Quem cala sobre teu corpo
Consente na tua morte
Talhada a ferro e fogo
Nas profundezas do corte
Que a bala riscou no peito
Quem cala morre contigo
Mais morto que estás agora
Relógio no chão da praça
Batendo, avisando a hora
Que a raiva traçou no tempo
No incêndio repetido
O brilho do teu cabelo
Quem grita vive contigo
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Canção de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos. Álbum “Geraes” (1976).
No cenário cultural brasileiro pós-golpe-de-1964, a turma do Clube da Esquina – entre eles Fernando Brant e Milton Nascimento – sobressaiu pelo primor de sua música mas também pela resistência (contra)cultural à ditadura civil-militar. “Por exemplo, logo depois da morte do estudante Edson Luís, em março de 1968, Milton e Rolando Bastos compuseram em homenagem a ele a canção “Menino”, que só seria gravada anos depois, pois os autores e sua turma não queriam parecer oportunistas… A lembrança do enterro de Edson Luís também inspirou Milton Nascimento e Wagner Tiso na composição de “Coração de Estudante”, em 1983, para a trilha sonora do filme Jango, de Silvio Tendler. (RIDENTI, Em Busca do Povo Brasileiro, p. 56)
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O compositor Sérgio Ricardo também dedicou ao Caso Edson Luís sua canção “Calabouço”:
Olho aberto ouvido atento
E a cabeça no lugar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Do canto da boca escorre
Metade do meu cantar
Cala a boca moço, cala a boca moço
Eis o lixo do meu canto
Que é permitido escutar
Cala a boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Cerradas portas do mundo
Cala a boca moço
E decepada a canção
Cala a boca moço
Metade com sete chaves
Cala a boca moço
Nas grades do meu porão
Cala a boca moço
A outra se gangrenando
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Mulata mula mulambo
Milícia morte e mourão
Cala a boca moço, cala a boca moço
Onde amarro a meia espera
Cercada de assombração
Cala a boca moço, cala a boca moço
Seu meio corpo apoiado
Na muleta da canção
Cala a boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Meia dor, meia alegria
Cala a boca moço
Nem rosa nem flor, botão
Cala a boca moço
Meio pavor, meia euforia
Cala a boca moço
Meia cama, meio caixão
Cala a boca moço
Da cana caiana eu canto
Cala a boca moço
Só o bagaço da canção
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
As paredes de um inseto
Me vestem como a um cabide
Cala a boca moço, cala a boca moço
E na lama de seu corpo
Vou por onde ele decide
Cala a boca moço, cala a boca moço
Metade se esverdeando
No limbo do meu revide
Cala o boca moço. Fala!
Olha o vazio nas almas
Olha um violeiro de alma vazia
Quem canta traz um motivo
Cala a boca moço
Que se explica no cantar
Cala a boca moço
Meu canto é filho de Aquiles
Cala a boca moço
Também tem seu calcanhar
Cala a boca moço
Por isso o verso é a bílis
Cala a boca moço
Do que eu queria explicar
Cala a boca moço
Cala o peito, cala o beiço
Calabouço, calabouço
Olha o vazio nas almas
Olha um brasileiro de alma vazia.
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Com a palavra, Marielle Franco (1978 – 2018): “O impeachment sofrido recentemente pela primeira presidente mulher brasileira foi uma ação autoritária, ainda que tenha se utilizado de todo arcabouço legal como justificativa. De um lado a presidenta, mulher, vista por parcela significativa da população como de esquerda. De outro lado um homem, branco, visto por parcela expressiva como de direita e socialmente orgânico às classes dominantes. A conjuntura brasileira, determinada pelo cenário do golpe, marca-se, para além da correlação de forças políticas, favorável às classes dominantes e seus segmentos mais conservadores. Principalmente por alterações sociais significativas na esfera do poder do Estado e no imaginário. Trata-se de um período histórico no qual se ampliam várias desigualdades, principalmente as determinadas pelas retiradas de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação e da criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo as negras e pobres. Este é um momento que asfixia o processo de democratização, aberto no fim da ditadura militar, e abre um novo cenário de crise, colocando desafios profundos para as esquerdas.” – LEIA O TEXTO COMPLETO – Capítulo de livro, Editora Zouk
Publicado em: 17/03/18
De autoria: casadevidro247
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