O estudo Big Farms Make Big Flus (em tradução livre, Grandes Fazendas Fazem Grandes Gripes), do biólogo Rob Wallace, aponta para a possibilidade do novo coronavírus ter surgido a partir do modelo pecuário agro-industrial (1), ideologicamente amparado pelo consumo massivo de carnes. O livro de Wallace, na íntegra, acaba de ser publicado pela Editora Elefante com o título: “Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência” (https://bit.ly/35Kdl7c).
O pesquisador estadunidense é também autor do artigo “Ebola, Doença do Colonialismo”, publicado no portal Outras Palavras (2) onde, igualmente, relaciona a invasão predatória de redutos ambientais ao confinamento de animais em larga escala. Este processo teria como consequências a interação entre patógenos presentes na fauna silvestre e os animais destinados ao abate que estão confinados nas grandes fazendas produtoras da supostamente higiênica “proteína animal”.
Uma simples resposta a seguinte pergunta poderia abreviar todas as nossas inquietações a respeito do novo coronavírus: qual o comportamento humano generalizado que possibilitou o surgimento da Covid-19? Ao menos do ponto de vista patogênico a resposta é fácil: se partirmos da definição da doença pelo seu agente infeccioso, seguindo a definição dada pela Sociedade Brasileira de Parasitologia (3), as zoonoses são doenças infecciosas capazes de ser “naturalmente” transmitidas entre animais e seres humanos, concluímos que a Covid-19 é uma delas. Ainda segundo esta instituição, as anfixenoses são aquelas zoonoses capazes de circular indistintamente entre humanos e animais, ambos capazes de hospedar agentes patógenos como, entre outros, bactérias, fungos e vírus. Desta forma, temos classificado a Covi-19 como uma anfixenose, desde um ponto de vista preciso e crucial, o de sua atividade patogênica.
A organização ativista PETA (People For The Ethical Treatment of Animals), em artigo sobre coronavírus e consumo de carne (4), aponta que o novo-coronavírus tem muitas semelhanças com os surtos de SARS e MERS, todas doenças relacionadas ao consumo humano da carne de outros animais. Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) – instituição alçada pela pandemia ao mais proeminente posto de ator político na governança sanitária global – faz o seguinte alerta aos carnistas: “Para proteger a si mesmo, quando for a um mercado de animais vivos, evite ‘contato’ direto com animais e superfícies em contato com animais”. Ao contrário do enfrentamento necessário ao consumo de organismos vivos e mortos, e da mais óbvia conclusão restritiva a se esperar de uma organização responsável, a OMS acrescenta cinicamente: “Manuseie carne crua, leite ou órgãos de animais com ‘cuidado’ para evitar contaminação com alimentos não cozidos e evite também consumir produtos animais crus ou mal cozidos. ”
Ao invés de estender a crítica ao consumo de todo ‘comestível’ com alta capacidade de contaminação alimentar e ambiental, o senso comum carnista global permanece com a confortável certeza da continuidade de seu morticínio especista. A ideologia carnista segue intacta na propagação de uma pseudo-segurança sanitária de um ‘produto’ praticamente impossível de ser atestado como inteiramente seguro. Rob Wallace reforça esta hipótese, no estudo citado, ao alertar que as imensas doses de antibióticos e similares, aplicados aos animais de granja, superam o consumo humano dos mesmos. Indica ainda que a resistência criada pelos patógenos presentes nos animais à estes medicamentos leva a um processo de adaptação seletiva e impulsiona as ‘grandes gripes’, podendo chegar ao nível pandêmico.
Até quando vamos negligenciar a interferência humana no aparecimento das pandemias em plena era do Antropoceno, em que nenhum processo ambiental macro escapa às ações e presença verdadeiramente pandêmicas da humanidade diante do planeta e de outras espécies? Estudos sobre zoonoses do CDC (Center for Disease Control and Prevention) indicam que 75% das doenças infecciosas emergentes que afligem os seres humanos são de origem animal (5). Com o devido esclarecimento de suas causas, ou seja, o consumo humano de carne, a ideologia carnista e a pecuária industrial, a pandemia do novo coronavírus não poderia convencer um número mais amplo de pessoas a modificarem seus hábitos alimentares e comportamentais, aderindo ao veganismo? (6)
Se os animais ‘exóticos’ são os ‘responsáveis’ pela pandemia, porque o novo coronavírus não estava em circulação antes? Ele provem, de fato, de um animal, que apesar de ameaçado de extinção, é utilizado há milênios pela medicina chinesa, como é o caso do pangolim? Por abrigar coronavírus até 92% similares ao SARS-Cov2, isto atesta sua pertinência patogênica e epidemiológica?
Muitas perguntas ainda em aberto nas hipóteses do especismo, aquelas mais confortáveis, já que apontam à responsabilização das outras espécies. E outras, igualmente plausíveis, porém, em outra direção: Se sequenciarmos os códigos genéticos dos vírus encontrados em suínos, por exemplo, vamos encontrar outros coronavírus similares ao SARS-Cov2? Se isto for possível, teremos um animal hospedeiro intermediário muito mais próximo do genoma humano, com maiores chances de interação física e genética com os pacientes portadores dos 13 halótipos, pertencentes a todas as 5 cepas virais do novo coronavírus, e exclusivamente encontradas no território dos Estados Unidos? (7)
Considerando estas possibilidades, em meio ao imenso volume informações epidemiológicas em torno do novo coronavírus e da Covid-19, a ausência de uma análise patogênica primária a respeito da pandemia é notável. Recentemente, testemunhamos muitas manifestações de xenofobia anti-China, com a tentativa de lançar toda a culpa pelo surto inicial da pandemia sobre o mercado de carnes exóticas de Wuhan, porém estudos geopolíticos, como aqueles empreendidos por Pepe Escobar, levam-nos a suspeitar que a origem do novo coronavírus possa ter sido a base militar de Fort Detrick (EUA) e seu espalhamento possa ter se dado a partir do Exército dos EUA presente nos Jogos Militares de Wuhan (8).
Soma-se a esta desconfiança anti-imperialista o fato de que há 5 cepas do vírus em território estadunidense, e a consequente conclusão de sua origem americana. Entre as análises da hecatombe econômica que se avizinha, facilitada pela indiferença dos governos neoliberais e neofascistas, pela guerra comercial envolvendo as maiores potências globais, pelas crises políticas, epidemiológicas e diplomáticas, parece se instaurar uma espécie de censura prévia, por isso estruturante, estabelecida entre os que se debruçam, exclusivamente, sobre as consequências da pandemia, sem atentar para suas causas. Fala-se muito nos efeitos da pandemia, mas mantêm-se um tabu sobre discussão do que a causou: o consumo humano de carne, possivelmente – e práticas imperialistas de guerra biológica, como aponta a tese pepe-escobariana.
Faltaria, portanto, ao jornalismo mainstream e às publicações científicas, em particular, a determinação resoluta de apontar no rumo da raiz ética e comportamental do problema e realizar a urgente denúncia contra a expansão desenfreada das fronteiras agro-pecuárias, encampando a guerra necessária contra o carnismo: o estranho e naturalizado hábito político de matar – e se matar – para se alimentar de doenças!
Por Renato Costa
Edição por Eduardo Carli
A Casa de Vidro – 08 de Abril de 2020
REFERÊNCIAS:
Ilustrações: PETA (imagem em destaque) e “Manual de Prevenção e Controle da Covid-19 segundo o Doutor Wenhong Zhangforam” (Copyright ©️ 2020 – Shanghai Scientific and Technical Publishers).
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Publicado em: 08/04/20
De autoria: Renato Costa
Bom dia! Prezados.
Fiquei encantada com conteúdo desse site pois, tenho um trabalho acadêmico sobre a pandemia que iniciarei. Pergunto: Como faço para obter os conteúdos específicos sobre as origens da Pandemia e, as consequências no seu aspecto econômico, político, meio ambiente, saúde e educacional etc?
Olá, Rosemary! Em nossa livraria temos algumas publicações relativas ao tema! Posso lhe passar uma série de referências que fomos acumulando na sequência deste artigo! Pandemia e agronegócio, de R Wallace (2020) foi traduzido e publicado pela Editora Elefante! Temos um título que se refere aos impactos psicológicos da pandemia. Recomendo o jornalismo do global times e a TVCGTN, que relata a crise do ponto de vista chinês. A OMS esteve um mês e Wuhan e atesta não ser essa cidade a origem da pandemia. O apelo internacional é pela continuidade das investigações, aparentemente restrita aos serviços de inteligência estadunidenses…
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia
Rosemary Flores
Comentou em 04/03/22