gil pelas novas tecnologias em clash com o velho poder das majors fonográficas. Hoje, com a pervasiva presença do digital em nossas vidas, tendemos a esquecer ou banalizar a opção ético-política que representou a deliberada escolha pela Cultura Digital durante o Ministério Gil-Juca. Os Pontos de Cultura, antes chamados de B.A.C.s (Bases de Apoio à Cultura), representam este projeto utópico de instaurar, enquanto política pública, um fomento estatal da apropriação criativa das novas ferramentas tecnológicas de produção cultural.
As atitudes de Gil demonstram o desejo de superar a rigidez das velhas regras, a caducidade dos velhos poderes, aqueles que não perceberam ainda que o vinho da cultura pode circular hoje sem depender das velhas garrafas que os mercantilistas insistem em tratar como mercadoria, propriedade e pretexto para a apropriação privada de capital. Como diz Claudio Prado, “as gravadoras brasileiras trancaram o mundo da música da mesma forma que a Microsoft trancou o mundo do software” (cf. COSTA, p. 168), e isso vale também para as gravadoras gringas, as majors, que sempre atuaram no sentido de barrar a emergência de uma cultura digital livre (o Napster que o diga).
A essência dos Pontos de Cultura, que maturaram a partir da semente dos B.A.C.s, estava no aproveitamento do tremendo potencial da internet, “o maior engenho de comunicação que já existiu”, como diz Prado: “o século XXI será marcado pela Cultura Digital e estamos vivendo o parto dessa nova era.” (p. 173)
Na aurora da nova era, no Brasil governado por Lula, o MinC nos colocava na vanguarda do planeta ao propor, com os Pontos de Cultura, a “construção de equipamentos culturais em áreas de vulnerabilidade social e a distribuição de kits multimídia voltados à descentralização da produção de conteúdos de mídia digital” (COSTA, p. 172).
O governo Bolsonaro exterminou o MinC, submeteu a Secretaria de Cidadania ao Ministério do Turismo e empossou uma série de desqualificados (para não usar palavra pior) para a pasta. Os Pontos de Cultura não interessam mais, nem a Cultura Viva, nem os benefícios e avanços indubitáveis que a governança lulista trouxe ao país nas áreas de educação, cultura, soberania, alimentação, saúde, dentre outras.
Por isso, rememorar é também um ato de resistência, mas para além da memória é preciso construir os Pontos de Cultura do presente e do futuro – não deixar que estes delírios utópicos morram asfixiados por aquilo que Gilberto Gil, em 2004, já denunciava como “o fascismo da exclusão social, do obscurantismo, da hegemonia de uma cultura (…) sobre as demais culturas que compõem o grande patrimônio comum da humanidade” (GIL, USP/2004, apud COSTA, p. 201).
SOBRE O AUTOR Eduardo Carli de Moraes – Jornalista, Filósofo e Produtor Cultural. Atua como professor de filosofia e coordenador de eventos culturais e esportivos no IFG. É o criador e coordenador d’A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia Independente. É co-autor do livro “Encontros no Encontro: participação social da Rede Nacional dos Pontos de Cultura” (Editora IFG – acesso gratuito).
Outubro de 2020
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARLOW, John Perry. A Economia das Ideias: vendendo vinho sem garrafas. Artigo on-line em inglês. Tradução de Eliane Costa.
COSTA, Eliane. Jangada Digital – Gilberto Gil e as políticas públicas para a cultura das redes. Azougue: 2011, 2ª ed. Acesso on-line.
MORAES, Eduardo; CARMO, Rafael. Encontros no Encontro: participação social da Rede Nacional dos Pontos de Cultura. Editora IFG, 2016. Acesso online.
TURINO, Célio. Pontos de Cultura: O Brasil de Baixo Para Cima. Acesso online.
Publicado em: 17/10/20
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia