
O SOBREVIVENTE
Por Eliane Brum (No Livro “O Olho da Rua”, ed. Globo,)
O Brasil discute essa sentença de morte desde que o filme foi exibido em três blocos, no Fantástico, com pico de 54% de audiência. (…) A rotina das favelas invadiu os lares da “pista” – nome dado pelos favelados do Rio de Janeiro aos que vivem no Brasil de lá, na cidade. E invadiu a tela da Rede Globo, líder de audiência, em horário nobre, na noite de domingo, logo depois do jantar. Desta vez, ninguém saiu da poltrona.
No documentário, Serginho Fortalece aparece empunhando um fuzil. Ele diz: “Meu sonho é conhecer um circo. Minha mãe prometeu me levar no Beto Carreiro, mas ela morreu antes. Meu sonho é ser palhaço”. O menino que sonhava ser palhaço, enquanto defendia a “firma” (boca de fumo) de arma na mão, descobriu-se depois, era o único vivo. E, nessa “condição de vivo”, Serginho Fortalece se tornou não apenas um símbolo, mas um incômodo. Sem tarja preta, sem anonimato, a tragédia brasileira agora tem rosto, nome e sobrenome. Ficou mais difícil ignorá-la.
Nas palavras do rapper MV Bill: “Ele se tornou um ponto de luz. Ajudar esse maluco é transformá-lo num marco de possibilidades, provar que essa história pode ser virada. O que mais se viu pelo Brasil foram garotos com sonhos adiados. Realizar o sonho de um deles é mostrar a possibilidade de todos eles.”

MV Bill e o produtor de hip hop Celso Athayde, da Cidade de Deus, favela carioca que ganhou fama com o livro de Paulo Lins e o filme de Fernando Meirelles, gravaram o documentário em periferias brasileiras por oito anos. Não tiveram patrocínio, nem de governos nem de empresas. Venderam seus carros, uma casa e usaram o dinheiro de shows. Apanharam da polícia, foram presos, testemunharam sequestros e execuções. Fizeram um filme “de dentro”. Oertencem ao mundo que escancararam.
“No Brasil, o Rio tem mais destaque na mídia”, dispara MV Bill, “porque muita celebridade vive nele. Tiroteio sem mortos em Ipanema”tem mais destaque que uma chacina no Piauí…”
Não muito longe dali, as crianças não brincam de circo. Jogam “boquinha”. Funciona assim, na trascrição literal. Um dos garotos explica a MV Bill e Celso Athayde: “A brincadeira que nóis brinca todo dia, Mano, tem várias armas. Nóis pega alcalipto e fala que é maconha…” Começa então o jogo. São várias crianças e parecem ter entre 7 e 10 anos. Começam oferecendo o produto da “firma”:
– Pó de dez, pó de dez, vem cheirar, essa é da boa.
Depois brincam de subornar a polícia.
– Tu fala pra aquele tenente lá, daquele batalhão lá, que nóis vai furar (balear) eles mesmo. Só 3 mil do arrego (suborno). Se quiser mais que isso, pode mandar entrar na favela que nóis vai metê bala neles…
Os meninos do tráfico estão a um quase da morte. São crianças com essa força, a de viver com a probabilidade do fim no minuto seguinte. A insanidade do menino está no excesso de lucidez: “Se morrer nasce outro como eu. Ou melhor, ou pior. Se morrer vou descansar. É muito esculacho nessa vida.” Morreu.
[…] uma das entrevistas mais tocantes do documentário Falcão – Meninos No Tráfico, uma criança carioca, moradora do morro, trabalhadora do […]
CurtirCurtir
[…] da Rua,li uma reportagem, dentre as suas dez e maravilhosas deste livro, que fala extamente sobre este tema tão complexo que é a incersão dos jovens, criancas e adolecentes num mundo de crime, pobreza e […]
CurtirCurtir