“Dans le bleu de cette beauté vous devinez le noir òu elle s’abîmera bientôt, et vous trouvez dans cette vie conjugale du bleu et du noir l’unique leçon de choses qui vous convienne, la preuve d’une excellence de cette vie òu tous nous est donné à chaque instant, le bleu avec le noir, la force avec la blessure. La seule tristesse qui se rencontre dans cette vie vient de notre incapacité à la recevoir sans l’assombrir par le sentiment que quelque chose en elle nous est dû: rien ne nous est dû dans cette vie, pas même l’innocence d’un ciel bleu. Le grand art est l’art de remercier pour l’abondance à chaque instant donnée.” —- CHRISTIAN BOBIN. L’Inesperée
2011 começa. Todo ano é novo, e este não vai fugir à regra. Mas alguns anos são mais novos que os outros, e este promete ser destes: ano novidadeiro, cheio dos ineditismos, e espero que benignos e risonhos, em sua maioria, ainda que eu viva já de sobre-aviso contra os temporais da melancolia… Já trago no coldre o guarda-chuvinha e a certeza consoladora de que todo aguaceiro passa. Uma das maiores vantagens de ter atravessado tormentas é saber que elas são tão efêmeras quanto as bonanças, e que isso é uma boa nova – ou ao menos assim me parece. A efemeridade de tudo não é razão para prantearmos sem fim que nada dure. É também uma excelente razão para não nos angustiarmos muito com nossas angústias, nem reclamarmos muito de nossas dores, já que cedo ou tarde, sem grilo, elas se mandam. Inda mais rápido se vão quando estamos em boa companhia, como é o caso neste ano que me alvorece muito luminoso neste quesito…
Planos, projetos, promessas, fi-los poucos. Não sou supersticioso de achar que virada de ano vira tudo. Não acredito que o reveillon seja milagreiro: o planeta prossegue em seus rodopios ao redor do Sol, pelo salão de dança imenso do espaço, sem que nada nas proximidades pareça dar a mínima para a vida humana. Em alguns milhões de anos-luz de nossa vizinhança galáctica, não parece haver consciência que nos testemunhe, divindade que nos observe e vigie, companhia extra-terráquea que nos visite e contacte… O que acabamos tendo é este pouco e este tudo: uns aos outros.
Nós, aqui, criaturinhas misteriosas e desnorteadas bebaixo do silêncio das estrelas — elas que jamais me sorriram, ainda que eu com frequência sorria observando-as, em minha miudeza, à distância, por vezes tentando me enganar que me dão de suas piscadelas… Mas não: não espero graças dos céus, mas também não desespero de achar muita graça nesta vida sub-lunar, a única que conheço e que amo. Que outros sonhem com o céu, estão em seu direito. Eu só posso viver sobre o lombo de um planeta, e enxergar no céu apenas os gases da atmosfera, e além deles o célebre “silence éternel” de que Pascal tanto se queixa. Não, não posso crer que a vida seja obra divina, mas isto não a impede de ser fascinantemente bizarra em sua corredeira perpétua, na novidade absoluta de cada um de seus segundos… É verdade que o cosmos ao redor não parece dar uma merreca para o fato de vivermos ou morrermos, mas isto não impede nós, os vivos, de estarmos em assombro absoluto diante da imensidão de tudo.
O ano entrou, e como já me é de praxe, não rezei para deuses ou anjos em quê não acredito, nem pedi dos céus graças que sei que ele não choverá, de graça, sobre minha sortuda carcaça. Aprendi a contar somente com o humano, e não vejo outra solução, nem outra delícia, que esta. Não quero depender da sorte e jamais faço aquela fézinha na loteria. Prefiro viver desesperançado do que viver trôpego, tropicando nos fiascos de minhas fantasias. Pois viver de esperança é tropicar em frustração, vida afora, só no tombo e no capote. Prefiro o pé no chão sóbrio de quem dá um passo por vez, sem avoação ou correria, sem estrela-guia senão a ânsia de amor e sabedoria.
2011 começa com minha vida de roupa mudada, em novo domicílio, rodeada por um outro cenário, iluminada como nunca dantes pelo doce acalanto de uma presença amada. Cotidiana benesse que há de tornar o declive dos dias mais suaves. Hei de deslizar pela vida de modo menos travado, mais líquido, fluindo melhor, como só conseguem os desencouraçados, os que só navegam tendo amor no horizonte… E não o pavor das ondas que submergem. O que eu gostaria, barquinho da minha vida, de frágeis tábuas boiando efêmeras sobre os revoltos mares do tempo, é um pouco de navegar suave, de nuvens claras, de angústias poucas. Smooth sailing. Quero curtir a viagem enquanto ela se desenrola ao invés de chorar por antecipação ao antever minha barcola, destroçada pelos vendaçais da morte, indo atracar aos destroços na praia do esquecimento… Quero viagem solar, sem que me assolem pensamentos sombrios nem pressentimentos funéreos. Que o sol que brilha nos olhos dela seja o que me agasalha, e que o sorriso nos meus olhos diante do beleza dela também a agasalhe, enquanto atravessamos juntos, remos unidos, forças somadas, as insondáveis correntezas do futuro…
My love: like a bridge over troubled waters I will lay me down…
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Publicado em: 08/01/11
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
Que lindo… vamos no mesmo barquinho sob as estrelas…
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Gisele
Comentou em 31/01/11